Podcast economistas: “Celso Furtado: Trajetória, Pensamento e Método”

Alexandre de Freitas Barbosa e Alexandre Macchione Saes, autores do livro publicado pela Autêntica Editora, falam sobre a obra lançada recentemente e a trajetória do economista paraibano 

Está no ar mais um episódio do podcast Economistas e o tema de hoje é a vida de um dos maiores intelectuais brasileiros. Neste ano foi publicado pela Autêntica Editora o livro Celso Furtado: Trajetória, Pensamento e Método, de autoria dos professores Alexandre de Freitas Barbosa e Alexandre Macchione Saes. O podcast pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.

A obra surgiu de um conjunto de atividades desenvolvidas pelos dois professores e propõe uma leitura contextualizada da vida e das ideias de Celso Furtado. Mais do que uma biografia, o livro é uma análise da formação, das experiências institucionais e do método analítico que marcaram sua atuação como economista, pensador e servidor público. 

“Reunindo muito material e contribuições importantes de colegas, percebemos a riqueza da produção do autor, que às vezes é vista de maneira muito fragmentada: um Celso Furtado do período de formação, outro das relações com a Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL) e o estruturalismo, outro da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), outro do exílio e seu pensamento sobre o brasil e o capitalismo, seu retorno ao Brasil até se tornar ministro da Cultura. Existem muitos Furtados aí”, ponderou Alexandre Saes.  

A atividade que serviu como ponto de partida foi um seminário realizado em 2019 sobre os 60 anos da publicação de Formação Econômica do Brasil. No ano seguinte, já durante a pandemia, os professores organizaram debates no contexto dos cem anos do nascimento de Celso Furtado. Mais tarde, propuseram uma disciplina para apresentar a obra do economista paraibano. “São mais ou menos 60 anos de produção intelectual, mais de 30 livros publicados em vida, que começamos a ler com estudantes de pós-graduação, formando naturalmente um roteiro de leitura e reflexão. Então, tínhamos um livro praticamente pronto e demos forma a esta redação”, complementa Saes. 

O livro propõe um olhar para a produção intelectual de Celso Furtado articulada ao contexto em que ela é produzida. Neste sentido, duas publicações organizadas pela viúva do economista, Rosa Freire d’Aguiar, foram particularmente importantes, divulgando a correspondência intelectual e os diários de Furtado. As publicações permitiram que os autores pudessem mapear as questões pensadas por ele e as pessoas com quem dialogava no contexto da produção de cada obra.  

“O próprio movimento das transformações da economia mundial, dos impasses sobre o desenvolvimento econômico e social brasileiro, foi impondo a Furtado a necessidade de revisões sempre contínuas de suas ideias”, pondera Saes. “Ele tem uma leitura das mais relevantes sobre o Brasil do final dos anos 50 e acaba conduzindo todo um conjunto de interpretações e projetos políticos. No exílio ele precisa repensar estas ideias, por causa do percurso trágico da economia brasileira”. 

Na Década de 1970, o economista paraibano escreveu O Mito do Desenvolvimento Econômico. “Ele traz novos componentes para entender as transformações na economia mundial, o papel das transnacionais, a rearticulação de um novo jogo na geopolítica internacional. E traz também sua contribuição sobre as necessidades de revisão dos projetos de desenvolvimento”, aponta Saes. “O livro é uma síntese importante para mostrar como Furtado segue sendo um economista bastante interdisciplinar, que articula história, economia e projeto político com análise teórica”. 

Relação com os paradigmas econômicos 

Celso Furtado graduou-se em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e obteve o doutorado em economia pela Universidade de Sorbonne, em Paris. Ao longo de sua formação acadêmica e profissional, conviveu com alguns paradigmas econômicos da época, como a economia neoclássica, o keynesianismo e o estruturalismo latino-americano. Na opinião de Alexandre Barbosa, esta capacidade de se reinventar é uma das grandes qualidades do economista paraibano. 

“No campo da ciência econômica ele conhecia bem o ferramental da economia neoclássica, hegemônico até hoje em boa parte das universidades. No período da CEPAL, ele percebe que esse paradigma não lhe permite ver as transformações, então começa a procurar apoio no keynesianismo”, analisa Barbosa. “Mas ele oferecia remédio para as economias industrializadas em momento de crise. As políticas anticíclicas não funcionavam na América Latina, que estava tendo um processo de industrialização por substituição de importações, fazendo com que o Estado tivesse um papel mais amplo até para criar infraestrutura, bancos de investimento e um conjunto de instrumentos para economias que antes estavam voltadas para o exterior”. 

“Ali começam a surgir as noções de inflação estrutural, desequilíbrio crônico na balança de pagamentos, a percepção de que havia industrialização, mas não mudanças ocupacionais na mesma medida, gerando uma heterogeneidade estrutural”, prossegue Barbosa. “A partir do diagnóstico da CEPAL e de uma influência de Marx, de uma visão muito eclética dos paradigmas existentes, foi surgindo o estruturalismo latino-americano. E Celso Furtado foi um dos expoentes”. 

