Lacerda comenta tarifas de Trump, globalização e papel do BRICS
Conselheiro federal falou ao programa Fechamento, da CartaCapital, e analisou as motivações por trás das tarifas, bem como seus impactos no comércio internacional, no papel do dólar e no PIB brasileiro
Na última quarta-feira (30) o presidente norte-americano Donald Trump assinou a ordem executiva impondo tarifas de 50% sobre a importação de produtos brasileiros a partir de 06 de agosto – mas com quase 700 exceções em itens como celulose, produtos de energia e aviação civil, entre outros. O conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda discutiu o assunto em entrevista ao programa Fechamento, da CartaCapital, que pode ser assistido clicando AQUI.
Motivações
“Existem várias motivações por trás da postura de Trump: uma de ordem mais política, porque ele quer mudar os rumos da condução da economia brasileira e influenciar a eleição de 2026 para alguém mais amigável aos interesses norte-americanos”, apontou Lacerda. “Uma segunda motivação está associada aos interesses das big techs. A regulação que está em curso fere o desejo de ‘liberdade total’ que eles gostariam de ter. Há também a articulação dos BRICS, que incomoda os EUA, não só pelo poder que o bloco representa em termos econômicos, mas também pela proposta de alternativa ao dólar como moeda de transação entre os países”.
Sobre este último item, o economista sugeriu que os países podem negociar em uma moeda comum de um dos países ou criar uma moeda fiduciária de referência para respaldar as transações, sem depender do dólar. “Há mais de 20 anos a União Europeia uma moeda alternativa ao dólar”, observou. “E um quarto item, não menos importante, está associada ao pix. Ele incomoda porque é uma alternativa aos meios de pagamentos tradicionais, que são dominados por empresas norte-americanas. É um instrumento de baixíssimo custo e não gera receitas para estas empresas”.
Pressões internas
Nas últimas semanas o governo Trump tem negociado com vários países e conseguido alguns acordos – o que, mesmo sendo uma vitória política, pode não ser necessariamente bom para os cidadãos norte-americanos. “O fato de tarifar empresas e produtos que negociam com os Estados Unidos tem um custo, que vai refletir na competitividade das empresas de lá e tende a encarecer o custo de vida para o consumidor”, argumentou Lacerda. “Na crise de 1929, a resposta foi o aumento das tarifas –uma tragédia que levou o mundo a uma recessão. Isso mostra que se aprende pouco com a história”.
“A ilusão de que se resolverá o problema doméstico com uma elevação de tarifas é um tiro no pé, que traz muito mais consequências negativas do que ganhos de longo prazo”, prosseguiu o economista. “Trump está sofrendo pressão de vários setores domésticos que têm seus empregos afetados, a inflação que passa a aumentar o custo de vida do consumidor, e esta é uma variável que será levada em conta nas definições dos próximos desdobramentos”.
Cadeias produtivas e globalização
O conselheiro federal também acredita que as cadeias produtivas internacionais mudarão, com desdobramentos difíceis de prever. “A lógica da globalização era a do menor custo de produção, com a terceirização da produção buscando mão de obra mais barata e leis ambientais mais amenas. Hoje o aquecimento global e a crise climática afetam o mundo todo, tornando mais difícil o abastecimento”, analisou. “A pandemia desnudou a insegurança de fornecimento de muitos países, não só no que se refere às hifas (componentes para fabricação de vacina), mas também equipamentos de proteção individual e respiradores. O Brasil pagou por equipamentos com antecedência e não recebeu, porque a produção foi deslocada para outros mercados. Os conflitos geopolíticos também afetam as cadeias logísticas internacionais e a capacidade de fornecimento de insumos”.
Consultado se este movimento seria a morte da globalização, o economista se mostrou cauteloso. “Ela está sendo fortemente questionada e isso tem precedentes históricos. Já tivemos momentos de contração da globalização, seguidos de processos de expansão. Estamos tendo claramente um momento de contração, mas não significa que daqui a alguns anos o quadro não possa ser revertido”, observou.
Efeitos sobre a economia brasileira
As primeiras estimativas quanto ao impacto das tarifas sobre a economia brasileira davam conta de uma queda de 0,4 ponto percentual no crescimento do PIB. “Basicamente 40% das exportações ficaram fora da tarifa. Podemos remodelar para 0,2 ponto percentual. Além disso, muita coisa pode mudar até o dia 06 de agosto e nas semanas seguintes”, analisou. “Espera-se algum tipo de restrição às exportações de aviões, enquanto outras áreas podem ter melhores tarifas com uma negociação”.
