Seminário expõe como política monetária e tributação aprofundam desigualdade 

Evento foi organizado pelo Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social e ocorreu na Câmara dos Deputados, contando com a presença de parlamentares e especialistas 

O Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social realizou nesta quarta-feira (21) o seminário “Estrutura tributária regressiva + R$ 1 trilhão para os juros da dívida”. O evento, organizado em parceria com a Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Aslegis) e a Frente Parlamentar Sobre o Limite de Juros e Auditoria Integral da Dívida Pública com Participação Popular, ocorreu no auditório Freitas Nobre, na Câmara dos Deputados, e contou com a presença de parlamentares e especialistas para debater aspectos da tributação e da política monetária no Brasil. Confira AQUI as fotos do evento.  

Na mesa de abertura, o economista Júlio Miragaya mencionou um estudo do economista Sergio Gobetti. Em 2024 foram pagos R$ 998 bilhões em dividendos. “Uma alíquota de 10% representaria R$ 100 bilhões em arrecadação. Temos visto a tentativa de isentar quem ganha até R$ 5 mil, com alíquota de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil, e no Congresso já vemos movimentação para aumentar este valor”, criticou. “A maior parte dos recursos vai para um seleto grupo que se beneficia desta taxa de juros absurda que onera a dívida pública, encarece o crédito, complica a situação das famílias e restringe o investimento das empresas”. 

O conselheiro federal José Luiz Pagnussat representou o Cofecon e Corecon-DF no evento e contrastou o gasto do Brasil com juros da dívida pública em comparação com outros países. “Quando falo para os meus alunos na universidade que o Japão, com dívida de 250% do PIB, gasta com juros uma ninharia, enquanto o Brasil, com dívida acima de 70%, gastou nos últimos 12 meses R$ 935 bilhões, eles não acreditam. E com os ajustes da Selic, vamos passar de R$ 1 trilhão em breve”. 

A coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, destacou que “a desigualdade que temos não é por acaso. Ela é planejada por este modelo econômico que tem como eixos a política de juros abusivos e o sistema da dívida. Parabenizo o Fórum por colocar estes dois temas”. 

Presença de parlamentares 

A deputada federal Érika Kokay (PT/DF) iniciou sua fala dizendo que o Brasil tem uma das elites mais cruéis do nosso continente. “Este trilhão de reais em juros arrancados da própria população é uma forma de elevar a concentração de renda. A financeirização da economia é o instrumento básico de acumulação de capital”, argumentou Kokay. “Estamos financiando a estrutura deste modelo que reage a qualquer tipo de ação que venha a elevar o nível de igualdade ou mesmo enfrentar a desigualdade. A proposta de isentar de imposto de renda quem ganha até R$ 5 mil foi questionada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), mas quem tem sustentado ano após ano o lucro dos bancos?” 

“Temos um nível de isenção fiscal absurdo, sem contrapartidas de emprego. É preciso ter muita atenção nessa discussão da reforma tributária”, mencionou. “É fundamental que continuemos lutando pela auditoria da dívida. Isso está previsto na nossa legislação, mas no Brasil há leis que são colocadas em condições de serem aplicadas e há outras que são ignoradas”. 

Kokay também citou distorções como as emendas parlamentares conhecidas como “emendas pix”. “Às vezes uma emenda para a saúde de um município é maior do que o orçamento da saúde deste município”, comentou. “É fundamental que possamos enfrentar o modelo que está em curso, e que se expressa no tamanho da dívida e da taxa de juros, para que possamos ter um projeto de desenvolvimento nacional. Há segmentos que se aproveitam da própria desigualdade para aprofundá-la, porque são interesses opostos. Precisamos de uma reforma que possa transformar o Brasil num país 3S: solidário, saudável e sustentável”. 

Já a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL/RS) mencionou que o Brasil segue aprofundando contradições que limitam seu desenvolvimento e foi enfática ao apontar os impactos desta lógica sobre a soberania econômica e o futuro da ciência e da educação no País. 

