XXVI CBE: Agricultura familiar ganha protagonismo em debate sobre o futuro produtivo e sustentável do campo brasileiro

Economistas destacaram a necessidade de fortalecer a agricultura familiar com políticas públicas, assistência técnica e educação, para impulsionar a produtividade

Mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros vêm da agricultura familiar. Por isso, o setor tem papel estratégico não apenas na segurança alimentar, mas também na sustentabilidade e no desenvolvimento regional. No entanto, os desafios para consolidar esse potencial — como acesso a crédito, assistência técnica e educação — ainda são grandes. O tema esteve no centro do painel “Agronegócio e Agricultura Familiar”, realizado durante o XXVI Congresso Brasileiro de Economia (CBE), em Porto Alegre, e reuniu os economistas Alexandre Sampaio Ferraz, assistente técnico do DIEESE, e Rogério Antônio Mauro, professor do Instituto Federal Goiano. A mediação foi da economista Mirsa Maria Nardi.

O debate expôs contradições, avanços e perspectivas de dois modelos que coexistem no campo brasileiro: o agronegócio empresarial, intensivo em capital, tecnologia e exportações, e a agricultura familiar, intensiva em trabalho e essencial para o abastecimento interno.

Desconstruindo mitos sobre produtividade e papel econômico

Ferraz propôs rever o discurso dominante sobre o peso do agronegócio na economia. “A gente tem ouvido sempre que o agronegócio carrega o Brasil, que é o motor da economia brasileira. E eu acho que isso daí não é verdade”, afirmou. Ele lembrou que o setor agropecuário representa cerca de 6,5% do PIB nacional, percentual relevante, mas distante da importância dos setores de serviços e indústria, que seguem sendo os principais motores da economia.

Segundo Ferraz, o destaque do agronegócio está nas suas sinergias com a indústria, especialmente a de alimentos e bebidas, que responde por cerca de um quinto da produção industrial brasileira. “É essa interface entre agropecuária e indústria que confere relevância econômica ao setor”, observou.

Mas foi ao tratar da produtividade que o economista provocou maior reflexão. “Sempre se imaginou que o grande agronegócio era o setor produtivo e desenvolvido, e a agricultura familiar o lado atrasado. Isso não é completamente verdade”, destacou, com base em dados do Censo Agropecuário 2017. Segundo ele, o valor bruto da produção por hectare da agricultura familiar tipo A (Pronaf-V) chega a R$ 2,6 mil, quase o dobro da produtividade do grande agronegócio, que é de R$ 1,5 mil por hectare.

Ferraz apontou a educação e a assistência técnica como gargalos estruturais para a modernização da agricultura familiar. “Só 18% dos estabelecimentos familiares têm acesso à orientação técnica. É um fracasso nacional”, afirmou. Ele destacou que, sem assistência técnica, muitos produtores ficam excluídos de políticas públicas, como o Pronaf, que exige planos de manejo e acompanhamento técnico para liberação de crédito.

Ferraz defendeu ambição maior nas políticas agrícolas e maior foco em sustentabilidade e mecanização. “A nova política industrial fala em mecanizar 80% da agricultura familiar. Hoje, não temos nem 10% mecanizados. É um potencial gigantesco de aumento de produtividade”, avaliou.

Dois modelos, um mesmo desafio: sustentabilidade

O professor Rogério Antônio Mauro começou sua exposição reconhecendo que há dois modelos agrícolas coexistindo no país, inclusive com dois ministérios distintos: o MAPA, voltado à agricultura empresarial, e o MDA, responsável pela agricultura familiar. Os dados apresentados por Mauro mostram a assimetria estrutural entre os modelos. Apenas 23% dos estabelecimentos rurais pertencem ao agronegócio, mas concentram 77% das terras agrícolas. Já a agricultura familiar representa 77% dos estabelecimentos, mas ocupa apenas 23% da área rural.

Além da concentração fundiária, há forte desigualdade tecnológica e de renda. “Temos uma das maiores concentrações de terra do mundo. Cerca de 1,4% dos imóveis rurais, com mais de mil hectares, concentram 61% do território rural”, destacou Mauro. Ele lembrou que a renda gerada pelo agronegócio tende a se concentrar em polos urbanos e fora do país, enquanto a da agricultura familiar circula localmente, estimulando o desenvolvimento regional.

Mauro enfatizou o papel estratégico da agricultura familiar na geração de emprego, renda e na produção de alimentos saudáveis e diversificados. “Mais de 10 milhões de pessoas no campo têm na agricultura familiar sua principal ocupação”, comentou. Ele também destacou o papel das políticas públicas e do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), que substituiu a antiga DAP e garante o acesso a programas como o Pronaf, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) — agora com 45% das compras obrigatórias da agricultura familiar.

Mauro apresentou um panorama da rota de inclusão produtiva que vem sendo construída: da documentação de trabalhadores rurais, em especial mulheres, à regularização fundiária e à agregação de valor por meio do cooperativismo. “Política pública para a agricultura familiar faz diferença e é extremamente importante. A turma do Estado mínimo vai chiar, mas sem essas políticas não há inclusão nem desenvolvimento rural”, afirmou.

XXVI Congresso Brasileiro de Economia 

O Congresso Brasileiro de Economia ocorreu de 06 a 10 de outubro no Plaza São Rafael Hotel, em Porto Alegre, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Reconstrução, Desafios e Oportunidades”. O evento reuniu cerca de 50 especialistas e 500 participantes (online e presencial) em torno de grandes temas que impactam o futuro do país, como reforma tributária, mudanças climáticas, comércio internacional, agronegócio, desigualdades regionais, inovação, economia comportamental, educação financeira e o papel do Estado na neoindustrialização. A promoção foi do Cofecon, em parceria com o Corecon/RS.

O evento contou com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Vero/Banrisul, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Monte Bravo Investimentos, Conselhos Regionais de Economia de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro.

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