Podcast Economistas: Desigualdade racial no mercado de trabalho
Economistas discutem como desemprego, informalidade, plataformas digitais e barreiras estruturais moldam desigualdades e afetam a trajetória laboral da população negra
Está no ar mais um episódio do podcast Economistas! O tema desta semana é a realidade da população negra no mercado de trabalho. O Cofecon realizou um debate alusivo ao Mês da Consciência Negra, tendo como expositoras as economistas Beatriz Barro e Lucia dos Santos Garcia. A apresentação foi da presidenta do Cofecon, Tania Cristina Teixeira, com moderação da conselheira federal Teresinha de Jesus Ferreira da Silva. O podcast pode ser acessado na sua plataforma preferida ou no player abaixo.
Ao analisar o retrato atual das desigualdades no Brasil, Tania Teixeira ressaltou que, mesmo com avanços importantes nos níveis de escolaridade da população negra, os números continuam revelando um padrão preocupante. “A população negra enfrenta maior taxa de desemprego, rotatividade e informalidade, além de salários mais baixos e sub-representação em cargos de decisão e nas carreiras de maior prestígio. Ela também tem problemas no acesso a serviços públicos e à universidade, mesmo com as políticas de cotas”, apontou a presidenta do Cofecon.
“Observamos também que a população negra está, na maioria das vezes, na informalidade e trabalhando muitas horas – é o caso dos trabalhadores de plataformas, que ficam na chuva, sem reconhecimento do trabalho pela via formal”, prosseguiu Tania Teixeira. “É essencial que o Sistema Cofecon/Corecons tenha as condições de pesquisar e participar de diagnósticos, como fazemos hoje, com vistas a formar e informar a respeito das questões de discriminação, do preconceito e do racismo estrutural”.
A conselheira federal Teresinha de Jesus Ferreira da Silva ressaltou que o combate ao racismo deve orientar as análises econômicas. “Estamos no Mês da Consciência Negra, um mês de enfrentamento ao racismo estrutural. Este é um debate importante para a sociedade e para nós, economistas. Estamos colocando o tema no centro da nossa reflexão econômica”, pontuou a conselheira. “A Comissão Mulher Economista e Diversidade tem desempenhado um papel essencial ao promover este debate, que contribui para intensificar as ações de conscientização de que a equidade racial é também uma questão econômica”.
Discriminação em números
Ao trazer números para o debate, a economista Beatriz Barros chamou a atenção entre os avanços pontuais e a persistência de uma desigualdade estrutural, sustentada por determinantes históricos e sociais que continuam moldando oportunidades. “Quando pensamos em desigualdade racial no mercado de trabalho, vemos que a população negra está tendo avanços, mas ainda muito pequenos. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que 56% da população é negra (pretos e pardos)”, comenta Beatriz. “Quando olhamos a taxa de desocupação, a dos negros é de 8%, enquanto a dos não negros é 5,5%. A diferença é maior quando vemos que o desemprego atinge 10,1% das mulheres negras, e 4,6% dos homens brancos. Não são apenas questões econômicas, são sociais”.
“Uma população com um mesmo nível educacional tem um grupo que está mais desempregado, com mão de obra subutilizada em outros serviços, que não são aqueles das áreas nas quais se formaram. Essas pessoas negras têm remuneração menor”, afirma a economista. “Há um elemento histórico central, que é o modelo de acumulação de capital que vem desde a escravidão. Ele se perpetua mesmo em cenários contemporâneos. Vemos todos os traços do racismo nas entrevistas de emprego e nas decisões de poder. Costumo dizer que você pode ter o melhor currículo, mas a sua cor chega antes”.
Beatriz também abordou como o racismo afeta a lógica de contratação de trabalhadores: “Se é preciso diminuir o custo, contratam mais pessoas negras com a intenção de remunerar menos. Mas se for para remunera mais, com cargos de poder, então são escolhidas pessoas brancas”, apontou. “Tem uma frase que diz que quando uma mulher negra vence, ela não é premiada; criam-se novos mecanismos de avaliação”.
