Podcast Economistas: impactos da guerra comercial

Carla Beni e Elias Jabbour discutem como o mundo – e também o Brasil – é afetado pelas tarifas anunciadas (e suspensas) por Donald Trump e a resposta da China

Está no ar mais um episódio do podcast economistas e o tema é a guerra comercial que agitou o mundo nesta semana! O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou tarifas sobre a importação de produtos de quase todos os países e depois voltou atrás, suspendendo a taxação por 90 dias, depois de ter causado uma grande oscilação nas bolsas de valores e no preço do dólar. O episódio pode ser escutado na sua plataforma favorita ou no player abaixo. 

Neste episódio conversamos com Carla Beni e Elias Jabbour. Carla é economista graduada pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), com mestrado em história econômica pela Unicamp, professora da Fundação Getúlio Vargas e conselheira do Corecon-SP. Elias é mestre e doutor em geografia humana pela Universidade de São Paulo (USP) e professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tendo atuado como assessor econômico da presidência da Câmara dos Deputados e consultor sênior da presidência do Novo Banco de Desenvolvimento. 

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou uma série de tarifas de importação para produtos de praticamente todos os países, buscando proteger a indústria norte-americana e reduzir o déficit comercial do país. Uma tarifa geral de 10% começou a vigorar no dia 05 de abril, seguida de tarifas adicionais que começariam no dia 09 e variavam de 10% até 34%, dependendo do país, sendo que as mais altas eram para a China. 

O anúncio gerou muita repercussão. Vários países pediram para negociar com os estados unidos, enquanto outros anunciaram retaliações. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sinalizou com tarifas na casa dos 25% entrando em vigor na próxima semana. Já a China, ainda na semana passada, respondeu com tarifas de 34% sobre produtos dos estados unidos e restrições para a exportação de terras raras. Isso fez com que os estados unidos anunciassem 50 pontos percentuais adicionais nas tarifas aplicadas, levando para 84% – e a china informou outro aumento na mesma medida. 

Em um anúncio mais recente, e depois de um pânico nos mercados durante a semana, o presidente dos estados unidos, Donald Trump, informou que as tarifas seriam suspensas por 90 dias para aqueles países que não retaliaram e se propuseram a negociar – mas elevou as praticadas contra a China, primeiro para 104%, depois para 125% – algo que, no dia 11 de abril, o país asiático prometeu igualar. 

A aplicação de tarifas de importação não é algo novo. Em 1930, nos Estados Unidos, a lei Smoot-Hawley aumentou as tarifas de importação de aproximadamente 900 produtos em uma média de 40% a 60% no esforço de proteger agricultores e empresas americanas. A grande novidade, neste caso, é a forma agressiva como este processo vem sendo feito. 

“Não me lembro de precedentes históricos neste nível de arbitrariedade e de agressividade diplomática como o governo americano está fazendo agora”, comenta a economista Carla Beni. “No governo Biden foram elevadas as tarifas específicas para a China, inclusive aquelas sobre carros elétricos passaram de 25% para 100% imediatamente, e não tivemos todo esse alvoroço nem toda essa instabilidade”. 

Quebra de confiança 

Ela argumenta que, além de a aplicação de tarifas de importação ser uma ferramenta anacrônica para a solução de questões fiscais, o comportamento imprevisível do governo norte-americano e do seu presidente quebra a confiança dos demais países nos Estados Unidos. 

“Eu coloco o risco na questão mais ampla do que o percentual. O que estamos observando é a quebra da confiança e da credibilidade que o governo americano passa para o mundo todo. As oscilações onde anúncios são desmontados dois ou três dias depois, é aqui que está o problema”, pontua Carla Beni. “Pensar em tarifas de importação como estratégia para resolver questões fiscais ou internas do próprio governo americano é uma estratégia falha, antiga, do final do Século XIX ou começo do Século XX”. 

A questão da quebra de confiança apontada pela economista é importante, especialmente num momento em que o mundo passa por uma reconfiguração das cadeias globais de suprimentos. Se durante o período da globalização essas cadeias de fornecimento foram arranjadas em busca do menor preço, em tempos mais recentes a pandemia e os conflitos geopolíticos mostraram a importância de garantir a segurança do fornecimento dos insumos. 

“As próprias cadeias globais de suprimentos, elas vêm se reposicionar não só pelas tarifas, mas porque o governo americano tem quebrado a confiança, inclusive com aliados, e essa instabilidade provoca um olhar que é mais ou menos o seguinte: e se os Estados Unidos resolverem mudar de opinião amanhã, como a gente fica?”, explicou a economista. “As cadeias de suprimentos globais são um reflexo de toda uma construção feita desde a década de 1980, com as próprias regras inclusive definidas pelos Estados Unidos, com as suas políticas externas, um dólar forte, o tabuleiro de xadrez foi construído pelos Estados Unidos depois do pós-guerra, na reunião de Bretton Woods e tudo isso. O que o governo específico do Trump está fazendo agora é chutar o tabuleiro, as peças estão todas voando e os países vão ter que repensar as cadeias, mas mais importante que isso, ele está dando a chance para que grupos se fortaleçam, para que blocos de países se fortaleçam”. 

Resposta chinesa  

Os anúncios do governo norte-americano de elevação de tarifas têm sido respondidos pela China com um aumento semelhante. No entanto, a cada anúncio de um novo aumento, o governo chinês emite um comunicado reforçando a busca pelo diálogo. Ao elevar suas tarifas aos produtos americanos para 84%, o comunicado emitido por Pequim dizia que “a China insta os Estados Unidos a corrigirem imediatamente suas práticas equivocadas, a cancelarem todas as medidas tarifárias unilaterais contra a china e a resolverem adequadamente as diferenças por meio do diálogo igualitário, baseado no respeito mútuo”.  

