Mulheres Guerreiras da Floresta: Empoderamento Feminino e a Conservação da Floresta Amazônica em Pé
Michele Lins Aracaty e Silva
Assim como ocorre no restante do Brasil, a Amazônia Legal protagoniza um cenário de sub-representação feminina quando se trata da equidade da distribuição de rendimentos financeiros e de evasão escolar, sendo este o reflexo de um cenário da desigualdade de gênero, desemprego e informalidade.
As dificuldades são agravadas pelas peculiaridades logísticas e infraestruturais. Dada a conjuntura regional, surge o seguinte questionamento: qual o peso da desigualdade de gênero no contexto amazônico e como esta realidade impacta no desenvolvimento sustentável regional?
Neste cenário, cabe às mulheres guerreiras da floresta a função de lideranças em suas comunidades, fomentando a luta pelo desenvolvimento ambiental sustentável e pela conservação da floresta em pé. Também são responsáveis pela preservação dos recursos e dos saberes tradicionais, além de cuidar dos filhos e dos anciãos, fazendo a ponte entre os conhecimentos ancestrais e as gerações futuras, o que garante a sustentabilidade, a cultura e a tradição do seu povo.
Tal cenário demonstra uma elevada fragilidade e instabilidade do mercado de trabalho para as mulheres desta região em relação às demais regiões brasileiras e reflete a necessidade de uma política pública direcionada para o capital humano feminino.
Cenário amazônico: escolaridade x gênero
Para Cruz e Portella (2021), é inegável que o fator escolaridade tem um peso relevante na realidade regional e constitui o pilar para o desenvolvimento regional. Na região amazônica, adolescentes do sexo feminino são as que mais abandonam os estudos e a atividade laboral. Entre os fatores que contribuem para esta realidade, temos a gravidez precoce e a necessidade de cuidarem de familiares idosos ou acamados.
Ainda para os autores (2021), dentre as causas das taxas elevadas de evasão escolar do ensino médio (ainda mais grave nas zonas rurais) na Amazônia Legal, estão: altos índices de reprovação, dificuldades de acesso às instituições de ensino, ausência de professores, peculiaridades amazônicas (cheia e vazante) e falta ou insuficiência de infraestrutura e logística de transporte para a ida às intuições de ensino.
A interrupção dos estudos e o afastamento do mercado de trabalho dificultam a acumulação de capital e retardam o processo evolutivo das mulheres amazônidas em suas carreiras profissionais. Como consequência, a região dispõe de um elevado processo de desmotivação educacional, que contribui para a discriminação e para o preconceito feminino.
O fator escolaridade afeta de forma determinante a probabilidade de acesso das mulheres às oportunidades de emprego, o valor da remuneração e a participação no mercado de trabalho. A evasão escolar eleva o quantitativo de trabalhadores e trabalhadoras que nem estudam e nem trabalham (os “nem-nem”), agravando a realidade econômica individual e coletiva.
Em relação à Amazônia Legal, como podemos observar nos Gráficos 1 e 2, 56,8% das mulheres entre 25 e 54 anos de idade tinham pelo menos o ensino médio completo, quase 12 pontos percentuais a mais do que os homens (44,9%). Esse diferencial é ainda maior entre as pessoas que estavam ocupadas, chegando a vinte pontos percentuais: 67,3% das mulheres ocupadas tinham ensino médio completo ou mais, enquanto apenas 47,5% dos homens ocupados estavam nessa faixa de escolaridade. Entre os ocupados, 26,1% das mulheres tinham ensino superior completo, comparado com apenas 12,8% dos homens.
As diferenças de composição por faixa de escolaridade entre os indivíduos da população economicamente ativa (PEA) em relação à população (25-54 anos) mostram claramente como as mulheres mais educadas têm uma maior probabilidade de inserção no mercado de trabalho.
Gráficos 1 e 2: Distribuição por Faixa de Escolaridade (%) mulheres e Homens – Amazônia Legal
| 25 a 54 anos | 25 a 54 anos – ocupados |
Fonte: PNAD-Contínua Trimestral do IBGE, (2022)
Inserção por setores econômicos
Não somente no contexto da Amazônia Legal, mas em todo o território nacional cabe ao setor de serviços a maior responsabilidade na geração de emprego e renda bem como os maiores volumes de oferta de postos de trabalho.
Na Amazônia Legal, 61,7% das mulheres estão inseridas no Setor de Serviços (32,7% dos homens), seguido por 22,5% no Setor de Comércio (20,8% dos homens), 8,4% na indústria (13% dos homens), 7,1% na agropecuária (22% dos homens) e 0,2% na construção (11,3% dos homens), conforme podemos observar nos Gráficos 3 e 4.
Gráficos 3 e 4: Distribuição das pessoas ocupadas entre os setores econômicos (%)
Fonte: PNAD-Contínua Trimestral do IBGE, (2022)
Interpretando os indicadores do mercado de trabalho
Se levarmos em consideração as taxas de ocupação, desemprego, participação e informalidade que constituem variáveis relevantes do mercado de trabalho, podemos observar que a desigualdade de gênero na Amazônia Legal é preocupante visto que as mulheres ocupam apenas 42,4% do mercado enquanto os homens detêm 65,4% e o desemprego corresponde a 13,4% para elas e de apenas 7,8% para eles. Ademais, temos a taxa de informalidade que apresenta paridade entre os gêneros com 56,8% para mulheres e de 59,9% para homens, valores acima da média nacional.
Uma peculiaridade no contexto amazônico é o percentual de mulheres no serviço público (que inclui militares) bem acima da média nacional. Também chamamos a atenção para o elevado percentual de trabalhadoras sem carteira assinada na região (36,2%), acima da média nacional (22,4%).
Mulheres ativistas e defensoras da floresta em pé
Para Costa (2023), no contexto amazônico as mulheres são a maioria e desempenham função de liderança em suas comunidades, cabendo a elas a busca por soluções para a conservação das florestas, assumindo a função de ativistas e defensoras (“onde tem mulher, tem floresta em pé”).
Ainda para a autora, cabe às amazônidas a responsabilidade pela preservação das sementes, o cuidado com os animais, com a roça, com a água e com a variedade de espécies alimentícias e medicinais cultivadas por elas em quintais ou roçados.
Ademais, é função delas também o cuidado com os anciãos e com os filhos o que possibilita compartilhar conhecimentos entre gerações o que garante a sustentabilidade da comunidade (2023).
Para Monteiro (2023), as mulheres têm um cuidado especial com a natureza, o que garante a conservação da floresta, o bem-estar e a própria existência da comunidade. Tais fatores impulsionam a luta feminina pelo desenvolvimento ambiental e sustentável relevantes para a região Amazônica.
Resultado e Discussão
Iniciamos esta discussão com base na seguinte indagação: qual o peso da desigualdade de gênero no contexto amazônico e como esta realidade impacta no desenvolvimento sustentável regional?
Na Amazônia, as mulheres representam a maioria da população, são mais escolarizadas, enfrentam uma remuneração desigual, ocupam menos vagas no mercado de trabalho (42,4%), convivem com o desemprego (13,4%) e trabalham sem carteira assinada (36,2%).
No cenário educacional, dada a precariedade logística, infraestrutural e as peculiaridades regionais, são elas quem mais abandona a escola, seja para se dedicar aos cuidados de familiares anciãos ou acamados, seja para gestar seus filhos em uma gravidez precoce (realidade regional).
Assim como ocorre em todas as regiões brasileiras, a força de trabalho feminina regional encontra-se inserida no setor de serviços, mas o destaque regional é o elevado número de mulheres no serviço público e na carreira militar, onde a discriminação no acesso é menor e elas levam vantagem em relação aos homens pelo fato de serem mais escolarizadas que eles.
Como foi possível observar, dos quatro indicadores do mercado de trabalho ora analisados, três escancaram a desigualdade de gênero no contexto amazônico. Tal cenário, demonstra uma elevada fragilidade e instabilidade do mercado de trabalho feminino e refletem a necessidade de uma política pública direcionada a elas.
Por fim, no contexto amazônico as mulheres são lideranças em suas comunidades e são responsáveis por buscar soluções para a conservação da floresta em pé, uma vez que desempenham o papel de ativistas e o equilíbrio no ambiente regional é imprescindível para o bem-estar da sua comunidade.
