Podcast Economistas: o complexo econômico e industrial da saúde no desenvolvimento brasileiro
Carlos Gadelha aborda um setor estratégico para a economia, a soberania nacional e a geração de empregos de qualidade – e como ele pode ser afetado pelas tarifas de Donald Trump
O complexo econômico e industrial da saúde é um setor que vai muito além de hospitais e medicamentos. Ele articula ciência, tecnologia, indústria, serviços e soberania nacional. É também uma alavanca para o desenvolvimento e, com esta finalidade, foi incluído no programa Nova Indústria Brasil. Este é o tema do podcast Economistas desta semana, o primeiro de uma série sobre o tema, e quem conversa conosco é o economista Carlos Gadelha. O episódio pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.
Uma política de desenvolvimento econômico e industrial e de inovação deve estar inserida na qualidade de vida da população e permitir a geração de dinamismo econômico. O economista destacou a importância dos investimentos na área da saúde – e, desde a entrada do complexo econômico e industrial no novo Programa de Aceleração do Crescimento e no Nova Indústria Brasil, foram mobilizados cerca de R$ 20 bilhões em investimentos públicos e R$ 40 bilhões em investimentos privados.
“A saúde tem um forte peso no desenvolvimento econômico. Lembro-me de um assessor do presidente Barack Obama dizendo que o economista que não entende o campo da saúde, não entenderá 40% do PIB mais dinâmico do futuro”, comentou Gadelha. “A saúde é uma das grandes alternativas para o crescimento econômico, a mobilização dos investimentos e a reindustrialização brasileira. Ela representa 10% do nosso PIB. Um terço da ciência brasileira está relacionado à saúde, na busca de medicamentos e vacinas, e ela tem potencial para liderar a entrada do Brasil na quarta revolução tecnológica”.
Outros tipos de atividade econômica tiveram um papel dinamizador na economia brasileiro no passado, como o complexo cafeeiro e o automobilístico. “No século 21, entre outros, vemos o complexo econômico e industrial da saúde com este papel. Ele é muito mais amplo do que uma cadeia produtiva, mas contém insumos que vão desde a biotecnologia até a petroquímica”, observa Gadelha. “A saúde tem potencial para ser um dos grandes vetores do desenvolvimento brasileiro e de uma estratégia de requalificação da produção nacional, fortalecendo a inovação e apropria reindustrialização. Esta é a área que mais gera empregos de boa qualidade”.
Gadelha também aponta que a saúde mobiliza mais de 10 milhões de empregos no Brasil, e que este número tem uma alta estabilidade, mesmo naqueles momentos em que há um declínio no emprego. “Os salários na área da saúde correspondem a cerca de duas vezes o salário médio da economia, o grau de qualificação é maior”, afirma o economista.
Pesquisa e desenvolvimento
Gadelha também se referiu ao gasto em saúde como investimento e explicou a característica. “Não é apenas a noção de que pessoas saudáveis geram investimentos. O gasto em saúde deixa legados importantes na nossa capacidade de inovação tecnológica e de enfrentar problemas que atingem a economia de modo avassalador”, comenta. “Durante a pandemia, nós vimos que quem não investiu em saúde, vacinas e tecnologia viu suas economias sofrerem muito mais do que quem investiu. Instituições como a Fiocruz e o Butantan foram responsáveis por salvarmos mais de 200 mil vidas”.
Outro fator que reforça a importância do complexo econômico e industrial da saúde é o volume de investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Neste sentido, Gadelha vê o Brasil com capacidade industrial para suprir 70% da demanda nacional por medicamentos, mas precisando avançar em conhecimento e tecnologia.
“As empresas de saúde gastam em pesquisa e desenvolvimento seis vezes mais do que aquelas que são qualificadas como inovadoras – que introduziram pelo menos um produto ou serviço nos últimos três anos, no conjunto das empresas industriais”, destaca o economista. “Isso mostra que estamos lidando com um conjunto de setores dos mais inovadores do mundo”.
Política industrial
Embora a capacidade de atendimento da demanda por equipamentos médicos e odontológicos tenha diminuído e o déficit comercial nesta área seja bastante expressivo, Gadelha ressalta que o Brasil ainda tem capacidade industrial e ressalta a importância de uma política de inovação adequada.
“Temos 22 bilhões de dólares de déficit comercial na saúde, e é o segundo maior do país; mas não estamos num deserto. Na área de medicamentos, ainda somos dependentes de hifas, que contêm o princípio ativo dos remédios; aí é que deve entrar a política industrial e de inovação”, pontua o economista. “Temos que tratar o mercado como patrimônio nacional. Não é invenção minha, está na Constituição”.
Um fator é muito importante, na visão de Gadelha, para fazer com que um setor ou empresa do complexo econômico e industrial da saúde sejam beneficiados por uma política pública: que seja algo importante para a saúde da população e para o Sistema Único de Saúde. “Temos o maior sistema de transplantes do mundo, altíssima tecnologia e com empresas nacionais, mediante indução de política pública, produzindo imunossupressores no Brasil, gerando inovação e atendendo o SUS. Temos uma política de câncer ousada, que atende doenças raras”, ressalta o economista. “O SUS não é um sistema apenas para a população excluída. Ele é para incluir as pessoas e permitir o acesso à tecnologia necessária”.
Tarifas de Trump
O grande fato econômico da semana foi a confirmação das tarifas anunciadas pelo presidente norte-americano Donald Trump de 50% para produtos exportados pelo brasil, com uma lista de exceções. Perguntamos a Gadelha como este fato impacta o complexo econômico e industrial da saúde no Brasil.
“Nossa dependência de importação é de US$ 3,2 bilhões, envolvendo medicamentos e outros produtos. A notícia menos preocupante é que antes a dependência brasileira dos Estados Unidos era de 30%, agora é de 12%”, mencionou. “Temos parceiros alternativos. É preciso diversificar e, principalmente, ter uma autonomia tecnológica no Brasil. Colocamos a meta de ter a capacidade de produzir 70% de tudo o que o Brasil precisa na área da saúde”.
Carlos Augusto Gadelha
Carlos Augusto Grabois Gadelha é graduado em economia e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Gadelha foi vice-presidente da Fundação Oswaldo Cruz e tem uma vasta trajetória como pesquisador e docente, bem como no setor público, tendo atuado como secretário de Desenvolvimento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo Econômico Industrial da Saúde no Ministério da Saúde. Atualmente ele coordena uma rede de pesquisa sobre desenvolvimento sustentável, ciência, tecnologia, inovação e o complexo econômico industrial da saúde, com mais de 45 pesquisadores de 10 instituições.