Economia circular, bioeconomia e mineração: como crescer sem destruir?
Às vésperas da COP30, Podcast Economistas debate a importância destas áreas para um novo modelo de desenvolvimento que proporcione uma transição justa
Está no ar mais um episódio do podcast Economistas! O tema desta semana é economia circular, bioeconomia e mineração dentro de um cenário de sustentabilidade e o assunto é discutido pelo líder indígena Anastácio Peralta; pelos economistas Lucas Lima e Ricardo Ruiz; e pelo engenheiro químico Renato Ciminelli. O podcast pode ser ouvido no seu agregador favorito ou no player abaixo.
Falar de economia circular é repensar os fluxos de produção e de consumo, buscando reduzir desperdícios e reaproveitar recursos. A bioeconomia, por sua vez, propõe um modelo baseado na valorização da biodiversidade e dos saberes que dela surgem. Já a transição energética tem tido na mineração um dos seus pilares para produzir equipamentos que permitam produzir energia de forma limpa, mas a atividade também tem sido relacionada à degradação ambiental. Conciliar a extração de recursos naturais com a regeneração dos ecossistemas e a justiça social nos territórios mineradores é um dos dilemas mais complexos da atualidade.
Bioeconomia
A bioeconomia parte do reconhecimento de que a biodiversidade e os saberes associados a ela são ativos estratégicos para a inovação e a justiça ambiental. Entre estes saberes estão os conhecimentos tradicionais acumulados ao longo de séculos pelos povos indígenas, comunidades ribeirinhas, extrativistas e agricultores familiares. Estes saberes são parte do patrimônio imaterial do Brasil e dialogam com a ciência moderna, gerando inovação e sustentabilidade.
“Nós, indígenas, principalmente os kaiowás, temos o pensamento de preservar a natureza porque nós somos a natureza. Temos amor à natureza, principalmente à terra, que é nossa mãe. Ela nos amamenta, nos dá vida, é um ser divino e cuida de nós”, expressa o líder indígena guarani kaiowá Anastácio Peralta. “Com a chegada da colonização, aconteceu o contrário: ela passou a servir apenas para ser destruída e dar lucro. A colonização destrói tudo para caber no bolso deles – é um pensamento diferente de nós, guaranis, kaiowás e outros povos do Brasil”.
Para o kaiowá, cuidar da terra é preservar a própria vida. “A vida sustentável não é apenas comer, temos que estar num ambiente importante, ter terra, água, mata e clima bom para plantar e colher. Isso não está existindo mais para nós, principalmente aqui no Mato Grosso do Sul”, lamentou o líder indígena. “No outro ano fez 46 graus de calor. Nós, kaiowás, falamos que a terra está com febre. Ela estando doente, nós ficamos doentes, porque quem cuida de nós é a mãe terra. Com sintomas de febre, ela não vai produzir nada. Nós nos alimentamos e vivemos de sementes, e a semente que foi plantada com 46 graus cozinhou debaixo da terra e não nasceu”.
Peralta faz um contraponto à ideia do progresso medido pela acumulação material. Dentro da cultura dos povos originários, a prosperidade se encontra na harmonia entre os seres e no cuidado com a terra. Sob este ponto de vista, o mundo natural não é um estoque de recursos, mas uma extensão viva do corpo humano. O contraste entre esta cultura e a lógica do lucro e da exploração se torna uma crítica ao uso predatório dos recursos naturais.
“A ciência que vem de fora não pensa no futuro, mas em dinheiro. Ganhar dinheiro vendendo veneno e arma é morte. Futuro é quando a gente se entende com a natureza, cuida do espaço, constrói um espaço de descanso, felicidade, amor e família. E a natureza é uma família. A água que corre em cima da terra é a mesma que há no nosso corpo. A pedra que há em cima da terra, no conceito kaiowá guarani, são os ossos da terra”, explica Peralta. “Agora vamos ter a COP30 no Brasil e estamos sendo muito procurados. Mas queremos colaborar para que a sociedade do mundo pense em valorizar a natureza e amá-la como a si próprio. O mundo não acaba se nós cuidarmos dele”.
Economia circular
Outro conceito que vem ganhando força nos últimos anos é o de economia circular, que propõe um contraponto ao que vem sendo chamado de modelo linear. Este modelo linear funciona dentro de uma lógica baseada em extrair, produzir, consumir e descartar – o que, além de gerar uma grande quantidade de resíduos, também compromete o futuro e a capacidade do planeta de produzir alimentos e outros recursos. A economia circular considera que a natureza é mais do que uma mera fornecedora de insumos e busca reintroduzir os resíduos no ciclo produtivo, reduzindo perdas e promovendo o reaproveitamento de materiais e de energia. É uma lógica que alia eficiência econômica e responsabilidade ambiental.
“Nosso processo de extração, produção, consumo e descarte é linear. Depois do descarte, voltamos ao início, extraindo mais, produzindo mais, consumindo mais e descartando mais”, argumentou o economista Lucas Lima. “Aqui entra o conceito da economia circular. Temos um processo entrópico que gera males e precisamos transformá-lo em uma economia subordinada às leis biofísicas do planeta. Qual é o limite da produção de soja? Podemos produzir de forma intensiva, sem dar descanso para o solo? O que é que faremos com o empobrecimento do solo?”, questiona.