“O Brasil é um paraíso para quem quer especular. Pega empréstimos em outros países com juros negativos, vem para cá e vai ser bem remunerado. O aumento da taxa de juros de forma sistemática faz com que tenhamos uma economia voltada, na prática, para atender esses interesses, e o estrangulamento dos gastos primários. Nenhum outro país teve uma regra tão draconiana quanto o teto de gastos”, afirmou Melchionna. “O novo sistema de meta contínua torna o controle da inflação mais difícil e menos flexível, e numa conjuntura internacional difícil. Economicamente ainda estamos sofrendo os impactos da crise de 2008”. 

A pressão sobre os gastos primários afeta várias áreas – e a deputada citou o exemplo da educação. “Estamos num momento em que já tínhamos um orçamento para as universidades menor que o de 2019, e se reajustado pela inflação, menor que o de 2011, quando tínhamos menos universidades. Temos um montante menor e um contingenciamento de 36%”, comentou Melchionna. “Este é o apagão das universidades e da ciência, que é importante para desenvolver tecnologias e dar retorno social ao nosso povo”. 

Tributação e desigualdade 

O coordenador do Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social, economista Júlio Miragaya, comentou que a carga tributária brasileira não é elevada, se comparada a outros países. “É uma estrutura anacrônica, mas grande parte deste anacronismo foi corrigido nesta reforma, que buscou simplificar os impostos sobre o consumo. Sob este ponto de vista, houve um avanço – mas o problema maior é a carga tributária regressiva”, observou.  

O economista questionou a tributação praticada no Brasil por meio do imposto de renda. “Começamos a tributar a partir de 1,5 salário mínimo. É ridículo começar a pagar imposto de renda a partir desta faixa. A reforma deveria isentar quem ganha até R$ 5 mil, um valor já superior à última faixa, e elevar as demais faixas gradativamente, inclusive estabelecendo uma alíquota maior, algo que já existiu no Brasil”, argumenta. “Tem a questão dos lucros e dividendos, que é escandalosa. Ano passado tivemos um cidadão que recebeu R$ 5 bilhões e não pagou um centavo de imposto”. 

No campo da taxa de juros, Miragaya referiu-se à meta de inflação de 4,5% que vigorou entre 2005 e 2018 – e que atualmente é de 3%, com margem de 1,5 ponto percentual. “Não se pode dizer que 4,5% anual seja um estouro da inflação. Isso significa um encarecimento do crédito à população, piora no endividamento das famílias e das empresas. Há um enorme prejuízo para a economia nacional por causa de uma meta irrealista de 3%”, criticou.  

O presidente da Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados (Aslegis), economista Pedro Garrido, caracterizou a desigualdade como algo que piora o desempenho econômico e falou sobre os limites de gastos. “Temos regras que tentam reduzir nossos gastos primários e não se preocupam com os gastos financeiros. Hoje há outra espécie de teto mais brando, mas que também limita e se impõe sobre uma necessidade de expansão de políticas públicas”, argumentou o economista. “Este arcabouço tem uma implicação clara sobre determinados tipos de gastos, mas não sobre os gastos financeiros”. 

Garrido também caracterizou os juros da dívida como algo que beneficia a população mais rica e gera desigualdade. “Mesmo quando um trabalhador consegue aplicar um dinheiro em títulos públicos, ele não tem a mesma condição de consultoria de bancos e corretoras no mercado financeiro que possuem uma capacidade muito maior de se beneficiar desses juros”, observou. “E essa é uma espécie de ativo que rende juros que vão se acumulando, gerando uma maior disparidade de renda no longo prazo”. 

O economista apresentou uma tabela com o índice de Gini no Brasil – o indicador, que varia entre zero e um, mede a desigualdade e, quanto mais alto, mais desigual é um país. “Em 2020 o auxílio emergencial fez com que o índice caísse, o que mostra que as políticas estatais funcionam para reduzir a desigualdade no País”. Garrido também apresentou um histórico de tentativas frustradas de mudar a legislação nacional de forma a enfrentar a isenção da distribuição de lucros e dividendos no imposto de renda, bem como de instituir impostos sobre grandes fortunas, heranças e doações e propriedades de embarcações e aeronaves. 