“O impacto inflacionário tende a ser positivo, ou seja, deflacionário. Vários itens de alimentação podem ter maior oferta no mercado doméstico, com um efeito inclusive sobre a taxa de juros e o crescimento da economia”, comentou o conselheiro federal. “E esta queda de preços não é nenhum drama para o produtor: eles tiveram um ganho expressivo ao longo dos últimos anos com os preços de exportação sendo transmitidos para o mercado doméstico e há uma margem significativa de alteração para baixo”.
Alívio aos setores mais afetados
Para Lacerda, alguns dos instrumentos de alívio aos setores mais afetados estão dados pelos programas estruturantes Nova Indústria Brasil, Plano de Transição Energética e novo Programa de Aceleração do Crescimento, por meio do uso de crédito direcionado. “Crédito, financiamento e capital de giro são muito importantes. Além disso, a reprogramação do recolhimento dos impostos é algo que pode dar fôlego às empresas; e também é possível conceder benefícios fiscais associados a desempenho, mantendo salários e trabalhadores”, vislumbra o economista. “Apesar das restrições fiscais, que são reais e presentes, são mecanismos que podem ser usados pontualmente em setores onde o impacto é mais negativo”.
Em relação ao uso de recursos fiscais, o conselheiro federal argumenta que não fazer nada pode ser mais caro. “Assim como a tragédia do Rio Grande do Sul e os impactos da Covid foram tratados de forma espacial, o tarifaço e suas consequências também têm que ter um tratamento diferenciado. A inação custa muito mais caro do que uma ação que envolva recursos fiscais”, pontuou.
Lei de Reciprocidade Tarifária
A Lei de Reciprocidade Tarifária pode ser uma ferramenta importante – mas não como resposta idêntica às tarifas. “É como um seguro de carro: você tem e só usa quando é estritamente necessário”, comparou Lacerda. “Uma reciprocidade direta seria um tiro no pé e prejudicaria mais do que resolveria. Mas a reciprocidade não precisa ser com o mesmo instrumento, mas com outros, afetando determinados interesses em serviços que você pode regular”.
Além disso, ele vê um cenário favorável para o Brasil, com empresas estrangeiras como aliadas na negociação de tarifas. “Temos uma boa condição de saída, do ponto de vista da estrutura de comércio interno. O fato de termos muitas empresas norte-americanas, europeias e asiáticas no Brasil joga a favor”.
BRICS
A importância dos BRICS e a ameaça ao papel do dólar na economia mundial também foram discutidas durante o programa Fechamento. “Em termos de peso econômico, eles têm uma participação no mercado mundial como a União Europeia. Há 25 anos ela substituiu o dólar pelo euro”, comentou Lacerda. “Essa diminuição do poder do dólar já vem ocorrendo. Mas temos que ser realistas: o dólar representa a maioria das transações internacionais e tem uma posição significativa nas reservas cambiais dos países”.
Apresentando dados, no final da década de 1990 as reservas cambiais somavam cerca de US$ 1 trilhão e cerca de 80% delas (US$ 800 bilhões) estavam definidas em dólares; atualmente, são cerca de US$ 20 trilhões em reservas, com algo entre 55% e 60% (US$ 11 a 12 trilhões) dadas em dólares. “Ele tem perdido importância relativa, mas continua preponderante”, constata Lacerda. “Não há mercados tão substantivos quanto o da dívida norte-americana que possam substituir, no curto prazo, o dólar. Ele perde espaço como moeda preferencial de transações, mas o processo é mais lento como moeda preferencial de divisas”.
“Os BRICS fazem parte de um processo de visão do chamado Sul Global de reordenamento para uma economia multipolar, que não mais aquela definida no pós-Segunda Guerra Mundial, que denotava uma configuração geopolítica que prevaleceu ao longo da segunda metade do Século XX”, prosseguiu Lacerda. “Hoje há uma nova configuração, com novos países. O BRICS é parte deste processo, com os ônus e bônus decorrentes, e acredito que são muito mais bônus do que ônus. Não faz sentido, dentro da estratégia brasileira, enfraquecer o BRICS. Temos que intensificar as relações geopolíticas, de investimentos e monetárias”.