Podcast Economistas: O legado econômico do Papa Francisco
Economista Ladislau Dowbor abordou a visão do pontífice, falecido em 21 de abril, sobre justiça social, meio ambiente e a transformação “da economia que mata em uma economia que faz viver”
Está no ar mais uma edição do podcast Economistas! E nesta segunda-feira, 21 de abril, às 2:35 da manhã no horário de Brasília, faleceu o Papa Francisco. Ele tinha 88 anos e foi o primeiro Papa nascido no continente americano. Desde o início do seu pontificado, em 2013, ele exerceu uma influência significativa no debate global sobre justiça social, desigualdade e crise ambiental. O podcast Economistas pode ser acessado na sua plataforma favorita ou no player abaixo:
Francisco foi um crítico dos modelos econômicos dominantes e um defensor de um modelo de desenvolvimento sustentável, solidário e centrado na dignidade humana. Ele chegou a mencionar que “é preciso transformar a economia que mata em uma economia que faz viver” – uma frase que se tornou símbolo da sua forma de pensar.
“Ele tinha plena consciência do drama que enfrentamos. Ao dizer que temos que transformar a economia que mata numa economia que dá vida, este é um resumo do desafio. Sabemos o que deve ser feito. Precisamos de uma sociedade que seja economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável”, comenta o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Estamos destruindo o meio ambiente, enfrentando a tragédia da mudança climática, da perda de biodiversidade e de cobertura florestal, a destruição do solo por excesso de química e monocultura, estão destruindo a base da sobrevivência da humanidade. Simples assim”.
“No plano social, temos um nível de desigualdade pré-histórico. Com o enriquecimento financeiro, gerou-se uma situação absolutamente explosiva. O 1% mais rico do planeta tem 230 trilhões de dólares, enquanto a metade mais pobre, 4 bilhões de pessoas, apenas 5 trilhões”, aponta o economista. “Bastaria 2% de taxação no topo para dobrar o nível de riqueza dos mais pobres. Melhoraria imensamente a situação deles. No centro deste problema, estamos destruindo o meio ambiente para o proveito de uma minoria que trabalha com um sistema de extração financeira de empobrecimento das pessoas”.
Em junho de 2015 o Papa Francisco publicou a encíclica Laudato Si, título que, em português, significa “louvado sejas”. No documento, o pontífice dirigiu-se “a cada pessoa que habita neste planeta” e condenou a incessante exploração e destruição do ambiente, responsabilizando a apatia, a falta de visão política, a busca irresponsável pelo lucro e a crença excessiva na tecnologia. O papa afirmou que a mudança climática é um problema global com implicações graves: ambientais, econômicas, sociais, políticas e de distribuição de riqueza. O texto não fala apenas de meio ambiente, mas de uma ecologia integral.
Da mesma maneira, o movimento Economia de Francisco, surgido em 2019 após um convite do Papa às novas gerações, propôs uma economia com alma, centrada no cuidado com as pessoas e com o planeta.
“A encíclica trata de ecologia integral, de uma economia com alma na realidade, reconciliando a visão da economia com a ética. Desenvolvemos uma economia em que o PIB cresce, mas destruindo a natureza e gerando uma situação catastrófica para tantas pessoas. Pessoalmente, sinto uma profunda indignação”, expressou Dowbor. “São 750 milhões de pessoas passando fome, 2,3 bilhões de pessoas em insegurança alimentar. Anualmente seis milhões de crianças morrem de fome. O Holocausto foi de seis milhões durante seis anos. Estamos deixando que crianças morram quando produzimos, só em grãos, mais de 1 kg por pessoa por dia. Não há nenhuma razão econômica para esses dramas”.
Francisco foi o primeiro Papa em mais de 1.200 anos nascido fora do continente europeu e o primeiro nascido no hemisfério sul. A questão da pobreza ocupou um papel central em seu pontificado e a própria escolha do nome papel remete a São Francisco de Assis, fazendo referência à sua simplicidade e dedicação aos pobres. Perguntamos ao professor Dowbor de que maneira a perspectiva do sul global (especialmente da América Latina) está presente nas propostas econômicas do pontificado de Francisco.
“O mundo está dividido. O sul global tem 85% da população e apenas um quarto da riqueza. O norte global são 15% da população e três quartos da riqueza. Esta é a ordem de grandeza”, observa o economista. “É um dreno de recursos naturais, dreno através do sistema de juros. Os 140 países mais pobres do planeta estão endividados. Se pegar o orçamento destes países, em que há tanta necessidade de investimento em indústria, saúde e educação, 41% dos orçamentos destes países são para pagar juros internacionais para os grandes grupos do norte. Os países mais pobres, onde deveríamos investir para reequilibrar, são drenados pelo sistema de financeirização. Esta foi a discussão que o Papa colocou na mesa”.
Nos moldes do que foi discutido no movimento da Economia de Francisco, vários caminhos têm sido apontados para construir uma economia mais solidária, cooperativa e centrada na dignidade humana e no cuidado com o planeta. Entre eles, destacam-se o fortalecimento da economia solidária, a promoção do trabalho digno, a valorização dos pequenos produtores, o consumo responsável, a cooperação internacional e a educação para uma nova mentalidade econômica que se baseie em valores como solidariedade, justiça social, bem comum e sustentabilidade.
“O Papa e a Economia de Francisco deixam uma visão de mundo. Nossos esforços devem servir não para esgotar e drenar o planeta, mas para melhorar a nossa casa e assegurar que algumas coisas não faltem a ninguém”, observou Dowbor. “Não faltam recursos. Temos dinheiro suficiente, produzimos comida para 12 bilhões de pessoas. Temos todas as informações necessárias sobre cada um dos dramas ambientais e sociais. Os estudos científicos estão aí. Sabemos o que deve ser feito e temos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. O que devemos fazer é criar uma maior consciência da injustiça e da burrice que representa o sistema tal como está funcionando: estamos destruindo o planeta para proveito de 1%. Isso é completamente absurdo”, finalizou.