Podcast Economistas: Justiça climática e finanças sustentáveis
Está no ar mais um episódio do podcast Economistas! Os temas desta semana são justiça climática e finanças sustentáveis, dois assuntos bastante ligados à transição ecológica e ao combate às mudanças climáticas. O podcast pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo
No ano de 1992, por ocasião da Conferência das Nações Unidas conhecida como Eco 92 (ou Rio 92), foi estabelecida a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. O documento teve a adesão de todos os países e tinha como objetivo a estabilização da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera em níveis que evitem uma interferência perigosa do ser humano no sistema climático.
Desde então, o mundo busca construir uma governança global capaz de conter o avanço das emissões de gases causadores de efeito estufa. Foi neste contexto que surgiram as Conferências das Partes (COPs) – como a que se realiza em Belém nos dias 10 a 21 de novembro de 2025.
“O mecanismo de governança desta Convenção é, a cada ano, reunir todos os países que fazem parte para discutir a mudança do clima. As reuniões evoluíram muito desde a primeira delas, em 1995”, comenta Fábio Feldman, ex-deputado federal com participação em COPs. “A reunião de 1995 foi muito interessante. Eles disseram: a Convenção-Quadro é ótima, mas não tem metas nem calendário para cumprimento de metas. Depois, em 1997, surgiu o Protocolo de Kyoto, que não foi um sucesso de público e de crítica”.
Nos últimos anos, o avanço das crises ambientais e a lentidão na redução das emissões de carbono têm impulsionado uma nova frente de ação: a litigância climática estratégica – assunto que, inclusive, foi mencionado pela ministra Marina Silva nesta quinta-feira (13), na COP. Trata-se do uso do sistema de justiça para responsabilizar grandes corporações e estados pelos danos ambientais e sociais decorrentes da crise climática. Cada vez mais, tribunais nacionais e internacionais têm sido acionados para exigir que empresas de combustíveis fósseis, em especial as do setor de petróleo, reconheçam sua contribuição histórica para o aquecimento global e assumam ações concretas de reparação.
“Estamos discutindo o caso das indústrias de petróleo. O principal ativo delas é ter grandes reservas para explorar. E não há dúvida de que a indústria de petróleo, no Brasil e no mundo, vai explorar até a última gota”, pontuou Feldman. “Quando isso ocorrer, eles não terão como responder pelos danos causados pela mudança do clima e sua contribuição. Então existe uma discussão sobre como obrigar as empresas a não apenas diminuir o uso do petróleo, como reservar uma parte dos seus lucros para fazer frente aos danos que elas estão causando”.
Crise causada pela ação humana
O desafio de enfrentar a mudança climática traz a necessidade de uma mudança profunda no modelo de desenvolvimento. A própria base energética que sustentou o progresso e a modernização do mundo se tornou também a principal causa do desequilíbrio climático. O médico e ambientalista Gilberto Natalini, ex-vereador de São Paulo e também participante de COPs, lembra que, ao contrário de outros desafios enfrentados pela humanidade, a mudança do clima é causada pela ação humana.
“Tenho visto vários climatologistas e ambientalistas que respeito muito dizerem que as mudanças climáticas são, talvez, o maior desafio que a humanidade já enfrentou em sua existência – e olha que ela já enfrentou desafios imensos que ameaçaram a sobrevivência humana no planeta”, observa Natalini. “Mas este é produzido fundamentalmente pela ação humana na busca de produção de energia. Demos um salto tecnológico descobrindo o combustível fóssil e ele mesmo, no decorrer do tempo, acabou causando essa situação de aquecimento do planeta e de mudanças climáticas”.
A crise climática afeta de forma diferente os países, e a mesma situação acontece nos planos locais. As catástrofes, como enchentes, deslizamentos, estiagens e ondas de calor, não atingem todas as pessoas da mesma maneira. Os impactos recaem com mais força sobre aqueles que vivem em áreas precárias, sem infraestrutura urbana adequada e sem acesso regular aos serviços públicos. Nessas regiões em que a população já enfrenta desigualdades históricas, cada evento climático extremo expõe as vulnerabilidades sanitárias e econômicas.
É neste contexto que o conceito de justiça climática ganha mais força, reconhecendo que os custos da crise são distribuídos de forma desigual e que cabe às políticas públicas proteger de forma prioritária as parcelas da população que estão mais expostas.
“Vi a ocupação do Jardim Pantanal em São Paulo. Ao contrário do que alguns diziam, aquilo não aconteceu porque as pessoas queriam terra de graça – era um grupo de gente que não tinha onde morar, que estavam sendo expulsos dos aluguéis e foram morar numa região que fica abaixo do leito do rio Tietê, em São Miguel Paulista”, explicou Natalini. “Toda vez que o rio fica bravo, joga água em cima deles. E o que eu observo é que a cada ano a quantidade de água que o rio joga no bairro, que hoje deve ter cerca de 30 mil pessoas, é maior. A vazão dessa água é mais demorada a cada ano e o prejuízo econômico é maior. Junto com o prejuízo material vêm a leptospirose, as viroses, a hepatite A, todo aquele cardápio que envolve as tragédias climáticas”.
