Podcast Economistas: O papel estratégico dos bancos públicos no desenvolvimento
Ernani Torres, professor da UFRJ, explica por que eles são fundamentais para realizar políticas públicas e chegar a um público não alcançado pelos bancos privados, com impacto na infraestrutura, transição energética e redução das desigualdades
Está no ar mais uma edição do podcast Economistas! No episódio desta semana, o economista Ernani Torres, professor do Instituto de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fala sobre a importância dos bancos públicos, que desempenham um papel estratégico no desenvolvimento econômico e social de um país. O podcast Economistas pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.
Os bancos públicos atendem em áreas que, muitas vezes, não são alcançadas pelo setor privado. Eles também são instrumentos fundamentais na execução de políticas públicas e financiam setores essenciais como infraestrutura, habitação, agricultura familiar, educação e inovação. Por meio deles, o Estado consegue canalizar recursos para regiões menos desenvolvidas, estimular cadeias produtivas estratégicas e reduzir disparidades regionais.
Por que bancos públicos?
Uma das dúvidas mais comuns quando se fala sobre bancos públicos diz respeito à sua atuação. Afinal de contas, se já existem bancos privados para prestar determinados serviços, por que é preciso que existam também bancos públicos? A resposta passa pelo direcionamento de determinadas ações e pela escala que se pode ganhar, tornando o uso de bancos públicos mais eficiente do que o uso de recursos orçamentários.
“O crédito, em certo sentido, é o principal instrumento que o governo tem para gerar ou tornar efetivas as políticas que ele acha desejáveis. Ele não substitui o uso de recursos orçamentários – mas, se bem acionado, consegue atingir uma escala, volume de recursos e população muito maior do que os recursos fiscais permitem”, argumenta Torres. “Direcionar o crédito é fazer com que o sistema financeiro coloque dinheiro, capital e investimento em setores, populações e geografias que o governo acha prioritários – e os bancos públicos são um instrumento poderosíssimo de direcionamento de crédito. Podem concorrer com o setor privado em termos de spread, mas também podem ser instrumentos complementares”.
O processo de industrialização de diversos países contou com o apoio dos bancos públicos. Afinal de contas, a industrialização precisa de muito mais do que vontade política ou um bom ambiente de negócios. Um dos elementos fundamentais para que empresas possam investir em máquinas, tecnologia e inovação é o crédito de longo prazo. Neste sentido, os bancos públicos são uma peça-chave.
“Financiamento à industrialização é uma atividade de longo prazo. Um investidor lá na ponta compra máquinas e equipamentos, tem um gasto muito grande num período relativamente curto e precisará de um prazo mais longo para ter um retorno suficiente que dê lucratividade e compense o risco”, observa Ernani. “Quando falamos de industrialização, falamos de bancos de longo prazo. Eles foram relevantes em quase todas as industrializações, com exceção da Inglaterra e Estados Unidos, que foram processos diferentes dos demais”.
Incorporação de novas funções
Nem sempre os bancos mais relevantes na industrialização são públicos – em alguns casos, os bancos privados tiveram um papel muito importante. Em outros países, bancos privados foram estatizados durante as décadas de 1930, 1940 e 1950, dada a sua relevância estratégica. No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) teve um papel bastante relevante.
O economista Ernani Torres explica que, com o avanço do processo de industrialização, os bancos públicos acabam ganhando novas funções, mas sem deixar de ter relevância no financiamento da indústria. “O BNDES ocupou este papel durante o período mais heroico da industrialização, décadas de 1950, 1960 e 1970. A exemplo do que aconteceu no exterior, quando o investimento industrial perde relevância e a banca privada e os mercados de capitais se instalam, ele deixa um pouco de lado aquele papel inicial e ocupa posições mais relevantes em outros obstáculos à industrialização, como é o caso da transição energética, das exportações e da economia digital”, aponta Torres. “O Banco de Desenvolvimento da Coreia do Sul, que foi extremamente importante nas décadas de 1960 e 1970, atuou no desenvolvimento do mercado de derivativos para apoiar as exportações das empresas coreanas. Mas, a despeito dessas transformações, nenhum desses bancos de desenvolvimento de longo prazo deixou de manter uma atuação relevante no financiamento da infraestrutura e da indústria em seus países”.
Financiamento a pequenas e médias empresas
As instituições públicas de financiamento podem ser divididas em dois grupos, sendo um deles voltado para as atividades de desenvolvimento propriamente ditas e outro formado por bancos com perfil comercial, em concorrência direta com bancos privados. Na Europa, em lugares como a Alemanha e os países nórdicos, eles concorrem com os bancos privados em termos de spread, inovações, novos produtos e atendimento a pequenas e médias empresas.
“O apoio à pequena e média empresa é uma atividade de enorme complexidade. Não é fácil em nenhum lugar. Basicamente, há uma população muito interior e heterogênea do ponto de vista do risco e há limitações para que o financiador bancário atinja esta população”, analisa o economista. “Essas empresas, muitas vezes, têm um problema gerencial grande e misturam as finanças familiares e as do empreendimento. A atuação do banco comercial, nesta área, se tornou mais problemática por causa do caminho seguido pela regulação bancária, com alavancagens de capital mais restritivas. Assim, o apoio ao financiamento da pequena e média empresa requer instituições complementares, quer do ponto de vista gerencial (como o Sebrae), quer do ponto de vista do carregamento de risco”.
Além de serem agentes financeiros, os bancos públicos são instrumentos de política pública, capazes de promover o desenvolvimento econômico, reduzir desigualdades regionais e apoiar setores fundamentais como a infraestrutura, a transição energética e a economia digital. Mesmo com a evolução dos mercados financeiros e a ampliação do setor privado, o papel dos bancos públicos continua tendo grande importância.