Paradoxos do tarifaço de Trump
Não é de se estranhar o fato de que muitas das decisões de políticas econômicas de países, especialmente os mais ricos, não encontrem respaldo por parte das suas grandes empresas
Artigo de opinião de autoria do conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda, originalmente publicado no jornal Correio Braziliense
O tarifaço anunciado por Donald Trump traz impactos significativos para a economia mundial, incluindo os próprios EUA. As cadeias internacionais de suprimento estão sendo significativamente afetadas. Desde as duas décadas finais do século passado, as empresas transnacionais disseminaram sua localização de produção, no rastro da globalização econômica, com dois objetivos claros: o primeiro foi o de barateamento de custos de produção e logística; o segundo, atuar em países cujas legislações ambientais pareciam mais brandas, até mesmo na suposição utópica de que seria possível “terceirizar” os efeitos do aquecimento global e suas consequências.
Desde então, os fluxos de comércio internacional ganharam dimensões inéditas, em termos absolutos e relativos. Atrelados aos investimentos externos turbinados pela abundância de recursos financeiros, cresceram as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, assim como as trocas comerciais internacionais, sendo, grande parte delas, oriundas de opções intrafirmas, entre matrizes e filiais de uma mesma empresa e entre as próprias filiais, impulsionando o papel da logística e distribuição de produtos.
Mais recentemente, três fatores também impuseram revisão na estratégia de localização das empresas mundo afora, alterando o paradigma da globalização, agora determinada pelo fator segurança de abastecimento: a pandemia de covid-19, a crise climática exacerbada e os conflitos geopolíticos traduzidos em guerras envolvendo atores importantes nos elos de produção e distribuição de matérias-primas, partes e componentes e produtos finais.
Assim, não é de se estranhar o fato de que muitas das decisões de políticas econômicas de países, especialmente os mais ricos, não encontrem respaldo por parte das suas grandes empresas. O caso do tarifaço muitas vezes joga contra os seus interesses imediatos, com impactos diretos também aos consumidores.
No caso específico da relação com o Brasil, chama a atenção o nível elevado das tarifas anunciadas e a sua condicionalidade a aspectos político-institucionais que afrontam a autonomia dos Poderes e a própria soberania nacional, ao condicionar um recuo a questões que extrapolam a seara do Executivo.
Paradoxalmente, o novo cenário internacional impõe à economia brasileira a necessidade de um grande salto no caminho da reindustrialização, da transição energética, da economia digital e do aprofundamento das atividades ligadas à biodiversidade e economia verde.
O Brasil logrou êxito, no século passado, em realizar uma transição de uma economia agroexportadora do início dos anos 1920 para se tornar uma das 10 economias mais industrializadas do mundo nos anos 1970. Naquela feita, o cenário pós crise de 1929, os anos dourados pós Bretton Woods (1944) e o impulso do modelo adotado domesticamente de substituição de importações foram determinantes para o salto brasileiro. Entre 1949 e 1989, a economia brasileira cresceu 7% ao ano, na média.
A exemplo do que ocorrera no início do século passado, as condicionalidades externas impulsionam de forma inexorável a economia brasileira ao avanço do desenvolvimento, sob o risco da estagnação e até mesmo do retrocesso. Os desafios, agora, são outros: a digitalização da economia, a transição energética e os novos paradigmas produtivos impõem soluções criativas para fazer frente a um mundo em transformação.
O Brasil conta com inegáveis vantagens comparativas: um dos maiores mercados do mundo, com autonomia energética e hídrica, recursos humanos de qualidade e tradição industrial, a par da desindustrialização sofrida. Somos muito bem-sucedidos nos complexos agropecuário, mineral e petrolífero. É preciso aproveitar essas vantagens comparativas e transformá-las em vantagens competitivas com a ampliação do valor agregado gerado e aumentar a complexidade da nossa pauta de produção e exportação.
O recém-lançado Plano Brasil Soberano, em resposta ao tarifaço de Trump, visa apoiar as empresas brasileiras diretamente afetadas pela medida, disponibilizando R$ 40 bilhões para isso. Trata-se, inegavelmente, de importante iniciativa que, no âmbito dos programas estruturantes já em curso, como o Plano Nova Indústria Brasil (NIB), o Plano de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) e o Plano de Transformação Ecológica (PTE), busca reposicionar a economia brasileira em face dos desafios do cenário externo.
*Professor-doutor do Programa de Pós-graduação em Economia da PUC-SP, conselheiro e ex-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon)