O futuro do trabalho: desafios, rupturas e novas competências para os economistas
Transformações tecnológicas, novos modelos de trabalho e o papel do Estado foram temas centrais do painel “Perspectivas profissionais – qual seu próximo emprego?”, durante o XXVI CBE
Em meio a um cenário de rápidas transformações globais e tecnológicas, o futuro do trabalho se apresenta como um desafio complexo, marcado por incertezas e oportunidades. No XXVI Congresso Brasileiro de Economia (CBE), realizado em outubro, em Porto Alegre, o painel “Perspectivas profissionais – qual seu próximo emprego?” trouxe o economista José Celso Cardoso Júnior, secretário de Gestão de Pessoas do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, para uma análise profunda sobre as mudanças estruturais no mercado de trabalho e as competências necessárias ao economista do século XXI. A moderação foi conduzida pelo conselheiro do Corecon RS Clóvis Meurer.
José Celso iniciou sua fala contextualizando as transformações históricas que moldaram o mundo do trabalho. Segundo ele, o modelo de inserção predominante nos últimos 150 anos – o emprego assalariado formal – entrou em franca transição diante das revoluções tecnológicas e das novas dinâmicas do capitalismo global. “Durante boa parte do século XX, a trajetória profissional era estruturada, previsível, ancorada em contratos formais de trabalho. Esse modelo garantia renda, estabilidade e proteção social. Hoje, tudo isso se transforma radicalmente”, afirmou. O economista destacou que o fenômeno do desemprego estrutural, intensificado ao longo das últimas décadas, ganha uma nova dimensão no século XXI, atingindo também o trabalho intelectual e do conhecimento. “A atual revolução tecnológica substitui não apenas o trabalho manual, mas também o intelectual. A inteligência artificial cria uma nova camada de desempregados estruturais — pessoas aptas, mas sem lugar fixo no mercado.”
Cardoso chamou atenção para as sete megatendências globais que moldam o contexto contemporâneo do trabalho: globalização produtiva e financeira; perda de autonomia dos Estados nacionais; colapso produtivo e humano; degradação ambiental acelerada; fragmentação cultural e social; deslegitimação da política e ameaça de conflitos militares. “Essas tendências não são exclusividade do Brasil — elas afetam o capitalismo global e desafiam economistas e formuladores de políticas. Estamos diante de um contexto muito adverso, que exige realismo e lucidez para pensar o futuro do trabalho e da profissão”, pontuou. Para o economista, essas mudanças estruturais redefinem não apenas o modo de inserção no mercado, mas o próprio papel social do economista, que deve compreender e intervir sobre fenômenos complexos e interdependentes.
Novas competências para os economistas
Ao abordar o futuro das profissões, José Celso defendeu que as novas gerações de economistas precisam desenvolver competências transversais que combinem técnica, empatia e visão sistêmica. Citando o estudo Mapa das Transversalidades, desenvolvido pela Enap, destacou dez atributos essenciais para o profissional do futuro: capacidade de resolver problemas com base em evidências, foco em resultados para a cidadania, mentalidade digital, agir comunicativo, trabalho em equipe, valores éticos, visão sistêmica, pensamento complexo e prospectivo, conhecimento crítico sobre a realidade brasileira e compreensão profunda das relações entre Estado e desenvolvimento. “O profissional do futuro precisa unir rigor técnico e compromisso social. Foco em resultados para a cidadania significa entender que nenhuma atuação laboral é um fim em si mesmo”, disse.
O economista enfatizou ainda a importância de superar a fragmentação e o isolamento intelectual dentro da própria profissão. “Os economistas, muitas vezes, se fecham em seus métodos e modelos. Precisamos romper com essa tendência e resgatar o sentido coletivo da nossa atuação. Só o trabalho em equipe salvará a humanidade do colapso total”, afirmou com ironia e convicção. Para ele, a formação econômica precisa ser reformulada para incluir o pensamento complexo e a capacidade de projetar cenários diante de mudanças disruptivas. “Não podemos continuar projetando o futuro apenas a partir do passado. As séries históricas ajudam, mas as rupturas que estamos vivendo exigem outro tipo de olhar. Precisamos pensar prospectivamente.”
Valorização do serviço público
Entre as competências que considera essenciais, Cardoso destacou a necessidade de uma compreensão crítica e densa da realidade brasileira. “O método é importante, mas não substitui o objeto de análise. Sem um conhecimento profundo da realidade nacional, o economista perde sua capacidade de contribuir para a transformação social”, disse. Ao defender a centralidade do Estado no processo de desenvolvimento, reforçou que “não há desenvolvimento sustentável, equitativo e democrático sem um Estado forte e servidores públicos valorizados”. Ele alertou para a visão distorcida e desvalorizada do serviço público, muitas vezes reforçada socialmente. “Existe uma crença de que o servidor é marajá ou preguiçoso. Precisamos combater essa ideia. Sem o Estado e seus servidores, não há como avançar em direção a um desenvolvimento soberano e inclusivo.”
Ao final do painel, José Celso reforçou que os desafios contemporâneos — do colapso ambiental à revolução tecnológica — também abrem espaço para novas frentes de atuação profissional. “Quando falo de colapso ambiental, falo também de oportunidades. A política ambiental no Brasil é recente, mas hoje é uma das áreas com maior investimento em capacitação, recomposição de quadros e inovação. O mesmo vale para a revolução tecnológica: é uma avenida aberta de oportunidades, que exige atualização constante e disposição para aprender.”
O Congresso Brasileiro de Economia ocorreu de 06 a 10 de outubro no Plaza São Rafael Hotel, em Porto Alegre, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Reconstrução, Desafios e Oportunidades”. O evento reuniu cerca de 50 especialistas e 500 participantes (online e presencial) em torno de grandes temas que impactam o futuro do país, como reforma tributária, mudanças climáticas, comércio internacional, agronegócio, desigualdades regionais, inovação, economia comportamental, educação financeira e o papel do Estado na neoindustrialização. A promoção foi do Cofecon, em parceria com o Corecon/RS.
O evento contou com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Vero/Banrisul, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Monte Bravo Investimentos, Conselhos Regionais de Economia de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro.
