Por que o Brasil não pode ceder a Trump em agosto

Artigo de autoria de Eduardo Araújo (ex-conselheiro do Conselho Federal de Economia), publicado originalmente no portal A Gazeta (disponível AQUI).

“É melhor ser temido que amado”, escreveu Maquiavel em “O Príncipe”, estabelecendo um dos princípios mais duradouros da estratégia política. Para o secretário florentino, um governante que inspira medo controlado mantém ordem e respeito, enquanto aquele que busca apenas agradar convida à exploração.

Essa máxima, formulada no contexto das intrigas renascentistas, encontra ecos diretos na crise comercial que o Brasil enfrenta com a tarifa de 50% imposta por Trump. A questão não é se devemos resistir, mas como fazê-lo de forma que seja respeitada sem ampliar prejuízos para ambos.

Quatro séculos após Maquiavel, a ciência econômica comprovou cientificamente sua intuição através dos experimentos de teoria dos jogos de Robert Axelrod. Nos anos 1980, Axelrod testou um dilema simples: dois jogadores escolhem simultaneamente entre cooperar ou trair, sem conhecer a decisão do adversário.

Repetindo esse jogo centenas de vezes entre estratégias computadorizadas, descobriu que a vencedora foi a lógica de “olho por olho”: começar cooperando, mas retaliar imediatamente, perdoando quando o oponente voltar a cooperar. Esse experimento provou que a estratégia de retaliar na medida certa supera agressão constante e submissão passiva. Maquiavel estava certo, mas com uma nuance: o medo deve vir acompanhado de previsibilidade e perdão.

A experiência da União Europeia ilustra os perigos de ignorar esses ensinamentos. Quando Trump impôs tarifas em abril, a UE suspendeu suas retaliações e optou por negociar sob extrema pressão, diferentemente do Canadá e China que responderam imediatamente.

O resultado foi aceitação gradual: a UE terminou aceitando tarifa de 15%, bem superior aos 10% da maioria dos países. Como observou um embaixador europeu em entrevista ao Financial Times, “não há como esconder que a UE foi atropelada pelo caminhão de Trump”. A União Europeia violou o princípio de Axelrod: permitiu que a primeira traição passasse sem resposta, sinalizando que poderia ser explorada sem consequências.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice, Geraldo Alckmin

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice, Geraldo Alckmin. Crédito: Ricardo Stuckert / PR

A China oferece exemplo mais contundente desses princípios. Quando Trump impôs tarifas em abril, Pequim retaliou imediatamente restringindo exportações de minerais raros e ímãs essenciais para as indústrias americana e de defesa dos EUA. A pressão funcionou: em junho, Trump anunciou acordo em que a China forneceria terras raras em troca de concessões americanas. A China aplicou perfeitamente a lógica do “olho por olho” de Axelrod: usou sua alavanca econômica específica para forçar negociação, demonstrando que essa estratégia pode dobrar até a maior potência mundial.

Os casos são esclarecedores: a UE saiu prejudicada ao negociar passivamente, a China venceu ao retaliar estrategicamente. Diante de 1º de agosto, aceitar passivamente a tarifa de 50% convidará futuras humilhações; retaliar desproporcionalmente seria autossabotagem. O caminho é firmeza calibrada: diversificar parcerias comerciais, mobilizar empresas americanas aliadas, aplicar retaliações proporcionais e reversíveis. Nações que respeitam a si mesmas não negociam de joelhos, mas tampouco destroem pontes por orgulho. A teoria dos jogos traçou o roteiro; resta ao Brasil aplicá-lo.

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