XXVI CBE: Por que economia solidária? E para que economistas?

Painel com participação de Tania Cristina Teixeira, Marcio Pochmann e Renato Dagnino destaca economia solidária como resposta estrutural à desigualdade, ao desemprego e à crise ambiental

O último dia de debates do XXVI Congresso Brasileiro de Economia foi batizado de CBE Student Day, pela maior participação de estudantes no evento, e o primeiro painel do dia teve como tema a economia solidária: ela deixou de ser um tema periférico para ocupar espaço estratégico no debate público brasileiro. Os debatedores foram a presidenta do Cofecon, Tania Cristina Teixeira; o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann; e o professor Renato Dagnino, da Universidade Estadual de Campinas. Eles analisaram o avanço das experiências solidárias no país e defenderam sua construção como um novo paradigma econômico, capaz de integrar justiça social, trabalho digno, sustentabilidade e democracia econômica.

A presidenta do Cofecon destacou que a economia solidária emerge como resposta aos limites do modelo econômico dominante. Para ela, trata-se de um novo modo de organizar a economia com as pessoas no centro. “Quando perguntamos por que economia solidária, estamos perguntando por que um novo paradigma econômico se faz necessário. O modelo centrado no lucro, na competição e na financeirização tem produzido fome, desigualdade, exclusão e devastação ambiental. É preciso construir alternativas viáveis e humanas”, afirmou. Tania lembrou ainda que a economia solidária floresceu historicamente nos espaços de marginalização criados pelo capitalismo. “Ela valoriza cooperação, autogestão, saber local e cuidado com pessoas e territórios. Ela devolve o trabalho ao seu sentido de dignidade e criatividade — não como alienação ou mera busca por renda, mas como espaço de autonomia e bem viver”.

Tania também reforçou o compromisso do Cofecon com o tema. “Temos a responsabilidade de fortalecer esse campo de atuação profissional. A Comissão de Responsabilidade Social e Economia Solidária tem avançado, e o Prêmio Paul Singer, que chega à sua quarta edição, é um marco nacional de reconhecimento a experiências transformadoras. Meu convite é que economistas se comprometam com a construção de um país mais justo. Que transformemos conhecimento em ação e ação em mudança real”.

Em sua intervenção, Marcio Pochmann destacou que a ascensão da economia solidária está diretamente ligada à transformação do mundo do trabalho e ao esgotamento do capitalismo como projeto civilizatório. “Desde a década de 1980 vivemos uma crise permanente do emprego. Hoje, menos da metade da população ocupada está em atividades tipicamente capitalistas. Entre 70 e 80 milhões de brasileiros estão sobrando ao projeto econômico atual — uma massa de trabalhadores empurrada para a sobrevivência, sem direitos e sem perspectivas”, afirmou. Para ele, o país vive uma ruptura histórica: “O projeto de sociedade salarial, que estruturou o Brasil industrial, se esgotou. O que está emergindo é outra realidade — fragmentada, desigual e perigosa, dominada pelo avanço do rentismo, do crime organizado e do fanatismo religioso”.

Para Pochmann, a economia solidária oferece um caminho estratégico para reconstruir um projeto nacional. “Ela não pode ser tratada como política compensatória. É um ensaio real de futuro. Trabalha com crédito social, novas formas de moeda, cooperação produtiva e tecnologias sociais. Enquanto as instituições atuais operam sobre as consequências, a economia solidária atua sobre as causas”. Ele concluiu com uma provocação: “Precisamos de políticas públicas preditivas e um novo sistema estatístico que enxergue a realidade do trabalho popular. Sem isso, vamos continuar tentando medir o futuro com instrumentos do passado”.

Renato Dagnino trouxe uma reflexão crítica sobre o papel da economia solidária no contexto de colapso socioambiental. “O capitalismo tenta resolver sua crise histórica com guerras e concentração de renda, mas não sabe enfrentar a crise ambiental. Suas alternativas são ineficazes e perigosas para a sobrevivência humana”, afirmou. Ele defendeu a centralidade da propriedade coletiva e da autogestão. “Não existe solidariedade sem confiança e não existe confiança sem democratizar o poder econômico. A economia solidária não se opõe apenas à desigualdade; ela enfrenta a lógica da tecnociência capitalista que transforma pessoas em meios de produção.”

Dagnino também criticou a baixa prioridade dada à economia solidária no orçamento público. “A classe proprietária recebe 8% do PIB em juros da dívida, 5% em renúncia fiscal e 15% via compras governamentais. As redes solidárias recebem apenas 0,02% em compras públicas — justamente a política mais eficiente para desenvolver esse setor.” Para ele, os economistas devem ter protagonismo no tema: “Para que servem os economistas, afinal? Para ampliar a compreensão do futuro e ajudar a construir um novo projeto de país. A economia solidária é hoje a única alternativa capaz de sustentar a vida com justiça social e equilíbrio ecológico.”

XXVI Congresso Brasileiro de Economia 

O Congresso Brasileiro de Economia ocorreu de 06 a 10 de outubro no Plaza São Rafael Hotel, em Porto Alegre, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Reconstrução, Desafios e Oportunidades”. O evento reuniu cerca de 50 especialistas e 500 participantes (online e presencial) em torno de grandes temas que impactam o futuro do país, como reforma tributária, mudanças climáticas, comércio internacional, agronegócio, desigualdades regionais, inovação, economia comportamental, educação financeira e o papel do Estado na neoindustrialização. A promoção foi do Cofecon, em parceria com o Corecon/RS. 

O evento contou com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Vero/Banrisul, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Monte Bravo Investimentos, Conselhos Regionais de Economia de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro. 

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