Podcast Economistas: Sistemas estatísticos para compreender o mercado de trabalho
No último episódio do Mês da Mulher, a economista Lucia dos Santos Garcia analisa a importância dos sistemas estatísticos, a participação feminina no setor e o momento do mercado de trabalho no Brasil
Está no ar mais um episódio do podcast Economistas! No programa desta semana, o último em homenagem ao Mês da Mulher, a economista Lucia dos Santos Garcia fala sobre o seu trabalho com sistemas estatísticos ligados ao mercado de trabalho. Ela, que é professora da Escola de Ciências do Trabalho e técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aborda a importância da sua área de atuação, a participação feminina no setor e a avaliação que ela faz da realidade atual do mercado de trabalho brasileiro. O podcast pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.
Por meio de sistemas estatísticos, é possível analisar a relação entre a atividade econômica, o uso da força de trabalho e a divisão da renda entre salários e lucros. A economista destaca que estes dados são fundamentais para influenciar decisões que vão desde a definição do gasto público até a própria política monetária.
“O sistema sofistica muito a apropriação que a análise econômica faz dessas informações, que vão estar na discussão da taxa de juros e da política monetária, no centro da definição do gasto governamental, porque ele prevê e busca governabilidade e equilíbrio na nação através de políticas públicas compensatórias e estimuladoras da produção”, menciona Lucia. “Ele está no eixo fundamental da discussão da produtividade e de como se distribui os ganhos de produtividade e do desenvolvimento das forças produtivas nacionais. Diz respeito a como uma nação se coloca nas mudanças geopolíticas e de visão internacional do trabalho e dos esforços produtivos. Podemos discutir, inclusive, quem comanda a produção e quem se apropria do resultado da produção”.
“Esses temas propiciam muito espaço para os economistas, tanto no que diz respeito à estratégia de pesquisa quanto no desenho das pesquisas e, portanto, aquilo que nós queremos saber desses sistemas”, prossegue a economista. “O aporte da economia política é fundamental para aqueles analistas que vão se debruçar sobre os dados”.
Mas como os sistemas estatísticos ajudam a compreender as dinâmicas do mercado de trabalho e as condições de vida da classe trabalhadora? Lucia Garcia explica que uma pesquisa de mercado de trabalho identifica a proporção de pessoas que formam a força de trabalho e o grau de uso que é feito desta força de trabalho.
“Estamos falando de dois indicadores básicos: a taxa de participação e de desemprego, que nos dão uma associação entre trabalho e nível de atividade econômica. As pesquisas de mercado também devem responder quais setores estão atraindo ou expulsando trabalhadores”, conta a pesquisadora. “Isso faz com que entendamos não apenas movimentos oscilatórios conjunturais, mas que lugar um território ou nação tem na divisão geopolítica do trabalho. Assim entendemos, por exemplo, que a desindustrialização brasileira e a reprimarização que nós estamos enfrentando está associada com a baixa salarial e os baixos requisitos cognitivos exigidos dos nossos trabalhadores”.
“Outra questão importante está relacionada à proteção dos trabalhadores. Afinal, as pessoas estão entregando seu tempo e capacidades. Mas qual o sistema institucional que as protege contra as inseguranças da vida? Contra os adoecimentos, acidentes, eventos como a maternidade e o final de seu ciclo na aposentadoria?”, questiona, Lucia. “O sistema que vai empobrecendo e desprotegendo os trabalhadores se denuncia como uma sociedade que não apenas tem desigualdades estruturais, mas que as aprofunda”.
Por falar em desigualdades, a economista explica que as relações de trabalho têm duas grandes possibilidades de leitura. Uma delas foca no emprego, na quantidade de horas trabalhadas, no nível de rendimentos e na massa salarial. A outra é uma leitura que coloca o trabalho no centro de uma visão de desenvolvimento e que aborda questões como desigualdades, relação entre centro e periferia, absorção de riqueza e níveis de pobreza. Dentro desta segunda leitura, a participação feminina é maior.
“Nos sistemas estatísticos mundiais, onde temos uma perspectiva que traz não só o conhecimento econômico mainstream, mas também uma visão mais larga da economia política, as mulheres vão ter lugar”, explica a economista. “O Brasil tem uma experiência grande com mulheres. Na leitura e estruturação dos sistemas estatísticos do IBGE vamos ter mulheres que estão na pesquisa de orçamentos familiares, na PNAD desde a sua origem, entre outras. No Dieese também temos um número volumoso de mulheres que se dedicaram ao desenho das estatísticas”.
Depois de uma recessão no ano de 2020, causada pelas medidas de isolamento social tomadas para combater a pandemia de Covid-19, e de uma recuperação estatística no ano de 2021, o Brasil teve três anos seguidos com um crescimento em volta da marca de 3%, tendo inclusive chegado a 3,4% no último ano. Lucia Garcia aponta que o crescimento que existe hoje é diferente daquele que se verificou entre 2006 e 2010, quando houve um reposicionamento internacional da economia brasileira e uma melhora na distribuição de renda.
“O crescimento que existe no Brasil hoje derruba taxas de desemprego, mas é uma ocupação desqualificada, em que não temos proteção econômica, estabilidade ou valoração de salários e remunerações, e com jornadas exaustivas”, observa. “Temos um quadro em que a riqueza nacional não se traduz em melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Ao que tudo indica, essa grande diferença é um cenário brasileiro e internacional pós-crise de 2008/2009, que acelerou este modelo capitalista, que eu chamo rentista digital. Este quadro faz com que a classe trabalhadora não festeje os resultados econômicos – na verdade, só quem está festejando é o setor exportador e os capitalistas deste segmento, porque eles ganham à custa das baixas remunerações. Então, a quem interessa a redução do custo do trabalho e como foi feito isso? Através das reformas trabalhista e previdenciária”, finaliza.