Impactos dos juros altos 

O professor José Luís Oreiro, da Universidade de Brasília, comparou o gasto brasileiro com juros da dívida ao de outros países, como a Espanha. “No geral, a taxa de juros brasileira é muito elevada para padrões internacionais. Temos uma média de juros reais de 6% ao ano, livre de risco, altamente líquido”, expôs. “Minha crítica fundamental à política monetária é, primeiro, ao regime de metas de inflação no Brasil. Apesar de seu objetivo de estabilidade de preços, tem se mostrado amplamente ineficaz na promoção de um crescimento sustentável e inclusivo”. 

Oreiro explicou como os juros altos trazem como consequência um câmbio apreciado, prejudicando a indústria brasileira e o crescimento de longo prazo. Também apontou para a indexação – de preços e da dívida pública – como algo que exige uma política monetária mais restritiva. “Esta indexação cria um ciclo perverso, no qual as taxas mais altas elevam o custo do serviço da dívida, levando a desequilíbrios fiscais e a uma pressão adicional por taxas elevadas”, citou.  

Entre as recomendações de política econômica apresentadas, estão o duplo mandato para o Banco Central, incorporando metas de crescimento e emprego; um regime de metas de inflação mais flexível, que use o núcleo da inflação; a reforma na estrutura da dívida, com substituição de títulos indexados por prefixados; e introdução de controles de capital para gerenciar a volatilidade e manter um câmbio competitivo. 

A vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Juvandia Moreira Leite, chamou a atenção para o fato de que a população não conhece a estrutura tributária brasileira e mencionou que a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) chamou o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, para dizer que não vai pagar a conta da isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. “E este projeto pode ser tímido, mas talvez seja a primeira iniciativa recente de distribuição de renda que mexe no andar de cima”, apontou Juvandia. “Como se eles não tivessem toda uma criatividade tributária para não pagar esses impostos”. 

Ela também citou o fenômeno conhecido como porta giratória, no qual executivos assumem um cargo no Banco Central e depois retornam ao mercado financeiro. “De onde ele veio, para onde vai e para quem trabalha?”, questionou. “Não é para o povo brasileiro. É para o capital financeiro. Podemos fazer este debate reverberar na nossa base, levar essas informações, criar a indignação e pressionar o parlamento para fazer uma mudança”. 

“Os juros altos tiram dinheiro das escolas, das creches, da saúde, dos hospitais, das rodovias, dos investimentos produtivos, do nosso investimento num modelo próprio de inteligência artificial, nossa soberania, nosso futuro”, prosseguiu Juvandia. “Uma sociedade justa passa por uma reforma que promova essa justiça tributária”. 

Maria Lucia Fattorelli, caracterizou a taxa de juros e a tributação regressiva como pilares de um modelo que produz escassez para a maioria das pessoas. “O mesmo grupo que lucra R$ 1 trilhão de reais com o sistema da dívida, lucra com a isenção dos dividendos”, apontou. “O papel do modelo tributário é tributar quem tem maior capacidade contributiva para que os recursos possam chegar a quem tem menos. A dívida influencia o modelo econômico e o sistema político para que os mais ricos tenham esse privilégio”. 

“Os manuais que estudamos na faculdade nos ensinam que a dívida serve para investir. No entanto, de 2000 a 2017 nenhuma despesa orçamentária classificada como investimento (código GND 4) foi custeada com recursos das fontes 43 e 44 (que correspondem a emissão de títulos)”, apontou Fattorelli, mencionando dados do Tribunal de Contas da União apresentados em uma audiência pública da Comissão de Assuntos Econômicos em 25 de junho de 2019. “Os juros altos são a principal causa do crescimento exponencial da dívida. Cada ponto percentual de aumento da taxa Selic representa R$ 55 bilhões em aumento de gastos por ano”. 

Para assistir na íntegra, clique AQUI 

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