Lucas Lima também comentou que a economia ecológica defende três etapas de ação. A primeira delas é pensar nos limites planetários. A segunda diz respeito à justiça ambiental e acesso aos recursos e a terceira é o desenho de instrumentos econômicos e ecológicos para solucionar o problema. “Os ecólogos e biólogos nos ajudam a tentar definir qual é o limite do nosso ímpeto de crescimento. Apresentaram indicadores como as nove fronteiras planetárias (Johan Rockström), temos outros modelos de pegada ecológica e podemos mensurar quanto nós, indivíduos, temos impactado o meio ambiente”, comenta o economista.
“As pessoas precisam ter acesso aos recursos como água e alimentos saudáveis, precisam ter condições básicas de sobrevivência. Se isso não chega a boa parte da população, temos que refazer o modelo”, aponta Lima. “A justiça ambiental entra neste modelo, nessa ideia de trazer recursos a quem necessita. E de outro lado, o papel das COPs, das agências internacionais, dos grandes fóruns, é pensar na justiça climática em termos de responsabilidade de ação e mudança”.
“Por último, precisamos desenhar instrumentos econômico-ecológicos para resolver. Aqui entram as propostas de bioeconomia, que é a geração de renda para produtos da sociobiodiversidade”, comenta o economista. “Podemos transformar um produto da sociobiodiversidade brasileira em algo que tenha mercado externo, internacional, pensando primeiro na escala e depois na distribuição justa. Não podemos criar uma cadeia produtiva sem pensar em como este retorno chegará às comunidades envolvidas”.
Desafios para regular e fiscalizar a mineração
A atividade de mineração tem um papel estratégico na economia brasileira, mas também carrega um histórico marcado por conflitos territoriais, degradação ambiental e tragédias humanas evitáveis – como as ocorridas em Mariana, no ano de 2015, e Brumadinho, em janeiro de 2019. Estes desastres trouxeram a discussão sobre a responsabilidade socioambiental e os mecanismos de reparação. Além disso, é necessário encontrar alternativas econômicas sustentáveis para os territórios minerados.
A mineração pode ser dividida, basicamente, em dois tipos de atividade. Existe a chamada grande mineração, que possui plantas industriais bastante mecanizadas, integradas a sistemas de transporte e que ocupam um trecho grande e localizado de território. É o caso, por exemplo, da mineração de ferro, que é feita por grandes empresas que respondem à demanda internacional e dispõem de capacidade técnica e de uma quantidade de engenheiros. Já a pequena mineração, que se refere a produtos como cascalho, areia, brita, granito e pedras de construção, emprega mais trabalhadores, tem menor complexidade técnica e, em sua grande parte, não é exportadora. Além disso, ela está mais dispersa no território brasileiro.
“A grande mineração produz catástrofes e destruições e elas são visíveis. A pequena faz o mesmo, mas ela é difusa. A pequena mineração de ouro, por exemplo, é muito criticada por questões óbvias de danos à saúde – mas ela produz danos nos rios que são gigantescos. E muitas vezes esta mineração está intencionalmente escondida”, aponta o economista Ricardo Ruiz. “Temos estes dois mundos, eles não têm muita conexão um com o outro porque são produtos diferentes”.
Ruiz explica um pouco sobre esta diferença dando um exemplo de uma mina de ferro. “São algumas dezenas de bilhões de reais em investimento para iniciar uma mina do zero e ela está muito articulada a um sistema urbano, produtivo e de vida local”, explica. “Na pequena mineração não se observa isso, então é preciso tratar as duas com alguma distinção, particularmente no que se refere à questão ambiental”.
Pelo fato de a grande mineração ser concentrada, ela pode ser bastante monitorada. Além da observação por satélite, existem sensores que podem monitorar fatores que vão desde a qualidade do ar até a vibração no solo e a quantidade de poeira. Além disso, por ser mais localizada, ela é mais facilmente alcançável pela fiscalização in loco. Por dispor de recursos financeiros, humanos e tecnológicos, ela pode responder positivamente a uma regulação que determine a redução dos impactos ambientais, como aconteceu depois da ruptura da barragem de mariana, que completou 10 anos no dia 5 de novembro de 2025.
“A barragem a montante foi proibida em Minas Gerais logo após a ruptura da Samarco (em 2015). Aquela técnica de estocar rejeitos era a tecnologia mais barata e eficiente em termos econômicas, o custo era baixo”, explicou. “O que aconteceu imediatamente após? As empresas notaram que esta tecnologia estava condenada imediatamente e começaram a desenvolver, identificar e utilizar técnicas de mineração a seco. Em 2018 as grandes empresas já estavam mudando sua base tecnológica por causa de uma regulação que já estava mais ou menos anunciada e que, de fato, ocorreu nos anos seguintes”.