Intersecção de raça, gênero e classe social
A separação de dados por raça, gênero e classe social permite medir de forma mais precisa as desigualdades. “O lugar em que você nasce diz muito sobre as oportunidades que teve na infância, a escolaridade, o acesso à cultura, turismo, cinema, biblioteca, tudo isso forma o ser humano”, explica Beatriz. “A mulher negra acaba sendo afetada pelo machismo e pelo racismo. Este recorte de interseccionalidade vai trazer que 60% das ocupações de menor remuneração são das mulheres negras – algo absurdo, porque grande parte delas são chefes de família”
“A população periférica mal tem acesso à educação básica. Queremos que elas sejam líderes, CEO, mas não damos base para ela sonhar com isso. E se ela não consegue vislumbrar, não vai querer aquilo”, comenta a economista. “Eu não tive o sonho de infância de ser economista, nem sabia que isso existia. Fui saber já no ensino médio. Como é que eu iria querer algo que não sei e que não chegou até mim? Fui criada num lugar periférico e sair da bolha é algo muito difícil”.
Divisão racial do trabalho
Para enfrentar a desigualdade contemporânea, a conselheira federal Lucia dos Santos Garcia enfatiza a importância das políticas afirmativas. “Considero que iniciativas públicas de ordem afirmativa são absolutamente necessárias neste momento. Elas têm a capacidade de produzir rapidamente uma reparação, ao mesmo tempo que produzem debates públicos fundamentais”, apontou a economista. “Mas, de fato, nós não vamos superar, no capitalismo, tal como ele foi conformado no Brasil, a condição da desigualdade, porque ela é essencial, está na base dessa estrutura econômica. O que podemos fazer é mitigar efeitos”.
Lucia também destacou a importância da política de cotas raciais para acesso à universidade e a iniciativa do Dia da Consciência Negra. “Passando por diversos espaços, interagindo com as pessoas, nós sabemos que existe hoje principalmente uma consciência do povo negro, que se autodeclara negro. Portanto, vamos ampliar essa consciência, essa capacidade organizativa. Todos os progressos definitivos do trabalho vêm dos trabalhadores, e não de concessões. Esse desenvolvimento me parece central”, mencionou.
“Os negros enfrentam dificuldades maiores que os outros trabalhadores, determinada essa dificuldade principalmente pelo lugar que o negro ocupa no mercado de trabalho”, prosseguiu a conselheira federal. “Ou seja, é a divisão racial do trabalho, que vai nos designar as mulheres negras ao emprego doméstico, os homens negros, a construção civil e em pouquíssimas vezes esses trabalhadores estarão em cargos de maior prestígio e segmentos produtivos de maior elaboração e maior complexidade produtiva. Essa definição é que vai depois se desdobrar sobre a questão do desemprego, da rotatividade, da informalidade”.
Combate ao racismo no centro das discussões econômicas
Ao discutir caminhos para consolidar a pauta racial como eixo permanente das análises econômicas, Beatriz enfatizou que o enfrentamento ao racismo institucional não pode se restringir ao Mês da Consciência Negra. “Precisamos de uma representatividade efetiva em todos os espaços, sejam acadêmicos, empresariais ou políticos. A sub-representação das pessoas negras em cargos de liderança é uma barreira significativa que impede o avanço da população e do debate”, afirmou a pesquisadora.
Ela também destacou a importância das estatísticas. “Há um trabalho que já vem sendo feito pelo Dieese, em especial, que é a produção de dados desagregados. É importante porque quando as pessoas disserem que isso é coisa da nossa cabeça e que fulano tem um primo que está num bom emprego, poderemos responder que não é sobre o seu recorte, mas sobre toda a população e que aqui estão os dados do IBGE”, argumentou Beatriz.
