Tania Bacelar: “Nosso desafio é valorizar a rica diversidade brasileira”

Em debate realizado nesta quarta-feira (09), economista destacou heranças históricas, potencialidades do Nordeste e necessidade de políticas públicas adaptadas às realidades locais

A Comissão de Desenvolvimento Regional do Cofecon realizou nesta quarta-feira (09) um debate com participação da economista Tania Bacelar. No evento, que foi transmitido pelo canal do Cofecon no YouTube, ela abordou o debate sobre as políticas regionais no Brasil e discutiu a realidade da região Nordeste e as tendências recentes. A transmissão pode ser assistida clicando AQUI ou pelo player abaixo:

Tania dividiu sua fala em três partes: na primeira, contextualizou o desenvolvimento regional brasileiro a partir de heranças e tendências; num segundo momento abordou o desenvolvimento do Nordeste e a necessidade de uma releitura; e no terceiro, algumas tendências mundiais e como elas se inserem nas políticas regionais.

“Primeiro, a grande herança para nós, que estudamos o desenvolvimento regional, é a forte concentração que foi construída em meados do século passado, quando a industrialização se firma e passa a comandar a vida econômica do país”, afirmou Tania. “Esse processo se dá em bases muito concentradas na região Sudeste e em São Paulo, que chega a comandar mais da metade da produção industrial do Brasil, que é um país continental. Esta herança não foi obra só do mercado: o Estado desenvolvimentista brasileiro também foi um agente promotor da concentração, porque várias políticas públicas se concentraram com muita força no Sudeste e, mais recentemente, no Sul”.

Outras heranças apontadas por Tania dizem respeito à concentração das grandes cidades na faixa litorânea do País e aos seis grandes biomas (floresta amazônica, caatinga, pampas, cerrado, pantanal e mata atlântica). O Brasil também teve bases produtivas bastante distintas (o açúcar e o algodão no Nordeste, a mineração em Minas Gerais, o café no Sudeste) que construíram realidades regionais bastante diversas.

Sobre o desenvolvimento da região Nordeste, a economista ressaltou que a região contém 27% da população brasileira, mas apenas 15% do Produto Interno Bruto. “A população nordestina tem dificuldade para se inserir na vida produtiva, o que termina se expressando no alto desemprego e informalidade”, aponta Tania. “O Nordeste vem ganhando peso na economia nacional e os indicadores sociais também têm melhorado nas décadas recentes, mas o melhor exemplo de mudança na realidade social está na ocorrência das secas. Tivemos uma seca recente de oito anos que não gerou manchetes, não precisou de políticas públicas específicas e não gerou drama social”.

A transição do modelo energético é um dos grandes desafios do Século XXI – e este cenário pode colocar o Nordeste numa posição de destaque. “Ele já é um exportador de energias limpas e renováveis e tem um grande potencial neste sentido, mas temos o risco de colocar um foco somente econômico e tornar a região apenas uma exportadora de energia”, pontuou a economista. “Com este excesso de oferta de energia deveríamos fazer o contrário: atuar para atrair atividades produtivas para o Nordeste. A região também vem liderando alguns investimentos estruturantes, e eu gosto de destacar o investimento em educação. Há também estruturas econômicas baseadas em inovação”.

Tania Bacelar também destacou a união dos governadores para formar o Consórcio Nordeste. “Tem esse grande mérito de recuperar a visão regional, até porque ele sucede anos de uma guerra fiscal que estava diluindo a ideia de macrorregião, porque era um estado disputando com outro. Era como se o olhar regional desembarcasse na unidade federativa e não na região”, observa. “Agora o nosso desafio é valorizar a rica diversidade brasileira. Para mim, este deveria ser o novo norte para o debate sobre desenvolvimento regional”.

Outro vetor de desenvolvimento da região é a interiorização (com protagonismo das cidades médias) do ensino superior. “As pessoas tinham que sair dos seus lutares para vir estudar no litoral, porque o sistema de universidades estava muito concentrado ali. Hoje isso não é mais verdade”, argumenta. “O Nordeste não é mais aquele do Século XX, mas continua tendo desafios relevantes. Não pode ser visto como lócus de atraso, tem que ser enxergado pelos seus potenciais e há desafios a enfrentar”.

Por fim, em relação às macrotendências, mencionou quatro elementos centrais: a revolução científico-tecnológica (em especial a passagem para a era digital), a crise ambiental (que requer um novo padrão de relação com a natureza e coloca novo foco nas análises regionais), a crise social (com desemprego, fome e imigração no mundo) e a reorganização geopolítica (a organização vigente após o fim da Segunda Guerra Mundial está se transformando). “A integração sul-americana é hoje um elemento na agenda do Brasil. Nosso país sempre olhou mais para o oceano do que para a sua retaguarda”, comentou. “A China tem muito a ver com isso, porque ela quer entrar no mercado sul-americano pelo lado do Pacífico, não só pelo Atlântico”.

Neste cenário, ela defende a adoção de políticas implícitas (que tenham algum tipo de abordagem regional) e explícitas. “A explícita é mais fácil, porque já temos a experiência da Sudene e as experiências mais recentes de desenvolvimento regionais. Elas são mais acessíveis no debate público”, explica a professora. “As implícitas são políticas setoriais, mas não se pode desprezar a realidade concreta do País, então a mesma política precisa se adequar às realidades locais”.

Ciclo de debates

O debate realizado com a economista Tania Bacelar foi o primeiro a ser realizado pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Local do Cofecon em 2025. Ao longo do ano estão previstas mais atividades, como a realização de novos debates em ambiente virtual e o apoio aos encontros regionais de economistas. Valorizar a diversidade do território nacional e enfrentar os desafios estruturais são passos fundamentais para a construção de um futuro com protagonismo, diversidade e desenvolvimento.

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