XXVI CBE: O futuro do trabalho e a disputa de futuro

Na mesa de debates sobre trabalho, Marcio Pochmann e Marcelo Manzano refletiram sobre as transformações estruturais do emprego, os desafios da era digital e o papel do Estado na promoção de trabalho decente e inclusão produtiva

As transformações do mundo do trabalho e os desafios para garantir emprego e renda em um cenário de mudanças profundas foram tema de uma mesa de debates durante o XXVI Congresso Brasileiro de Economia. Marcio Pochmann, presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e Marcelo Manzano, professor da Universidade Estadual de Campinas, discutiram as novas formas de trabalho, a crescente financeirização da economia e a necessidade de políticas públicas que defendam a vida, a dignidade e a saúde mental dos trabalhadores em meio à busca por produtividade e lucro.

“Vivemos uma mudança de época que redefine completamente o sentido do trabalho”, afirmou o presidente do IBGE. O economista destacou que a sociedade brasileira enfrenta o desafio de compreender as novas formas de ocupação em um contexto dominado pela tecnologia e pela individualização. “Há uma ênfase muito grande na individualização dos problemas e uma identidade que se conforma a partir de critérios muito diferentes do que se pensava no passado. Estamos prisioneiros do presente e, com isso, cancelando o futuro”, observou. Ele lembrou que a classe trabalhadora que formará o Brasil de 2050 “já nasceu” — e que sete em cada dez dessas crianças vieram de famílias miseráveis. “Como enfrentar a questão racial e a desigualdade estrutural num país que não está pensando o futuro?”, questionou.

Pochmann também comparou o momento atual a outros períodos de virada histórica, como a abolição da escravidão e a Revolução de 1930. “A cada mudança de época, há uma disputa sobre o futuro. Hoje, o que está em jogo é como lidar com o avanço tecnológico, com o trabalho morto das máquinas e o trabalho não pago que realizamos diariamente”, analisou. O economista defendeu que o país retome o debate sobre uma “CLT da era digital”, capaz de proteger os trabalhadores das plataformas e novas formas de ocupação. “Há milhões de brasileiros gerando renda nas redes sociais, fora das estatísticas formais. Precisamos repensar o conceito de trabalho e quem se apropria do valor produzido na economia digital”, concluiu.

Já o economista Marcelo Manzano estruturou sua análise a partir das diferentes dimensões em que o trabalho e o emprego ocorrem no Brasil. “Temos quatro grandes segmentos: o núcleo tipicamente capitalista, a administração pública, os arranjos econômicos de subsistência e as ocupações sociais”, explicou. O primeiro, segundo ele, historicamente liderou o crescimento capitalista e abrigou os empregos de melhor qualidade, mas hoje está cada vez menos industrial e mais dominado pelas finanças e plataformas digitais. “A baixa capacidade de geração de postos de trabalho e o descompasso com as demandas da transição ecológica revelam os limites desse modelo”, afirmou.

Manzano destacou que o avanço das plataformas digitais vem subordinando até mesmo atividades de subsistência, como pequenos negócios familiares e serviços domésticos, às lógicas de acumulação do capital financeiro. “O Airbnb é um exemplo de como o capital financeiro acumulando valor a partir do patrimônio dos outros, algo que não era alcançável pelo capital até a digitalização”, exemplificou. O economista apontou que, diante do encolhimento das oportunidades no setor privado e das restrições fiscais que travam o setor público, é nas ocupações sociais — como cultura, preservação ambiental, cuidados, esporte e lazer — que reside um potencial de expansão do trabalho decente. “Essas atividades produzem bem-estar, pertencimento e bens públicos. O Estado poderia liderar uma política de emprego inclusiva, abrindo vagas, por exemplo, para pessoas com deficiência e outros grupos com dificuldade de inserção no mercado de trabalho”, propôs.

XXVI Congresso Brasileiro de Economia

O Congresso Brasileiro de Economia ocorreu de 06 a 10 de outubro no Plaza São Rafael Hotel, em Porto Alegre, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Reconstrução, Desafios e Oportunidades”. O evento reuniu cerca de 50 especialistas e 500 participantes (online e presencial) em torno de grandes temas que impactam o futuro do país, como reforma tributária, mudanças climáticas, comércio internacional, agronegócio, desigualdades regionais, inovação, economia comportamental, educação financeira e o papel do Estado na neoindustrialização. A promoção foi do Cofecon, em parceria com o Corecon/RS.

O evento contou com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Vero/Banrisul, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Monte Bravo Investimentos, Conselhos Regionais de Economia de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro.

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