“Nas estiagens, onde é que tem rodízio de água em São Paulo? Nos bairros pobres, como Guaianases, Itaquera, Cidade Ademar. Os bairros ricos são os últimos a fechar as torneiras”, critica o ex-vereador. “Quando falamos de justiça climática, temos que entender que as políticas públicas devem proteger os mais expostos, os que têm maior risco”.
Finanças sustentáveis
Dentro do enfrentamento à crise climática, as finanças sustentáveis ocupam uma posição muito importante. O setor financeiro, responsável por direcionar os fluxos de investimentos, é chamado a redefinir critérios de risco e retorno considerando as emergências ambientais. Na teoria, isso significa reduzir a exposição a atividades de alto impacto nas emissões de carbono e ampliar o apoio a empreendimentos de menor impacto.
Na prática, entretanto, o movimento é mais lento do que o esperado, mesmo com os compromissos públicos de descarbonização. Além disso, o sistema financeiro também enfrenta a pressão de garantir que o crédito concedido não alimente práticas ilegais ou degradantes, especialmente em setores sensíveis como o agronegócio e a mineração. Para avançar nesta área, é preciso fortalecer os mecanismos de transparência e os critérios de classificação verde, além de atualizar os modelos de avaliação de risco climático, a fim de que o desempenho ambiental e social das empresas influencie diretamente sua capacidade de acesso ao crédito e o custo dos seus financiamentos.
“A maior discussão sobre o financiamento climático é a diminuição do investimento em óleo e gás – mas a produção de óleo no mundo está crescendo e tem alguém financiando isso”, questiona o economista Ronaldo Serôa da Motta. “Algumas carteiras dizem que vão diminuir sua exposição, mas enquanto houver muita produção de petróleo, vai ser difícil que o setor financeiro desembarque desta atividade”.
“Outra questão diz respeito à concessão de crédito para alguém que não está ambientalmente regularizado. Se o tomador de crédito tem um perfil com várias pendências ambientais, isso vai dificultar sua situação em algumas bancas públicas, pelo menos para essas que têm um protocolo verde”, comenta Motta. “Outro ponto são as empresas de rating: quanto elas estão conseguindo introduzir um vetor ambiental? Como incluir o fator ambiental nos ratings das empresas?”
Precificação de carbono
Um dos instrumentos mais importantes na agenda global de combate às mudanças climáticas é a precificação do carbono, mecanismo que busca atribuir um valor monetário às emissões de gases causadores do efeito estufa. A ideia central é simples: quem polui deve pagar pelo impacto ambiental que causa. No Brasil, este debate avançou significativamente com a lei número quinze mil e quarenta e dois, que criou o sistema brasileiro de comércio de emissões de gases de efeito estufa – um marco regulatório que insere o País no conjunto de nações que reconhecem a poluição como uma externalidade econômica e que deve ser internalizada por meio de instrumentos de mercado, como tributos ou cotas de emissão.
“Ano passado foi promulgada a Lei 15.402, que cria mecanismos de precificação de carbono. A poluição é considerada uma externalidade e é preciso internalizá-la. Algumas atividades industriais, daqui a alguns anos, serão obrigadas a comprar direitos de emissão, que funciona mais ou menos como um tributo”, pontua Motta. “Vai gerar um sobrecusto. Já que a empresa vai ter que pagar pela emissão, ela vai fazer a conta se é melhor comprar o direito de emissão ou deixar de emitir. E será algo mandatório. Vamos ter uma taxonomia, será mais fácil monitorar”.
Financiamento para soluções com base na biodiversidade
A Amazônia, além de ser o centro das discussões sobre clima e biodiversidade, é também um laboratório vivo de inovação e sustentabilidade. Universidades, institutos e comunidades locais têm se unido para criar ecossistemas de pesquisa e empreendedorismo, capazes de transformar os recursos da floresta em novas oportunidades econômicas. Em Belém, projetos de aproveitamento dos resíduos do açaí mostram como a bioeconomia pode gerar renda, reduzir impactos ambientais e fortalecer a economia regional.
“No Pará as pessoas consomem bastante açaí, mas o caroço era jogado nas ruas, sem uma destinação nas pequenas cidades. Conheci projetos que desidratam o açaí para transformar em combustível, fabricar papel, visitei universidades e institutos federais e eles estão criando estas soluções com alunos de mestrado e doutorado”, comenta a professora Tereza Cristina Carvalho. “Isso gera um ecossistema no qual startups são criadas junto às comunidades locais. A população está criando soluções”.
Tereza vê uma situação semelhante na cadeia do cacau, conciliando preservação ambiental e geração de renda a partir da própria biodiversidade amazônica. Ela menciona a importância do financiamento para a construção de uma fábrica de chocolates no estado de Roraima, com recursos de países europeus.
