Podcast Economistas: O que significa a Selic a 15%?
Tania Cristina Teixeira, Gustavo Casseb Pessoti, Ana Cláudia Arruda e Odilon Guedes comentam as consequências da manutenção da taxa básica de juros em 15% pelo Banco Central
Está no ar mais um episódio do podcast Economistas e o tema desta semana é a taxa básica de juros. Nos dias 16 e 17 de setembro o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) esteve reunido em Brasília e decidiu manter os juros em um patamar de 15% ao ano. O podcast pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.
Uma das funções do banco central do brasil é garantir a estabilidade do poder de compra da moeda. Para medir este objetivo existe a meta de inflação, que atualmente é de 3% ao ano, com margem de um ponto percentual e meio para mais ou para menos. Atualmente a principal ferramenta utilizada pelo Banco Central para calibrar a inflação tem sido a taxa de juros. A cada 45 dias o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), se reúne e toma uma decisão a respeito.
“Uma taxa de juros a 15% ao ano, representando um juro real que se aproxima de 10%, foge daquilo que concebemos como um patamar ideal ou mesmo civilizado”, comenta a presidenta do Cofecon, Tania Cristina Teixeira. “Uma taxa de juros alta promove um encarecimento do crédito para o consumidor e as empresas, estimulando, inclusive, a saída do investimento da atividade produtiva para a poupança financeira, resultando em dificuldade de geração de mais emprego e renda”.
“Sabemos que quem se beneficia com este cenário é uma parcela muito pequena da população, que são os que detêm títulos públicos. O combate à inflação não pode se ancorar no rentismo”, prosseguiu Tania. “Precisamos de uma estratégia que combine responsabilidade monetária com o estímulo ao crescimento e ao desenvolvimento, que favoreça a inovação e a reindustrialização”.
Inflação não dá sinais de elevação
No comunicado divulgado à imprensa depois da reunião, o Copom caracterizou o cenário econômico como marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho. Para levar a inflação à meta, o Banco Central vê a necessidade de uma manutenção dos juros altos por um período prolongado – algo que o conselheiro federal Gustavo Casseb Pessoti considera um erro.
“O Banco Central erra na decisão de manter a Selic em 15%. Apesar da argumentação de uma certa resiliência na atividade econômica e no mercado de trabalho, e apesar de compreender que o BC entenda que o momento atual deva ser de cautela, não temos percebido sinais de elevação dos preços no curto e no médio prazo”, pontuou Pessoti. “Em hipótese nenhuma essa condição deveria ser afirmada para manter a taxa de juros num patamar tão abusivo como o que estamos vendo”.
O conselheiro federal apontou algumas consequências negativas que podem vir sobre a economia brasileira a partir do último trimestre do ano de 2025, para o qual é esperada uma desaceleração na atividade econômica. “Essa taxa em 15% é contraproducente, desestimula a atividade econômica, desincentiva a formação bruta de capital fixo e estimula os investidores a correrem para o mercado financeiro, com uma lucratividade mais alta do que a realização de investimentos produtivos, que são os responsáveis, em primeira instância, pela demanda agregada”, comentou o economista. “No segundo semestre teremos um crescimento aquém das possibilidades. Não há resiliência econômica que sobreviva a uma Selic de 15%, que inclusive reorienta outras decisões bancárias”.
Juros altos são vetor de aumento da dívida
Além destas consequências negativas mencionadas, a taxa de juros elevada também aumenta o montante pago em juros. O economista Odilon Guedes, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP) e ex-vereador da capital paulista, destaca que este tem sido o principal fator de crescimento da dívida pública no brasil e que cada ponto percentual de aumento da taxa básica de juros custa, em média, 54 bilhões de reais por ano aos cofres públicos.
“Os aplicadores do mercado financeiro, compradores de títulos públicos, ficam receosos com o aumento da dívida pública e querem juros mais altos – mas o principal vetor de aumento da dívida pública é o aumento dos juros. Aumentando os juros, aumenta a dívida – e isso é um ciclo vicioso que precisa ser rompido em benefício da sociedade brasileira”, observou Guedes. “A dívida pública brasileira, que está em cerca de 9 trilhões de reais, é diretamente afetada pelos juros. A manutenção da Selic pelo Copom em 15% é a principal responsável por esse aumento. Neste ano o governo deve gastar um trilhão de reais com o pagamento de juros, cerca de 8,5% do PIB. Não há economia que resista”.
Juros altos valorizam o real frente ao dólar
Também na quarta-feira (17), o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, anunciou uma redução de 0,25 ponto percentual na taxa de juros praticada no país. No curto prazo, este movimento traz um fluxo de capitais para o Brasil em busca de um diferencial nas taxas de juros, fazendo com que diminua a cotação do dólar. A conselheira federal Ana Cláudia Arruda alerta para o fato de que estes capitais são de curto prazo e de natureza especulativa.
“A valorização do real frente ao dólar se deve fundamentalmente aos fluxos internacionais de capital que se movimentam em função dos diferenciais de taxas de juros”, analisa a conselheira federal Ana Cláudia Arruda. “Nos Estados Unidos, o mercado projeta cortes sucessivos nas taxas de juros que podem chegar a até três reduções em 2025. Os investidores buscam alocar seus ativos onde há uma maior rentabilidade e um maior diferencial em relação às taxas aplicadas pelo Banco Central norte-americano. E o Brasil se torna um paraíso, com taxas em 15% ao ano, e há uma sinalização do Banco Central de manutenção deste patamar”.
“Este movimento traz uma apreciação cambial, ou seja, o real passa a ser mais valorizado em relação ao dólar. Mas é bom destacar que se trata de um capital volátil, de curto prazo”, reforça Ana Cláudia. “Alguns desses capitais até se transformam em investimento direto, mas grande parte são capitais especulativos e que, dependendo da conjuntura internacional, vão para outros mercados buscando outros diferenciais de juros”.
Meta de inflação baixa induz juros altos?
A meta de inflação praticada no Brasil é de 3% ao ano, com margem de um ponto percentual e meio para mais ou para menos. Mas nem sempre foi assim. Durante o período de 2004 a 2018, a meta era de 4,5% ao ano. A partir de 2019, ela foi reduzida em 0,25 ponto percentual até chegar a 3% no ano passado. Esta informação é importante porque a inflação de 12 meses medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encontra-se em 5,13%. Este patamar está acima da meta de inflação atual (4,5%), o que faz com que o Banco Central utilize juros altos para reduzi-la; mas, ao mesmo tempo, ela estaria dentro da meta praticada até o ano de 2019. Esta situação leva a um questionamento: será que a meta de inflação atualmente praticada induz os juros altos?
“Será que estamos tentando dar uma resposta com uma ferramenta que, na verdade, é um indutor de juros altos?”, questionou a presidenta do Cofecon. “A meta de 4,5% era compatível com os desafios de um país em desenvolvimento, com margem de manobra para uma política monetária que compreendesse a dinâmica de um país com uma economia emergente. Desde 2019 ela foi reduzida pouco a pouco até chegar ao patamar de 3% ao ano. Essa meta baixa acaba fazendo com que a política monetária se torne um fim em si mesmo”, concluiu Tania.