Tarifas, papel do Estado, reindustrialização: Lacerda analisa economia brasileira 

Falando ao Boa Noite 247, economista comentou as sanções dos EUA, a reindustrialização e o projeto de isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil, entre outros temas 

O conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda concedeu na última segunda-feira (22) uma entrevista ao programa Boa Noite 247, que vai ao ar pelo YouTube. Entre os temas abordados pelo economista estão as tarifas impostas pelos Estados Unidos, o papel do Estado, a reindustrialização do Brasil, a correção da tabela do imposto de renda e o valor econômico do regime democrático. A conversa teve uma hora de duração e pode ser assistida clicando AQUI

Tarifaço 

As tarifas aplicadas pelos Estados Unidos às importações de produtos brasileiros foram o primeiro tema da entrevista. “Se você fosse procurar elementos econômicos que justificassem qualquer tipo de sanção à economia brasileira, não encontraria. O Brasil tem déficit com a economia norte-americana e a balança de serviços também é hiper deficitária”. 

Embora parte dos produtos não exportados para os Estados Unidos possam ser direcionados a outros mercados (em agosto as exportações para China e Argentina cresceram), isso não acontece com todos. Há setores que sofrem grandes prejuízos. “É o caso de bens de capital, como máquinas, equipamentos elétricos. Se nas commodities e produtos industriais de baixa complexidade você consegue transferir no médio prazo para outros mercados, em alguns produtos fica mais difícil porque é preciso desenvolver estes mercados, o que leva tempo”, observou Lacerda. 

“O Brasil tem uma tradição de contar com filiais de grandes empresas globais e tem uma economia bastante internacionalizada. Nossos executivos são bem cotados internacionalmente porque convivem numa das maiores economias do mundo e que enfrentou várias turbulências ao longo do tempo”, comentou o conselheiro federal. “Ao contrário do que diz o senso comum, as empresas no Brasil têm uma excelente produtividade e boa competitividade, mas existem fatores internos desfavoráveis. Alguns estão em franca correção, como a estrutura tributária”. 

Papel do Estado 

Lacerda mencionou que uma mudança importante vista no governo Lula 3 foi a retomada do papel do Estado como indutor e coordenador da economia. “Não só o do Estado, como das empresas estatais, dos bancos públicos e agentes de fomento. É muito importante que isso não ocorra em contraposição ao setor privado, mas em conjunto, como denotam as boas práticas internacionais”, pontuou. “O setor público e o privado precisam caminhar juntos, mas a atuação do Estado é imprescindível. Se ele não fizer sua parte, não há indução para que o setor privado atue. Neste sentido, o plano Nova Indústria Brasil (NIB) já vem dando frutos”. 

Para responder aos efeitos das tarifas aplicadas pelos Estados Unidos, o governo federal apresentou o Plano Brasil Soberano, com R$ 40 bilhões em crédito. “Em função das necessidades, é um plano adequado. Como tudo em economia, dependerá da extensão, da duração e da profundidade do problema. As empresas estão se qualificando para receber este recurso e a contrapartida é a manutenção dos empregos”, analisou Lacerda. “A postura do governo e do BNDES será de ter flexibilidade e agilidade para agir mediante as necessidades. Tivemos um exemplo muito interessante desta prontidão no ano passado, quando rapidamente houve socorro ao estado do Rio Grande do Sul e às pessoas afetadas pelas enchentes. A economia se recuperou rapidamente”. 

“A visão do papel do Estado e dos bancos públicos é fundamental e eles não se contrapõem à atuação do setor privado. Os dados das associações empresariais têm mostrado que temos o maior investimento dos últimos anos, com parcela maior do setor privado”, prosseguiu Lacerda. “O Estado tem seu papel indutor, motivador, de efeito demonstração. Ele induz estes investimentos oferecendo financiamento e adotando políticas industriais e de competitividade que favoreçam este desempenho do setor privado”. 

O resultado é que, nos últimos três anos, o crescimento econômico supera em muito as expectativas existentes no início do ano. Este resultado positivo traz uma melhora no emprego, na renda e na arrecadação. “A estrutura fiscal é importante, mas um ajuste a qualquer preço não se sustenta. A austeridade acaba gerando uma interrupção do desenvolvimento, impactando a arrecadação e gerando novo desequilíbrio fiscal, com graves consequências econômicas e sociais”, explicou o economista. “Por isso é importante combinar esta estabilidade com o crescimento econômico. Hoje temos uma saudável combinação de inflação relativamente controlada e uma situação fiscal muito melhor do que aquela presente nos debates que chegam à opinião pública”. 

Reindustrialização 

Depois de passar por um processo importante de desindustrialização, o Brasil busca o caminho contrário com o auxílio do plano Nova Indústria Brasil (NIB). Nosso país tem importantes vantagens neste sentido: além de contar com um dos maiores mercados consumidores do mundo, possui uma tradição industrial, deixando de ser uma economia monoexportadora e passando a ser uma das maiores economias agroindustriais a partir da década de 1970. “Com esta estrutura, somada à autonomia hídrica, energia elétrica abundante e sendo uma potência agropecuária, temos vantagens competitivas que permitem combinar um desenvolvimento doméstico sem abrir mão da inserção internacional de forma soberana do ponto de vista do comércio e investimentos”.  

Lacerda identifica a necessidade de atuar em duas frentes: primeiro, superando a concentração de renda, a fim de que a melhora na distribuição traga mais força ao mercado doméstico; e segundo, os investimentos externos, privados e estatais podem, da mesma forma que no século passado, trazer um desenvolvimento contemporâneo construído sobre novas bases. “Ele exige uma transição tecnológica, energética e ambiental. Mas isso, mais do que um desafio, é uma oportunidade para a economia brasileira”, avalia o economista.  

Correção do IRPF 

Outro tema abordado na entrevista foi o projeto de lei (previsto para ser votado na Câmara na próxima semana) que isenta de imposto de renda quem recebe até R$ 5 mil mensais – algo que tem um impacto positivo na economia porque as pessoas de renda mais baixa possuem maior propensão ao consumo. “Cada vez que a renda de quem ganha menos é incrementada, ela vai comer melhor, se vestir melhor, atender as necessidades mais imediatas e isso impulsiona a economia como um todo”, aponta Lacerda. “A correção do IR enfrenta uma distorção histórica que temos na estrutura tributária, onde quem recebe menos paga proporcionalmente mais, na contramão da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nossa estrutura é mais calcada em impostos indiretos”. 

Democracia 

Ao discutir os caminhos para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, Lacerda pontuou que o regime democrático não se restringe apenas ao campo da política. Ele exerce um papel direto sobre a economia, criando condições mais estáveis e inclusivas para o crescimento. “Está cada vez mais claro que a democracia representa, sim, um valor econômico, além do valor político, de cidadania e de liberdade. Ela é um elemento importante de expansão das atividades das pessoas, das empresas e dos cidadãos, o que torna o ambiente mais favorável do ponto de vista da liberdade de expressão, de cátedra e de imprensa”, argumentou o conselheiro federal. “Estes valores democráticos consolidam um processo econômico, combinando com a diminuição da concentração de renda, o que garante a perenidade e a sustentabilidade democrática”.  

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