Mais recentemente, quando a China anunciou o aumento das tarifas para 125%, o Ministério do Comércio emitiu um comunicado dizendo que “a imposição repetida de tarifas anormalmente altas pelos Estados Unidos se tornou um jogo de números e não tem significado econômico prático”, e pediu que os americanos “deem um grande passo à frente na eliminação das chamadas tarifas recíprocas e corrijam completamente suas práticas ilícitas”.  

“As respostas da China têm sido muito assertivas. Ela iniciou o processo dando respostas mais estratégicas, esperando uma semana para anunciar uma taxação sobre um produto X, uma taxação sobre um produto Y, restrições às exportações de terras raras, algo muito importante para a indústria americana, principalmente a indústria de tecnologia”, observou o professor Elias Jabbour. “Na medida em que os americanos escalaram, e isso é quase que uma declaração de guerra, a China também agiu da mesma forma. É a reação normal de um país sob cerco, sob ameaça. O projeto nacional chinês passa por um grande teste neste momento, o que demanda uma resposta mais assertiva”. 

“A China tem uma postura bem característica de um país com cinco mil anos de história. Tem dado respostas soberanas, frias, calculistas, equilibradas e dentro de uma estrutura diplomática muito importante”, analisa Carla Beni. “Não é mais a China de 20 anos atrás, nem a China do primeiro mandato do governo Trump. É um país com capacidade tecnológica, que está realmente levando os Estados Unidos à beira do desespero, com uma postura muito mais resiliente e tem condições de enfrentar essa batalha tarifária. Mesmo sabendo que todos os países vão perder, o ferramental da China está indicando que ela tem uma chance de perder menos que os Estados Unidos”. 

Perguntamos a Elias Jabbour se o país asiático está buscando apenas revidar as tarifas dos Estados Unidos ou se também aproveita este embate para afirmar uma postura de liderança econômica global. “Tenho dúvida, mas acredito que o exemplo da China demonstra de forma clara que não existe um único caminho para o desenvolvimento. As pessoas interessadas em entender o que está acontecendo têm que observar como os chineses se prepararam para este embate, principalmente nos últimos sete anos. Nas últimas quatro décadas eles focaram no desenvolvimento econômico, em subir cada degrau das cadeias de valor até chegar ao ponto em que podem se impor diante deste tipo de ameaça”. 

“Evidentemente que a China vai ampliar sua presença no comércio mundial com ou sem as tarifas, porque ela está se tornando cada vez mais o grande polo de produção de bens de troca e bens de uso”, prossegue o professor. “A tendência é estender sua presença no mercado mundial não somente como exportadora, mas principalmente como importadora, porque muitos países vão ver o mercado chinês como uma grande possibilidade de realização. Qualquer policy maker de um país que está sendo afetado pelas tarifas vai olhar para a China com simpatia evidente”. 

Relação da China com o ocidente 

A partir deste episódio, como ficam as relações entre o país asiático e o ocidente? A China é vista com desconfiança por vários países – no entanto, o gesto de Donald Trump de anunciar tarifas e suspendê-las quebra justamente a confiança que muitos países colocam nos Estados Unidos. Outra questão delicada é a de Taiwan, que produz cerca de 90% dos semicondutores mais avançados do mundo, o que é muito importante para a indústria de chips. A cada vez que o exército chinês realiza exercícios militares em local próximo à ilha, o temor de um novo conflito geopolítico aparece no horizonte. A resposta às tarifas pode indicar um endurecimento mais permanente nas relações com o ocidente? 

“Com os Estados Unidos, sim. Não com o ocidente de forma geral. A Europa passa a olhar a China com outros olhos a partir da ameaça norte-americana o projeto europeu. Ursula von der Leyen já mudou o tom em relação à China, que sempre foi agressivo e agora está mais amistoso”, analisa Jabbour. “Em relação a Taiwan, que também é vítima das tarifas de Trump, reforça a ideia de que a ilha deve manter o status quo, que não deve brigar pelo reconhecimento da independência”. 

Impactos no Brasil 

No anúncio de Trump, o Brasil ficou entre o grupo de países que receberam a menor taxa: 10%. Muito embora a tarifa esteja suspensa por 90 dias, pode-se esperar alguns efeitos sobre a economia brasileira. “O Brasil está na periferia do capitalismo, tem uma dependência do dólar muito grande. É importante observar as oscilações que tivemos: o câmbio saiu de R$ 5,60 para acima de R$ 6,00 e retorna a R$ 5,80”, aponta Carla Beni. “Se for estabelecido um patamar novo, mais elevado, vai impactar no repasse dos preços dos produtos importados, uma pressão inflacionária, num país que já tem uma taxa de juros extremamente elevada, fora do propósito, que é de 14,25%”. 

“Há uma instabilidade muito grande, é difícil de prever. Podemos ampliar mercados no comércio internacional, mas é importante manter uma certa serenidade até nas próprias análises para não incorrer em grandes erros”, prossegue a economista. “O que mais preocupa é a falta de confiança e credibilidade, as empresas postergando as finanças, porque o investimento de hoje é o emprego de amanhã. Se as empresas brasileiras começarem a suspender seus orçamentos, seus planejamentos, isso será um cenário pior para nós do que as discussões tarifárias de exportação ou importação”. 

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