Desigualdade regional 

No livro Formação Econômica do Brasil, Celso Furtado apresenta a economia brasileira a partir de uma perspectiva histórica, algo até então inédito na análise econômica nacional. Ali ele descreve e aborda os problemas que o Brasil enfrentou com a industrialização. Uma das questões trazidas pelo economista foi a desigualdade regional. O mês de março de 1958 marcou o auge de uma das mais graves secas já ocorridas no Nordeste. O presidente Juscelino Kubitschek visitou as regiões mais atingidas e liberou 105 milhões de cruzeiros para medidas emergenciais. Na ocasião, foi criado por Celso Furtado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, para estudar a industrialização da região com um modelo de substituição de importações. Em dezembro do ano seguinte foi criada a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), vinculada diretamente à Presidência da República. 

“Furtado propôs um conjunto de reformas em nível regional. O diagnóstico que ele tinha era de um sistema industrial integrado no centro-sul e um conjunto de economias dependentes e subordinadas à margem”, comenta Barbosa. “Então era preciso integrar, mas não só isso: também era necessário industrializar o Nordeste e criar uma agricultura de alimentos, porque havia uma agricultura de subsistência no sertão e no agreste e, uma de exportação na zona da mata”.  

Hoje uma das principais referências na área de desenvolvimento regional (e, em específico, no Nordeste) é a professora Tania Bacelar. “Essa discussão das disparidades regionais se ampliou. Temos a Tania, discípula do Celso Furtado, mostrando como o Nordeste não é mais o espaço problema. Há uma desigualdade entre as regiões do Nordeste”, pontua Barbosa. “Também há zonas desenvolvidas e atrasadas, entre aspas, no centro-sul, por causa da nova forma de articulação da economia brasileira com a economia capitalista, especialmente a partir dos anos 90, quando há a abertura da economia”. 

O “último Furtado” 

Ao ser exilado, Celso Furtado tornou-se docente em universidades estrangeiras, o que lhe permitiu ampliar sua visão sobre as transformações da economia global. A partir da década de 1970 ele passa a identificar a ascensão das empresas transnacionais como um elemento central na reorganização do sistema econômico internacional. Em seus estudos, ele destaca o crescente poder das matrizes localizadas nos países centrais sobre as filiais localizadas na periferia, o que limitava a autonomia das economias nacionais e reproduzia padrões de dependência. 

É neste contexto que ele formula sua crítica ao chamado milagre econômico brasileiro: um período de crescimento rápido, mas marcado pela concentração de renda, subordinação tecnológica e incorporação frágil da economia brasileira ao capitalismo global. Para Furtado, o fenômeno era uma ilusão de modernização, orientada por interesses externos e desvinculada de um projeto de desenvolvimento autônomo e inclusivo. 

“Em seus livros da década, como O Mito do Desenvolvimento Econômico e Criatividade e Dependência na Civilização Industrial, temos um cientista social cada vez mais interessado na relação entre criatividade e acumulação – e criatividade não apenas em inovação e progresso técnico, mas em termos de fórmulas sociais e políticas, inclusive na cultura”, argumenta Alexandre Barbosa. “Ele faz uma crítica do capitalismo quando a economia mundial dá uma guinada no sentido oposto, rumo ao neoliberalismo. Esta é a grande contribuição deste último Furtado”. 

“Se tomarmos o livro Brasil: A Construção Interrompida, ele fala da perda de governabilidade da economia dos Estados Unidos, que não funciona mais como sistema econômico nacional. Cada vez o Estado tem menos controle”, aponta o professor. “Boa parte dos economistas liberais estão boquiabertos com o tarifaço de Trump. Um olhar furtadiano mostrando a reorganização do sistema internacional a partir da ascensão chinesa, permite avaliar o que significam tanto o tarifaço quanto a ascensão chinesa e ter a compreensão da atualidade para fazer diagnósticos e políticas, tanto no âmbito das empresas quanto dos Estados. Este olhar econômico de Celso Furtado, que vai além da economia, continua fundamental para qualquer economista nos dias de hoje”. 

Os entrevistados 

Alexandre de Freitas Barbosa é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com mestrado em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Economia Aplicada pela Unicamp. É professor livre-docente de História Econômica e Economia Brasileira da USP. Em 2022, recebeu o primeiro lugar no Prêmio Brasil de Economia, categoria Livro, com a obra “O Brasil Desenvolvimentista e a Trajetória de Rômulo Almeida: projeto, interpretação e utopia”. 

Alexandre Macchione Saes é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e doutor em História Econômica pela Unicamp. É professor de História Econômica e Formação Econômica do Brasil e do programa de pós-graduação em História Econômica da USP. 

Share this Post