Podcast Economistas: Desafios do financiamento climático 

Beatriz Macchione Saes explica conceitos de dívida ecológica e justiça climática e fala sobre os desafios do financiamento, tema que fará parte dos debates da COP30

Está no ar mais um episódio do podcast Economistas! Nesta semana, a economista Beatriz Macchione Saes fala sobre o financiamento climático, um dos temas que serão discutidos na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em Belém nos dias 10 a 21 de novembro. O podcast pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo. 

Nas décadas de 1980 e 1990 surgiu o conceito de dívida ecológica. Era um momento no qual a crise da dívida externa impôs aos países da América Latina uma agenda de austeridade e exportação forçada de recursos naturais para gerar divisas e honrar compromissos financeiros em dólares. Este processo aprofundou a desigualdade estrutural entre países do norte e do sul global e reforçou um padrão histórico de expropriação de matérias-primas. Ao mesmo tempo, era um momento no qual o debate ecológico ganhava mais força, sobretudo com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco92, que aconteceu no Rio de Janeiro. 

Neste contexto, surgiram críticas de movimentos sociais e comunidades tradicionais na América Latina e África questionando o sentido desta lógica de endividamento e dependência e argumentando que os países industrializados acumulavam uma imensa dívida com o resto do planeta. A exploração colonial e pós-colonial extraiu riquezas e degradou ecossistemas, impondo custos ambientais que nunca foram contabilizados.  

“A ideia da dívida ecológica, formulada por estas organizações populares, é que durante muitos séculos os países do norte global se apropriaram dos nossos recursos naturais, energia e trabalho, não só em períodos coloniais, mas até hoje”, afirma a economista e professora Beatriz Macchione Saes. “Nas décadas de 1980 e 1990 tínhamos esses fluxos desiguais de comércio, uma expropriação dos recursos naturais do sul global e uma poluição que também é desigual”. 

“Não custa lembrar que na década de 1980 vivíamos na América Latina a crise da dívida externa. Estes movimentos sociais estavam falando num contexto em que uma série de países tentava promover ajustes externos, exportar para conseguir pagar suas dívidas em dólares”, comenta a economista. “Esses movimentos falavam: não faz sentido sacrificar inclusive nossos modos de vida para explorar minérios e pagar uma suposta dívida em dólares que a gente nem entende bem. O que é mais concreto para nós é a dívida ecológica, essa expropriação da natureza, que comprometeu nosso modo de vida e nossa sobrevivência, acabou com a nossa água e destruiu nossos ecossistemas. Não somos devedores, somos credores, eles diziam”.  

Responsabilidade comum, porém diferenciada 

A ideia de uma dívida ecológica foi parcialmente incorporada na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Desde a Revolução Industrial, a participação dos países nas emissões de gases causadores do efeito estufa tem sido muito desigual. A Convenção reconhece que os países compartilham a responsabilidade de enfrentar a crise climática, mas que cada um contribuiu de forma diferente para o quadro de aquecimento global. O Protocolo de Kyoto, tratado internacional firmado em 1997, foi orientado por este princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada. 

“Como ele fazia isso? Estabelecendo metas obrigatórias de redução de emissões para os países industrializados. Havia também aqueles mecanismos criados pelo protocolo, como o mercado de carbono, que permitiam que os países que não conseguissem reduzir suas emissões pudessem compensar, de certa forma, em países em desenvolvimento, usando as reduções de fora”, explica Saes. 

Em 2015 o Protocolo de Kyoto foi substituído pelo Acordo de Paris. Na Conferência das Nações Unidas daquele ano foi estabelecida a meta de manter a temperatura do planeta dentro de um intervalo máximo de dois graus acima dos níveis pré-industriais, mas preferencialmente abaixo de um grau e meio. No cumprimento do acordo, os países apresentam suas contribuições nacionalmente determinadas, mas a maioria deles está atrasada em relação ao próprio cronograma. 

Financiamento climático 

Atualmente o financiamento do combate à mudança do clima é um dos principais pontos de tenção entre os países do norte e do sul global. O compromisso de mobilizar 100 bilhões de dólares anuais para apoiar as economias em desenvolvimento no combate à mudança do clima não foi plenamente cumprido. Além disso, há divergências quanto à origem dos recursos, critérios de distribuição e proporção entre financiamento público e privado, o que torna o avanço das negociações mais lento e complexo. 

