XXVI CBE: Economistas defendem papel do Estado

Denise Gentil e Antonio Corrêa de Lacerda discutiram os limites impostos pela financeirização e pela austeridade fiscal ao crescimento brasileiro, destacando a urgência de uma estratégia nacional diante das transformações globais

A conjuntura internacional e seus impactos sobre as possibilidades de desenvolvimento nacional foram o centro das reflexões de Denise Gentil e Antonio Corrêa de Lacerda no XXVI Congresso Brasileiro de Economia, no painel sobre desenvolvimento nacional. Os economistas analisaram o esgotamento da globalização financeira, o retorno de políticas industriais e o desafio de reconstruir um projeto de Estado capaz de promover crescimento sustentável e reduzir desigualdades.

Denise Gentil iniciou sua fala com uma palavra sobre a guerra em Gaza, afirmando que ela “é resultado de uma deterioração da ordem internacional comandada pelo ocidente. Quando uma hegemonia entra em crise, ela costuma massacrar a periferia”. Na sequência, questionou: “Como ficam as nossas possibilidades de desenvolvimento nacional neste quadro? O mundo está explodindo de transformações: a pandemia, as crises de desigualdade, a volta do fascismo. Não há espaço para o desenvolvimento. Temos que construir uma estratégia com muita firmeza e liderança política”.

Ela citou a trajetória de crescimento brasileiro, com uma média de 7,5% ao ano entre 1947 e 1980 e 2,2% entre 1981 e 2022. “Existe uma disputa por hegemonia que impõe que nós nos consolidemos dando retorno aos ativos financeiros que chegam ao Brasil, compensando a perda da taxa de lucro dos países centrais”, argumentou Gentil. “Essa disputa se consolida entre uma elite altamente financeirizada e uma classe trabalhadora, com uma taxa de juros injustificável. A austeridade fiscal prende as pernas da nossa economia e é impossível fazer qualquer política de desenvolvimento com juros de 15% e este arcabouço fiscal que temos”.

A economista também apontou para um quadro de achatamento dos salários num país comandado pela dívida pública. “Ao manter os salários deprimidos, a economia em crescimento é terrível para o Banco Central, que é a majestade deste país. Esta situação impede uma luta de classes que seja digna para a classe trabalhadora”, afirmou. “Tenho uma indignação profunda em ver nosso estado diante de um país gigante, com recursos naturais, terras raras, e ficamos brincando de fazer ajuste fiscal. Enquanto isso a despesa com juros está liberada, sem teto, sem limites. Se não soltarmos as amarras, a fotografia de longo prazo jamais vai mudar”.

O conselho federal Antonio Corrêa de Lacerda iniciou sua fala com o cenário internacional. “A visão dominante pós anos 1990 era de globalização. A localização industrial partia do pressuposto de que era possível diminuir o custo aumentando a margem dos produtos e que seria possível terceirizar a produção suja, passando para a periferia do capitalismo as atividades mais poluentes”, comentou. “Depois várias crises trouxeram questionamentos sobre a globalização financeira, mas ela resistiu”.

“A pandemia de Covid-19 vulnerabilizou as cadeias internacionais. Várias delas se mostraram insuficientes para prover as nações com recursos necessários ao enfrentamento. Mesmo o Brasil, que caiu na lógica da liberalização, de que seria possível se abastecer, viu que não seria possível obter produtos e equipamentos de proteção individual”, criticou o economista. “Mais recentemente temos uma reversão histórica do conceito de liberalização, com o objetivo de recolocação da produção”.

Ao citar o quadro brasileiro, o economista mencionou um período (2003-2014) em que houve um crescimento na atividade econômica, com uma menor participação do Estado entre 2016-2022 e uma retomada de um projeto nacional no governo Lula 3. “Mas temos algumas restrições, como o conceito de que o Estado não pode gastar, além de uma meta de inflação irrealista e restrições fiscais”, observou. “Temos novos programas estruturantes e uma política industrial, que é algo que ainda sofre muito preconceito no Brasil. Não se desfaz em três anos uma destruição de décadas, mas há mudanças estruturais em curso, primeiro na tributação indireta. Além disso, temos a matriz energética mais limpa do mundo, com 50% de energias renováveis”.

XXVI Congresso Brasileiro de Economia

O Congresso Brasileiro de Economia ocorreu de 06 a 10 de outubro no Plaza São Rafael Hotel, em Porto Alegre, com o tema “Desenvolvimento Sustentável: Reconstrução, Desafios e Oportunidades”. O evento reuniu cerca de 50 especialistas e 500 participantes (online e presencial) em torno de grandes temas que impactam o futuro do país, como reforma tributária, mudanças climáticas, comércio internacional, agronegócio, desigualdades regionais, inovação, economia comportamental, educação financeira e o papel do Estado na neoindustrialização. A promoção foi do Cofecon, em parceria com o Corecon/RS.

O evento contou com o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Vero/Banrisul, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Monte Bravo Investimentos, Conselhos Regionais de Economia de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Paraná e Rio de Janeiro.

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