Outro problema observado pela economista diz respeito à efetividade das medidas de combate à desigualdade de raça. “Não adianta pegar uma pessoa e colocar num cargo para fins decorativos, para dizer que sou antirracista, se não der condições; ou colocar na universidade e não dar condições de permanência, de sanar a problemática do ensino médio defasado”, aponta Beatriz. “Nós ouvimos muito que as pessoas negras têm oportunidade, mas não dão conta. Não é questão de dar conta, é questão de fazer o trabalho de abrir a porta e dar a condição de permanência”.
Trabalho por plataformas
A conselheira federal Lucia dos Santos Garcia apontou uma contradição em relação ao trabalho por meio de plataformas digitais. Se, por um lado, há menores barreiras para a entrada de pessoas negras, por outro não há uma superação da pobreza. “Elas aproveitam-se de um excesso de força de trabalho nos grandes ambientes urbanos e esse excesso de força de trabalho nitidamente ele tem características específicas. Vamos encontrar homens e mulheres negros, vamos encontrar os mais vulneráveis, e vão oferecer então oportunidades de trabalho sem grandes crivos seletivos”, pontuou Lucia. “Por isso eles vão acolher com maior intensidade relativa à população dita vulnerável à população negra. A grande questão é que esses negócios não propiciam uma condição de manutenção, uma renda adequada, direitos, extensão a uma série de condições institucionais que precisamos no mundo do trabalho”.
“É muito difícil dizer que nós temos, a partir desta condição, um lado positivo com alguns umas desvantagens. Na verdade, temos uma condição social hoje de um proveito que um segmento capitalista tira de uma condição de vulnerabilidade extrema, que nós vamos viver em vários centros urbanos mundiais, mas que no caso de uma economia subdesenvolvida, como é o caso do Brasil, vai se apresentar num volume muito mais elevado”, finalizou a conselheira federal.
Debate
O Cofecon realizou um debate no dia 27 de novembro, alusivo ao Mês da Consciência Negra, transmitido ao vivo pelo canal da autarquia no YouTube. Ele pode ser assistido por meio do player abaixo.
As participantes
Tania Cristina Teixeira é graduada em Ciências Econômicas e Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), com especialização em Políticas Econômicas pela mesma instituição, mestrado em Ciência Política pelo Departamento de Ciência Política Universidade Federal de Minas Gerais (DCP/UFMG), mestrado Master-DEA e doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de Valência, Espanha. Professora do Departamento de Economia da PUC Minas, atua como Coordenadora de Extensão Universitária e de Monografia e é orientadora de pesquisas na área de economia, mercado de trabalho, desenvolvimento econômico regional e local, desenvolvimento sustentável, economia social, economia criativa e circular. Foi conselheira do Corecon-MG por dois mandatos e presidenta em 2020, 2021 e 2022. É conselheira do Cofecon desde 2024 e presidenta no exercício de 2025.
Teresinha de Jesus Ferreira da Silva é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Piauí (1980) e mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí (2006). É servidora pública com conhecimento na área de planejamento estratégico, inovação, projeto, desenvolvimento e meio ambiente. É superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Piauí. Ex-presidente do Corecon-PI, é conselheira federal e coordena a Comissão Mulher Economista e Diversidade do Cofecon.
Lucia dos Santos Garcia é graduada em Ciência Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado em Economia pela mesma instituição. É técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Conselheira federal, é coordenadora da Comissão de Mercado de Trabalho do Economista e Valorização Profissional e vice-coordenadora da Comissão Mulher Economista e Diversidade.
Beatriz Barros é graduada em Economia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e mestra em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Alfenas. É doutoranda em Economia na Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Grupo de Estudos em Economia da Saúde e Criminalidade da mesma instituição. É diretora do Sindicato dos Economistas do Estado de Minas Gerais e Conselheira do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, onde coordena a Comissão de Assuntos Étnico-Raciais.