“Existe um projeto chamado Amazônia 4.0, no qual criaram um laboratório que se movimenta pelo estado do Pará. Eles fizeram o ensaio de uma fábrica de chocolate, porque os nativos perceberam que o cacau, que é uma planta nativa da biodiversidade, pode trazer renda para eles e, assim, vão trabalhar contra o desmatamento”, conta a professora. “As cadeias do cacau e do cupuaçu têm muitos produtos intermediários. O chocolate é algo pequeno, há muita coisa que sobra no meio do caminho. Eles já estão fazendo chá da casca de cacau, mel de cacau e vários produtos dentro da economia circular”.
“Uma fábrica da cadeia produtiva do cacau será construída em Roraima com recursos da indústria privada, empresas de países europeus que usarão o Fundo da Amazônia para investir neste tipo de atividade”, prossegue a professora. “Quando se concilia algo que é nativo com a economia circular, o projeto fica forte do ponto de vista do resultado”.
Papel dos bancos públicos nas finanças sustentáveis
Nas finanças sustentáveis, os bancos públicos desempenham um papel muito importante. Eles asseguram o fluxo de crédito em momentos de instabilidade e direcionam investimentos para setores estratégicos na transição para uma economia de baixo carbono. O Brasil construiu, ao longo de sua história, uma arquitetura financeira sólida, com destaque para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que reúne expertise técnica e capacidade de suporte a investimentos de longo prazo. Além disso, os bancos públicos desempenham um papel anticíclico e apoiam projetos de impacto socioambiental positivo, bem como de setores estratégicos que demandam retornos mais longos.
“Nossa experiência na gestão de políticas públicas sempre contou com bancos públicos como parte desse arcabouço de política. É algo nosso”, observa a professora Carmem Feijo. “O BNDES tem uma expertise muito grande acumulada na gestão de projetos e, por terem um compromisso com o longo prazo, desempenham um papel importante para direcionar interesses de financiadores do processo de transformação produtiva com vistas a uma economia de baixo carbono”.
“Os bancos públicos têm um papel anticíclico, isso ficou claro a partir de 2008. Eles podem sustentar o crédito mesmo em momentos quando a preferência pela liquidez é elevada, atuando como um braço de política econômica para sustentar a atividade num momento de choque”, aponta Feijo. “Eles têm essa função de olhar para o longo prazo, sustentar as atividades com horizonte mais longo de retorno, que é algo que não é próprio da iniciativa privada, principalmente na nossa economia, que é muito financeirizada, com retornos altíssimos de curto prazo”.
Os participantes
Fábio Feldmann é administrador de empresas graduado pela Fundação Getúlio Vargas e advogado graduado pela Universidade de São Paulo. Foi deputado federal por três mandatos e também atuou como secretário estadual de Meio Ambiente em São Paulo. Entre 1997 e 2002 foi membro oficial da delegação brasileira nas Conferências das Partes – entre elas, a de 1997, que deu origem ao Protocolo de Kyoto. Participou de diversas organizações da sociedade civil e foi fundador das organizações SOS Mata Atlântica, Instituto GEA – Ética e Meio Ambiente e Fundação Onda Azul. Também foi consultor especial sobre mudanças climáticas do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Gilberto Natalini é médico graduado pela Escola Paulista de Medicina. Foi secretário municipal de Saúde em Diadema (SP) e São Lourenço da Serra (SP) e presidiu o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde. Foi eleito vereador de São Paulo por cinco mandatos e atuou em 2017 como secretário do Verde e do Meio Ambiente. Participou da COP15, em Copenhague, e da COP21, na qual foi assinado o Acordo de Paris.
Tereza Cristina Carvalho é professora associada da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP) e professora visitante na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne. É fundadora e coordenadora geral do Laboratório de Sustentabilidade (LASSU) e do Centro de Descarte e Reuso de Resíduos de Informática (CEDIR-USP). Recebeu diversos prêmios na área de tecnologia e sustentabilidade. Coordena diversos projetos de pesquisa e desenvolvimento nas áreas de computação verde, eficiência energética em tecnologia da informação, economia circular aplicada em resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, entre outros.
Ronaldo Serôa da Motta é doutor em Economia pela University College London e professor titular de Economia do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi coordenador de Estudos de Regulação e de Meio Ambiente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e diretor da Agência Nacional de Aviação Civil para as áreas de Pesquisa e Relações Internacionais. Foi também diretor de Políticas Ambientais do Ministério do Meio Ambiente.
Carmem Feijo é graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre pela mesma instituição e doutora em Economia pela University College London. Foi secretária executiva da Associação nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec) e coordenadora-adjunta da área de Economia da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). É professora da Universidade Federal Fluminense e foi pesquisadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Diálogos Econômicos à Luz da COP30
A Comissão Sustentabilidade Econômica e Ambiental do Cofecon realizou a série de seminários Diálogos Econômicos à Luz da COP30, debatendo diversos temas relacionados ao meio ambiente. Fábio Feldman e Gilberto Natalini participaram no dia 25 de junho de um debate sobre justiça climática. Ronaldo Serôa da Motta, Tereza Cristina Carvalho e Carmem Feijo discutiram finanças sustentáveis no dia 24 de setembro. Os debates podem ser assistidos na íntegra no canal do Cofecon no Youtube ou nos players abaixo:
