Podcast Economistas: Carlos Gadelha aborda a soberania na área da saúde

Segundo episódio da série fala como a falta de equipamentos e a dependência de importações prejudicam grandemente a população brasileira

Está no ar mais um podcast Economistas e o episódio desta semana é o segundo da série sobre o complexo econômico e industrial da saúde. A pandemia da Covid-19 escancarou uma fragilidade do Brasil: a dependência externa para garantir insumos e equipamentos essenciais à saúde. Respiradores, vacinas e equipamentos de proteção individual tornaram-se símbolos de como a falta de uma base industrial sólida compromete não apenas a economia, mas a própria vida das pessoas. No episódio desta semana, Carlos Augusto Gadelha fala sobre a importância do complexo econômico e industrial da saúde frente aos desafios trazidos pela pandemia. Ele pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.

Clique AQUI para ouvir o primeiro episódio da série, abordando a importância do complexo econômico e industrial da saúde para o desenvolvimento brasileiro.

Um dos problemas trazidos pela pandemia foi a dificuldade em relação ao suprimento de equipamentos de saúde. Mesmo efetuando o pagamento de forma antecipada, não foi possível garantir o fornecimento de equipamentos médicos (como respiradores e equipamentos de proteção individual) para atender a demanda daquele momento. Esse cenário mostra a importância de o Brasil ter uma base industrial que permita garantir este fornecimento sem depender da disponibilidade no mercado externo.

Neste sentido, Gadelha faz um alerta: no campo da indústria, a saúde representa uma parte importante do déficit comercial brasileiro. “Ficou evidente a vulnerabilidade tecnológica, produtiva e industrial na saúde. Ela se mostrou decisiva para a própria garantia do direito à vida e de um ambiente mínimo em que as pessoas pudessem produzir, gerar renda e emprego”, apontou o economista. “Nosso déficit comercial, na saúde, há 20 ou 30 anos atrás, representava 5% a 6% de todo o déficit comercial brasileiro. Hoje supera 10%. Depois da eletrônica, a saúde é a segunda área mais dependente e vulnerável – e se considerarmos a saúde digital, as importações de software e dispositivos microeletrônicos relacionados, provavelmente seja a área mais dependente”.

Celso Furtado revisitado

Para falar sobre a importância de garantir o fornecimento de insumos e equipamentos de saúde, Gadelha menciona o pensamento de Celso Furtado. Na visão do célebre economista paraibano, o processo de industrialização e inovação não era um fim em si mesmo, mas algo que tem a finalidade de atender as necessidades humanas. Várias décadas depois, este pensamento continua bastante atual.

“Ele se rejuvenesce e se atualiza na contemporaneidade, no contexto de inovação tecnológica e vulnerabilidade da saúde. A pandemia mostrou de modo muito acachapante o vínculo entre a dimensão econômica e social do desenvolvimento”, argumentou Gadelha. “Não ter capacidade tecnológica em ventiladores significava que faltava ar para as pessoas. Vi na Fundação Oswaldo Cruz ventiladores sendo importados pelo nosso Instituto Nacional de Infectologia e os países desenvolvidos, que têm poder econômico e político, tirando os ventiladores dos aviões, pagando multa e deixando nossa população sem ar. Vi a vulnerabilidade econômica e tecnológica de perto”.

“No campo das vacinas, pude publicar um artigo, que foi divulgado no boletim da Organização Mundial da Saúde, mostrando que o Brasil só conseguiu vacinar sua população quando a produção nacional da Fiocruz e do Butantan, em parceria com o setor privado (inclusive internacional), superou 70% da necessidade do mercado”, prosseguiu Gadelha. “Somente quando produziu é que o Brasil conseguiu vacinar as pessoas. Então fica evidente essa agenda estruturalista revisitada. Ter indústria e inovação é fundamental. Quem não tem capacidade de inovação e capacidade tecnológica em saúde ficou totalmente de joelhos frente à economia global”.

Outra lição trazida pela pandemia é que a política industrial e de inovação precisa estar conectada às demandas da sociedade. Gadelha argumenta que não se pode ter uma política de inovação que atenda apenas aos 10% da população que podem pagar por serviços de saúde e que não contemple os demais 90% que dependem do sistema único de saúde. Neste sentido, o complexo econômico e industrial da saúde se torna necessário para a soberania do país.

“Não se pode ter um modelo que seja apenas assistencialista para a sociedade. Precisamos endogenizar no desenvolvimento econômico as dimensões social e ambiental. Não posso ter o desenvolvimento por parte dos nossos grandes bancos e depois ter políticas assistencialistas para o campo social e mitigadoras do dano ambiental”, comenta o economista. “É preciso uma política de investimento, de desenvolvimento, que integre no investimento econômico a dimensão social e econômica. Se eu não tenho um investimento em saúde que dialogue com o Sistema Único de Saúde (SUS), não cabe ser prioridade do Estado”.

Dependência estrutural

A pandemia e a guerra na Ucrânia provocaram transformações nas cadeias globais de suprimentos. Antes elas estavam arranjadas a fim de buscar o menor preço no fornecimento de insumos; hoje, passam por uma reconfiguração que permita garantir também a segurança do fornecimento. Neste sentido, alguns conceitos estão ganhando importância, como o nearshoring, que é a preferência pela compra de insumos produzidos em locais mais próximos, e o friendshoring, que é a preferência pela compra de suprimentos de países considerados aliados políticos e econômicos.

“Conhecimento tecnológico e produtivo não é apenas um papel escrito com uma receita de bolo. É preciso saber produzir. Na pandemia, me perguntaram o que o Brasil poderia fazer. E eu respondi: onde já sabe produzir, aumentar a produção; onde tem capacidade tecnológica, tentar uma conversão industrial; e onde não tem nenhuma, negociar e rezar”, relembra o economista. “Só faz reconversão quem tem capacidade tecnológica e produtiva. Por isso são políticas estruturantes e de longo prazo”.

As disputas globais, explica Carlos Gadelha, mostraram que não podemos ser vulneráveis na saúde. “Do nosso déficit em saúde, 90% referem-se a produtos de média e alta tecnologia. Estamos falando de uma dependência estrutural: se os preços relativos mudam, a necessidade de importar não muda, é preciso importar a qualquer preço, porque é preciso curar quem tem câncer, é preciso vacinar a população”, afirma. “Nosso déficit em saúde é estrutural e isso é o próprio espelho da economia brasileira”.

O complexo econômico e industrial da saúde faz parte do programa Nova Indústria Brasil, lançado pelo Governo Federal no ano passado, e a estratégia para o setor contém uma cooperação para a saúde global e uma cooperação com países da América Latina e África para a produção local e regional. Para Gadelha, esta é uma tendência para o futuro.

“A agenda geopolítica atual reforça mais do que nunca essa aposta que nós estamos fazendo no complexo econômico industrial como como o novo vetor do desenvolvimento. Temos que reforçar os laços com a América Latina e com a África, especialmente, até para podermos comprar juntos e desenvolver junto as tecnologias que precisamos”, finaliza.

Carlos Augusto Gadelha

Carlos Augusto Gadelha é graduado em Ciências Econômicas e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre pela Universidade Estadual de Campinas. Gadelha foi vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz e possui uma vasta trajetória como pesquisador e docente e no setor público, tendo atuado como secretário de Desenvolvimento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo Econômico Industrial da Saúde no Ministério da Saúde. Atualmente, coordena uma rede de pesquisa sobre desenvolvimento sustentável, ciência, tecnologia, inovação e o complexo econômico industrial da saúde, com mais de 45 pesquisadores de 10 instituições.

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