A pequena mineração é mais difícil de fiscalizar. Ela esbarra em fatores que abrangem a dispersão geográfica, a informalidade e a falta de estrutura em órgãos de fiscalização, entre outros. “No caso do mercúrio para eventualmente extrair ouro, como é que você proíbe o uso deste tipo de insumo? Como vai observar? Onde estarão os fiscais? A pequena mineração ocorre numa escala municipal, num território muito pequeno, produzindo efeitos ambientais localizados que, de algum modo, vão se acumulando no tempo”, observa Ruiz. “Há uma dificuldade maior de desenhar políticas e regulação, até porque a pequena mineração não tem a capacidade tecnológica da grande mineração para desenvolver técnicas produtivas menos danosas ao ambiente”.
Um novo pacto socioambiental para a mineração
A construção de um novo pacto socioambiental para a mineração não depende apenas de novas leis ou acordos institucionais. Ela requer um processo profundo de diálogo e articulação entre os diversos atores que vivem e atuam nos territórios – entre eles, empresas, governos locais, comunidades e lideranças sociais. A transição para uma mineração mais sustentável e com compromisso ecológico passa pela qualificação desses atores e pela criação de espaços de governança que permitam decisões compartilhadas.
O engenheiro químico Renato Ciminelli aponta que as lideranças sociais e as comunidades diretamente afetadas pela mineração ainda têm uma participação muito reativa e não propositiva nestas questões, e que a falta de capacitação técnica e de poder de decisão faz com que elas acabem ficando à margem dos processos de governança.
“As lideranças territoriais diversas são reativas a um novo pacto que vem sendo proposto. As comunidades vizinhas, como elas estão posicionadas em relação a este assunto que tanto afeta elas em termos de segurança ambiental, segurança no fornecimento de água e de outros insumos?”, questionou Ciminelli. “A mineração gera demanda de empregos, mas também interfere nos empregos locais. Como ficam os governos municipais, como eles se posicionam? Eles estão alinhados ou conflitando com os interesses das comunidades principais?”.
A necessidade de encerrar uma operação mineral, seja pelo esgotamento das minas ou pelo risco ambiental que oferecem, vai muito além de desativar os equipamentos e restaurar a paisagem. Ela também significa repensar o destino de comunidades inteiras que dependiam da mineração como principal fonte de emprego e renda. A reconstrução dessas economias locais exige planejamento e investimento em pessoas para que elas possam empreender e diversificar as atividades produtivas.
Rento Ciminelli destaca que esta transição só será justa se oferecer novas oportunidades de trabalho e autonomia econômica para as populações afetadas e que a qualificação é um instrumento central para garantir que um território minerador possa se reinventar e construir um futuro sustentável e inclusivo.
“Quando olhamos o desenvolvimento de novas economias pós-mineração, a educação profissional e para novos negócios é essencial para dar alternativas. Temos qualificar essas populações que vão receber um território que não tem mais mineração”, comentou Ciminelli. “É o caso de Brumadinho, ela está sendo substituída por atividades diversas, que têm um porte muito menor”.
Os participantes
Anastácio Peralta Ava Kwarahy Rendyju, liderança indígena no Mato Grosso do Sul, é de origem guarani da etnia kaiowá, nasceu na aldeia de Te’ýikue, no município de Caarapó, Mato Grosso do Sul. Sua trajetória é marcada pela liderança na Terra Indígena Panambizinho, no município de Dourados/MS.
Lucas Ferreira Lima, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia, com mestrado e doutorado em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É pesquisador colaborador no Instituto de Economia da Unicamp e está associado a dois projetos financiados pela FAPESP, além de integrar a diretoria executiva da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO).
Ricardo Machado Ruiz é professor da Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) e do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR), ambos na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Economista graduado pela Unicamp, mestre pela mesma instituição e PhD em Economia pela The New School for Social Research. É pesquisador colaborador do China Institute for Service Trade da Beijing International Studies University e membro colaborador da Comissão de Direito da Concorrência da OAB/MG. Foi conselheiro do CADE e vice-presidente e diretor de Desenvolvimento de Negócios na Invest Minas.
Renato Ciminelli é engenheiro químico, com mestrado pela Pennsylvania State University e MBA executivo pela USP. É diretor da Consultoria Mercado Mineral, membro da Rede de Desenvolvimento de Soluções Sustentáveis (SDSN) e do Conselho de Engenheiros para a Transição Energética (CEET), ambos da ONU, e coordenador da rede colaborativa Made in Brasil Integrado (MiBi), grupo de trabalho mineral articulado com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Diálogos Econômicos à Luz da COP30
Anastácio Peralta, Lucas Lima, Ricardo Ruiz e Renato Ciminelli participaram de dois debates promovidos pelo Cofecon no mês de julho, na série Diálogos Econômicos à Luz da COP30. Anastácio Peralta e Lucas Lima falaram sobre economia circular e bioeconomia, enquanto Ricardo Ruiz e Renato Ciminelli. Os debates podem ser assistidos nos players abaixo.
https://www.youtube.com/watch?v=5ZYUbFul4M0
