XXVI CBE: Mesa discute tributação da renda e riqueza no Brasil
Debatedores discutiram justiça fiscal, competitividade econômica e financiamento do Estado brasileiro em um painel que reuniu visões do setor público e privado
Um dos temas mais importantes da agenda econômica brasileira é a tributação da renda e da riqueza, suas implicações para o crescimento, a justiça fiscal e o financiamento das políticas públicas. O XXVI Congresso Brasileiro de Economia contou com um painel específico para este debate, reunindo o advogado tributarista Santiago Nascimento, o deputado federal Luiz Carlos Hauly, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) Sergio Gobetti e o conselheiro federal do Cofecon Paulo Dantas da Costa.
Defesa da reforma tributária
Um dos principais formuladores da reforma tributária aprovada no Congresso, o ex-deputado Luiz Carlos Hauly defendeu o novo sistema baseado no imposto sobre valor agregado e reforçou a necessidade de simplificação. Segundo ele, “o sistema atual é um Frankenstein tributário que alimenta a guerra fiscal, a sonegação e o contencioso.” Hauly destacou que 75% da carga tributária brasileira incide sobre bens e serviços, o que, na sua avaliação, é injusto: “A tributação sobre renda e patrimônio é baixíssima no Brasil. Na OCDE, é 40%. Aqui, apenas 25%”. Ele também rebateu a ideia de que municípios são financeiramente inviáveis: “O que é inviável são estados e União que vivem do dinheiro dos municípios”.
Hauly defendeu a cobrança automática do imposto no ato do pagamento como forma de combater evasão e inadimplência. “Quando você passar o cartão, o imposto já será retido. Isso elimina crédito fictício e sonegação,” afirmou. Ele avaliou que a reforma é “suprapartidária, benigna e um ganha-ganha para o país”, porque, segundo ele, “derruba privilégios de quem vive de sonegação, guerra fiscal e contencioso tributário.” Hauly ainda afirmou que “a carga efetiva para o consumidor deve cair até 40%” com a simplificação do sistema.
O pesquisador Sérgio Gobetti destacou as distorções do Imposto de Renda no Brasil e defendeu que a segunda fase da reforma tributária deve focar na equidade. “Estamos há 20 anos sem reformas estruturais na renda. Enquanto isso, a concentração de riqueza aumentou e a legislação tributária passou a proteger rendas do capital.” O palestrante também lembrou que 24 dos 38 países da OCDE ampliaram a tributação sobre dividendos. “Grécia, México e Colômbia isentavam dividendos e voltaram atrás. O Brasil ficou para trás”.
Segundo Gobetti, “o Brasil tributa pouco a renda e muito o consumo, ao contrário do que fazem países desenvolvidos.” Ele também destacou as isenções que beneficiam os mais ricos: “Só em rendimentos financeiros isentos foram R$ 114 bilhões, quase 40% disso indo para o 0,1% mais rico.” Ao defender revisão dos regimes especiais e redução de brechas legais, o economista afirmou que “não se deve confundir porte da empresa com capacidade contributiva dos sócios.” Para ele, “o imposto mínimo global é apenas um paliativo — precisamos de uma reforma ampla para corrigir desigualdades.”
Tributação internacional
O conselheiro federal Paulo Dantas da Costa trouxe a debate uma proposta de tributação internacional como instrumento de desenvolvimento econômico e social. Ele citou a proposta da Taxa Tobin, sugerida pelo prêmio Nobel James Tobin, que previa tributar transações financeiras internacionais. “Hoje circulam no sistema financeiro global seis trilhões de dólares por dia – algo correspondente a três PIBs do Brasil”, comentou. “Uma alíquota de 0,1% significa uma base de cálculo fantástica para esta espécie de CPMF”
Dantas argumentou que instrumentos tributários globais poderiam financiar os objetivos da Agenda 2030 da ONU, sobretudo combate à pobreza e à fome. “A tributação pode ser uma ferramenta de cooperação internacional e justiça social. Precisamos pensar a partir de uma nova governança global”, afirmou. Ele concluiu ressaltando o papel do Estado e da tributação em sociedades democráticas: “É ilusório achar que é possível financiar bem-estar social sem uma base de arrecadação sólida e justa”.
Especialista questiona tributação da renda e da riqueza
Santiago Nascimento avaliou criticamente as propostas de tributação da renda e da riqueza em discussão no país. Segundo ele, a mudança “não é suficiente para alcançar justiça tributária” e a adoção de faixas de isenção com valores fixos “não corrige desigualdades.” Para Nascimento, o ideal seria adotar um critério baseado em múltiplos de salário mínimo (e sugeriu, como exemplo, três salários mínimos como algo que ajustaria melhor a tributação à realidade socioeconômica brasileira). Ele também mencionou que o governo tem tomado muitas medidas anti-elisivas. “O empresário vai utilizar todos os meios possíveis para reduzir sua taxa tributária e o governo federal vem fazendo esforços por todos os meios para diminuir esse quadro”.
Nascimento criticou a orientação do governo ao priorizar a tributação sobre patrimônio e herança. “O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) é um imposto estadual, mas a União está intervindo para elevar a tributação sem que os estados tenham pedido. É uma pauta contra a riqueza,” afirmou. Ele também apontou que o risco pode ser a fuga de capitais: “Na Europa, países que tentaram imposto sobre grandes fortunas viram investidores transferirem seu patrimônio para paraísos fiscais. Agora tentam reverter a distorção que criaram”. Segundo o tributarista, a carga sobre empresas no nosso país já é elevada. “Na França, a carga sobre as empresas mais os dividendos é de 34%. No Brasil, só a carga sobre empresas já é 32%”.
XXVI Congresso Brasileiro de Economia
O Congresso Brasileiro de Economia ocorreu de 06 a 10 de outubro no Plaza São Rafael Hotel, em Porto Alegre, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Reconstrução, Desafios e Oportunidades”. O evento reuniu cerca de 50 especialistas e 500 participantes (online e presencial) em torno de grandes temas que impactam o futuro do país, como reforma tributária, mudanças climáticas, comércio internacional, agronegócio, desigualdades regionais, inovação, economia comportamental, educação financeira e o papel do Estado na neoindustrialização. A promoção foi do Cofecon, em parceria com o Corecon/RS.
O evento contou com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Vero/Banrisul, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Monte Bravo Investimentos, Conselhos Regionais de Economia de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro.