Dia do Economista: Desenvolvimento sustentável e integração regional em debate  

Clélio Campolina Diniz, Aristides Monteiro e José Eduardo Pereira discutiram desigualdades territoriais e estratégias para um modelo econômico mais justo. Evento aconteceu na ENAP 

A Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) recebeu nesta quinta-feira (14) a mesa de debates “Políticas de Desenvolvimento Sustentável e Questões Regionais”. O evento, que foi realizado em comemoração ao Dia do Economista, reuniu especialistas para discutir os desafios do Brasil relacionados às desigualdades territoriais e à construção de um modelo econômico mais justo e sustentável. Confira AQUI as fotos do evento ou pelo álbum abaixo:

Dia do Economista: Políticas de desenvolvimento sustentável e questões regionais

O evento contou com palestras do ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Clélio Campolina Diniz; do economista Aristides Monteiro, diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); e do secretário executivo do Consórcio Brasil Central, José Eduardo Pereira. 

O debate foi promovido pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon), em parceria com o Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), a Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Aslegis) e a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). 

“Realizar este evento nas dependências da ENAP é significativo: esta instituição tem se destacado como espaço de excelência na formação e capacitação de gestores públicos”, expressou a presidenta do Cofecon, Tania Cristina Teixeira, ao falar na mesa de abertura. Ela também falou sobre a amplitude do trabalho realizado pelos economistas: “Sua atuação abrange áreas como planejamento econômico, gestão orçamentária e financeira, consultoria empresarial, estudos de mercado, comércio exterior, análise de investimentos, regulação de setores estratégicos, pesquisa acadêmica e desenvolvimento de indicadores socioeconômicos. Além disso, é presença fundamental em temas emergentes como economia ambiental, transição energética, inovação tecnológica, economia digital e finanças sustentáveis — contribuindo para decisões responsáveis e eficazes que impactam diretamente o futuro do país”.  

O coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, destacou que o tema do debate tem sido recorrente. “É interessante que este seminário ocorra hoje, porque juntamos uma questão estrutural, que é o desenvolvimento regional, com uma questão conjuntural, que é essa pressão vinda de fora e que tem um impacto bastante significativo”, apontou. “Se abrirmos os jornais de hoje, acharemos comentários sobre o Plano Brasil Soberano. É curioso que é dado destaque ao impacto fiscal. Mas se não houvesse impacto fiscal, o plano seria inócuo, porque ele visa exatamente a ser contracíclica. E a pior escolha seria não ter pacote: neste caso, o impacto fiscal seria pior ainda”. 

A presidenta da ENAP, Betânia Lemos, destacou que a mesa de debates reunia instituições que têm um propósito. “A economia e a administração pública vão muito além de estudos de números e gestão. São áreas que desenham a condução do desenvolvimento econômico do Brasil. Essas instituições têm em comum o compromisso com o desenvolvimento com justiça social e soberania”, argumentou. “Economia, originalmente, era economia política. E como disse Maria da Conceição Tavares, a economia que não se preocupa com a justiça social é uma economia que não se preocupa com os povos, e que foge do termo economia política”. 

A presidenta do Corecon-DF, Luciana Acioly, lembrou de uma conversa que teve em 2000 com o célebre economista Celso Furtado. “De tudo o que ele me falou, chamou a atenção a questão da integração, que o espaço da integração é um espaço de soberania. Lembrei disso porque as políticas não se fazem no vácuo, elas acontecem no território”, afirmou Luciana. “Quando perguntei se ele se sentia feliz, ele respondeu que o homem não nasceu para ser feliz, mas para enfrentar desafios. E nunca foi tão contemporânea essa resposta, porque o que nós temos pela frente como cidadãos e economistas é enfrentar desafios, estar com a cabeça erguida e lutar pelo nosso país e pela soberania”. 

O presidente da Aslegis, Pedro Garrido, enfatizou a importância do debate para a profissão. “A mesa que teremos a seguir será muito importante para a continuidade do que é o trabalho do economista, que é discutir questões como distribuição, consumo, estrutura produtiva e o futuro da economia sobre uma base regional”, argumentou. “Estamos discutindo o modelo de desenvolvimento do País diante de uma ameaça externa, uma conjuntura conturbada, que tem impactos significativos do ponto de vista regional”. 

A coordenadora da Comissão de Desenvolvimento Regional e Local do Cofecon, Ana Cláudia Arruda, abriu o debate falando dos trabalhos realizados neste ano. “Começamos com palestras online, iniciando com a professora Tania Bacelar. Depois falamos sobre neoindustrialização e vamos falar sobre contas regionais em setembro”, pontuou a economista. “No Congresso Brasileiro de Economia teremos um Fórum de Desenvolvimento Regional, trabalhando o tema dos bancos de desenvolvimento no Brasil e no mundo. E teremos em Recife o seminário de Francisco e Clara para discutir questões regionais”. 

Clélio Campolina: “Políticas regionais devem ter integração como objetivo” 

Clélio Campolina Diniz realizou uma apresentação teórica e iniciou apontando que a regionalização pode ser feita em diferentes escalas, dependendo do propósito. “Está superada a ideia de trabalhar com a região de forma isolada. Ela está interagindo com seu entorno mais imediato ou com o entorno nacional e internacional”, explicou. “A cidade se estrutura e comanda o território. Não podemos separar a cidade da estrutura. As políticas regionais devem ter como cenário de objetivo a integração territorial, econômica, social e política”. 

O ex-ministro apontou que as políticas do território não podem ser colocadas de cima para baixo (top down) nem de baixo para cima (bottom up). “A orientação neoliberal trouxe que as regiões tinham que buscar sua solução de forma isolada. A região não tem capacidade de fazer isso; e nem é justo e democrático impor as decisões de cima para baixo. A combinação entre as dimensões global e local é fundamental”, argumentou. E trouxe os exemplos da França pós-Segunda Guerra, com o planejamento das sete “metrópoles de equilíbrio” para frear a concentração em Paris, e a experiência chinesa de uma rede urbana integrada por trens de alta velocidade. “A França está vivendo uma certa crise, mas não há dúvida de que conseguiu fazer uma integração territorial, econômica e política. Na China aproximadamente 50% da atividade produtiva está na mão do Estado, mas trabalhando numa lógica de mercado”. 

Abordando o caso brasileiro, destacou as diferenças entre os seis biomas nacionais (floresta amazônica, caatinga, mata atlântica, cerrado, pantanal e pampa), acrescentando a plataforma marítima. “O Brasil foi ocupado pela costa atlântica e ainda hoje a densidade está distribuída assim. As metrópoles brasileiras criaram vastas periferias cuja solução é muito difícil”, analisou. “A desconcentração industrial é um bom indicador. Embora ela esteja perdendo participação no PIB, é um setor chave na dinâmica territorial”. Clélio finalizou apresentando a proposta de um Brasil policêntrico, abordou a importância da Amazônia e, ao falar do Nordeste, afirmou que “não é possível que uma região tão heterogênea tenha uma política de desenvolvimento única”. 

Aristides Monteiro: “Desconcentração se dá pela fraqueza do motor industrial” 

Em seguida, o economista Aristides Monteiro apresentou duas correntes teóricas e constatou que “aquilo que imaginávamos que seria extremamente positivo e desejável, a desconcentração produtiva a partir de São Paulo, está acontecendo, mas de um modo que não era o esperado”. O fenômeno ocorre mais pela desindustrialização do centro, e o agronegócio exportador tem surgido como motor de crescimento. “Temos um processo de convergência que se dá pela fraqueza do motor industrial, que era aquele que imaginávamos que iria criar os multiplicadores intersetoriais e inter-regionais, e estamos montando outra economia nacional com o motor do agronegócio, que é altamente tecnificado em várias de suas plantas e regiões, mas que não opera os mesmos multiplicadores”. 

Ao comentar o momento político, Monteiro também observou que “tem os que pensar políticas regionais num momento em que parte da sociedade não quer mais políticas de nenhuma ordem”. E apontou para o desempenho econômico como resultado de uma queda no investimento (formação bruta de capital fixo): de 2010 a 2014, da ordem de 20,5% do PIB, caindo para 16% entre 2015 e 2021 e, mais recentemente, perto dos 17%. “O que venho estudando e pensando com outras pessoas é a aposta num desenvolvimento territorial baseado na inovação, conhecimento e sustentabilidade ambiental. Juntar a expansão das atividades agropecuárias e minerais, com essa reserva de moedas via exportações, e utilizar este drive de crescimento para a solução do outro, que é a desindustrialização. Não estamos sabendo fazer isso adequadamente”. 

Por último, Monteiro abordou aquilo que chamou de falhas de coordenação setorial: “Não estamos conseguindo neste momento distribuir os recursos setorialmente para obter as melhores capacidades, técnicas e multiplicadores para o setor industrial”, comentou. “E é também uma falha de coordenação regional. Ao olhar como estes recursos se destinam às regiões, temos uma região que gostaríamos muito que ela se desenvolvesse, mas o cidadão nordestino médio capta do governo federal 66% daquilo que o nacional captaria; aqui no Centro-Oeste, um representante deste negócio vibrante capta 2,5 vezes mais”. 

José Eduardo Pereira: “Forma transversal de trabalhar políticas públicas permite troca de experiências e riquezas” 

José Eduardo Pereira, secretário executivo do Consórcio Brasil Central (que envolve os estados do Centro-Oeste, mais Rondônia, Tocantins e Maranhão), abordou o trabalho da autarquia, que foi criada em 2015. “A forma transversal de trabalhar políticas públicas faz com que haja uma troca efetiva não só de experiências, mas também de riquezas”, afirmou Pereira. “Reunimos sete unidades da Federação, o que leva a uma capacidade de resolução de determinados gargalos de políticas públicas”. 

Ele também tratou do processo de interiorização da população brasileira, antes muito concentrada no litoral. “A construção de Brasília tem muito a ver com isso, permitiu que o Brasil pudesse começar a ser palmilhado, buscando o desenvolvimento econômico das regiões do interior”, expressou Pereira. “Nos anos 70, com a criação da Embrapa, o Brasil deu um salto de ciência em torno da produtividade rural, com experimentos capazes de virar a chave do desenvolvimento agropecuário do nosso país”. 

Pereira também compartilhou um caso de sucesso dentro do Consórcio Brasil Central. “Nós fazermos compras compartilhadas de medicamentos de alto custo. Os estados apresentam suas demandas, fazemos o pregão, tiramos uma ata e os estados passam a adquirir os medicamentos através do Consórcio. Isso gera uma economicidade média de 20%, mas em alguns medicamentos ela chega a 80%”, comemorou. “Agora estamos em uma licitação internacional para a aquisição de 26 helicópteros para as secretarias de segurança pública, para mitigar aspectos relacionados à proliferação deste cancro que é o crime organizado”. 

Debate 

A superintendente da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste, Luciana Barros, destacou a necessidade de que o Brasil saiba qual é o rumo que deseja para as próximas décadas e mencionou o tempo que passamos sem uma política industrial. “Isso fez com que algumas indústrias fechassem. Visitei uma ferrovia no Mato Grosso que será um novo corredor logístico de desenvolvimento. Os trilhos vieram da China, porque a indústria de trilhos brasileira foi fechada há mais de 20 anos”, constatou. E citou também a necessidade de mão de obra qualificada: “Não adianta falar em indústria de alimentos, química, de veículos, bebidas e minerais se não tiver mão de obra. Temos planos regionais, mas como implementar? E qual o incentivo que estas indústrias terão para ir para regiões menos desenvolvidas? Vamos continuar comprando ideias de fora?”. 

Roberto Piscitelli, coordenador da Comissão de Política Econômica do Corecon-DF, pontuou que o ambiente acadêmico tem dado pouca atenção ao desenvolvimento regional e ao planejamento urbano. “Fui acadêmico também, me ressinto dessa restrição que tivemos em nossa formação”, comentou. “A região Centro-Oeste carece de alguns mecanismos e instrumentos que poderiam processar uma maior integração regional. Qual é a importância deste projeto de integração leste-oeste financiado pela China e em que sentido ele poderá promover uma maior integração não apenas brasileira, mas também com a América Latina?”, perguntou. 

Diones Cerqueira, coordenador da Comissão de Desenvolvimento Regional do Corecon-DF, fez uma síntese das discussões. “O professor Campolina fez uma síntese das teorias do desenvolvimento regional, fez com que compreendêssemos como funcionam e de onde surgiram os instrumentos. Já o professor Aristides trouxe um cenário bem interessante, de expansão da área urbana e redução da atividade industrial”, comentou. “Passamos pelas políticas públicas, de crédito, incentivos e compras governamentais, e a superintendente da Sudeco trouxe as questões da política voltada pra o desenvolvimento regional e da ausência dela durante vários anos, bem como da existência de recursos para viabilizar o desenvolvimento. Já existe um conjunto de instrumentos voltados para a promoção do desenvolvimento regional. O Aristides falou da falha de coordenação setorial, e superar isso é papel dos economistas. E gostaria de encerrar com uma frase do mestre Celso Furtado, que dizia que desenvolvimento é ser dono do próprio destino”. 

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