“A COP de 2009 ocorreu em Copenhague e este foi o primeiro ano com uma meta de financiamento climático. Os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar 100 bilhões de dólares anuais até 2020. Era um número muito baixo e, além disso, não foi cumprido”, relata a economista. “Na COP29, em Baku, falou-se que precisaríamos de 1,3 trilhões de dólares por ano para termos uma transição climática justa. Mas ficamos muito longe deste valor, com uma série de objeções dos países do norte global, argumentando que o contexto da Convenção era outro e que países em desenvolvimento, como a China, se desenvolveram e que todos os acordos deveriam mudar. Chegou-se a um valor de 300 bilhões, muito abaixo do número imaginado”. 

Dentro do financiamento climático, existem basicamente três modalidades. “Primeiro, mitigação, modalidade voltada a reduzir emissões, investir em energias renováveis e promover a transição. Mais de 70% do financiamento climático é feito nesta modalidade”, comenta a professora. “Mas esta é a categoria de financiamento que tem maior possibilidade de lucratividade, via investimento em energias renováveis”. 

A segunda modalidade é adaptação. “É uma área que envolve poucas possibilidades de rentabilidade. São recursos para preparar os territórios para mudanças climáticas que já estão em cursos, como adaptar cidades e tudo o que temos ouvido falar após a catástrofe ocorrida no Rio Grande do Sul”, prossegue Beatriz. “A terceira é a agenda de perdas e danos, lugares que possuem impactos irreversíveis e não há como adaptar. Envolve, por exemplo, perda de territórios e culturas que exigem reparações. Um caso importante são os territórios insulares que estão sofrendo com o aumento do nível do mar. Esta é a categoria que mais se aproxima do conceito de dívida ecológica, mas é a que menos recebe recursos e atenção”. 

Um dos compromissos do Brasil durante a COP30 é o de apresentar um relatório que mostre como é possível chegar neste montante. Mas dentro deste volume de recursos para combater a mudança do clima há uma predominância de empréstimos, o que reproduz o problema da dívida externa dos países e não se enquadraria dentro do conceito de justiça climática. Outra questão é que um volume grande de recursos acaba direcionado para setores mais rentáveis.  

“Quando falamos de justiça climática, falamos também de problemas econômicos estruturais dos países que alimentaram essa dívida ecológica crescente”, observa Saes. “Para abordar um caso mais concreto, que é a redução do gás carbônico, os países têm metas para que até 2040 ou 2050 consigam compensar as emissões que são realizadas. E aquilo que resta do orçamento global do carbono ainda está sendo apropriado majoritariamente pelos países do norte global”. 

Transição reproduz estruturas antigas 

Ao discutir os caminhos da transição energética, é inevitável observar que o debate sobre sustentabilidade global carrega contradições profundas, especialmente quando visto a partir do sul global. Embora o discurso internacional enfatize a descarbonização e a inovação tecnológica, os países latino-americanos têm enfrentado um dilema recorrente: o de participar desta transição a partir de uma posição subordinada nas cadeias internacionais de suprimentos. 

“Temos falado sobre o risco de um neoextrativismo verde. O centro da transição energética estava ocorrendo na Europa e Estados Unidos, agora há tecnologias sendo desenvolvidas na China. Nosso papel ainda é muito parecido com o que os movimentos sociais criticaram nas décadas de 1980 e 1990”, explica a professora. “Fornecemos recursos naturais para esta transição, expandimos nossas fronteiras de mineração, exploração de lítio e cobre, cedemos vastas áreas para a produção de bioenergia, créditos de carbono e hidrogênio verde. Temos um papel nesta transição que ainda reproduz as estruturas antigas”. 

Beatriz Macchione Saes 

Beatriz Macchione Saes é professora do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Economia e Desenvolvimento da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É graduada em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo (USP) e tem mestrado e doutorado em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É Presidente da Sociedade Brasileira da Economia Ecológica (Ecoeco).  

Beatriz também é autora do livro “Comércio ecologicamente desigual no século XXI. Evidências a partir da inserção brasileira no mercado internacional de minério de ferro”, premiado em 2019 com o primeiro lugar no Prêmio Brasil de Economia.   

Ela participou do primeiro webinário da série “Diálogos Econômicos à Luz da COP30”, promovida pela Comissão Sustentabilidade Econômica e Ambiental do Cofecon. O vídeo pode ser assistido na íntegra clicando AQUI

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