3º Seminário Nacional da Mulher Economista e Diversidade: Carta de Salvador

Documento aprovado no evento ressalta importância do combate à violência e desigualdade de gênero, bem como da valorização do trabalho de cuidado e da participação feminina em espaços de liderança

Salvador, 04 de setembro de 2025.

Reunidas e reunidos no 3º Seminário da Mulher Economista & Diversidade, promovido pelo Sistema Cofecon/Corecons, tendo como anfitrião o Corecon-BA, nós economistas, pesquisadoras, representantes de instituições públicas, privadas e da sociedade civil — tornamos pública esta Carta de Salvador, resultado de reflexões coletivas sobre a urgência de enfrentar a violência de gênero e as desigualdades estruturais como condição indispensável para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.

O 3° Seminário Nacional da Mulher Economista e Diversidade trouxe à tona a discussão sobre como a violência de gênero afeta diretamente a economia e a vida das mulheres no Brasil. O seminário contou com debates sobre os impactos da violência de gênero no PIB, no mercado de trabalho e na vida acadêmica, além de propostas para enfrentamento e superação por meio da empregabilidade e do empreendedorismo. Também destacou o painel sobre o movimento das mulheres economistas no Brasil, com um balanço de avanços e desafios enfrentados ao longo das últimas décadas.

A violência de gênero é um fenômeno estrutural, que vai além das relações interpessoais e se insere nas bases da organização social (Saffioti, 2001).   Entre 2013 e 2023, 47.463 mulheres foram assassinadas no Brasil, dos quais 3.603 somente em 2023 (taxa de 3,5 por 100 mil). O risco de homicídio é 70% maior para mulheres negras (Atlas da Violência, IPEA/FBSP, 2024).

A Pesquisa de Vitimização (2025) revelou que 37,5% das mulheres sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses, sendo a violência psicológica a mais recorrente. A pobreza também tem gênero, 32% das mulheres brasileiras vivem em situação de pobreza, percentual que sobe para 45% entre mulheres negras, contra 21% entre mulheres brancas (CEPAL, 2023). Em relação à feminização da pobreza observa-se que se manifesta em múltiplas dimensões: pobreza de tempo, sobrecarga de cuidados, monoparentalidade feminina, menor acesso a crédito ou crédito mais caro, tecnologia e educação, além da inserção em empregos informais e precários.

No Mercado de Trabalho a violência contra a mulher gera absenteísmo, queda de produtividade e dificuldade de ascensão, com impactos de curto e longo prazo sobre o capital humano e a renda (Carvalho & Oliveira, 2016).

Assumimos como referência a Economia Feminista que articula raça, classe e gênero, valoriza epistemologias e propõe uma abordagem interdisciplinar para compreender a violência em suas múltiplas dimensões — doméstica, laboral, institucional, política, digital e social. Para superar esta desigualdade exige-se reconhecer a centralidade da economia do cuidado, ainda invisível nas contas nacionais, e enfrentar as barreiras impostas às mulheres em carreiras em ciência, tecnologia, engenharia, matemática (STEM), economia, liderança e empreendedorismo.

A carga desigual de tempo de trabalho entre homens e mulheres é expressiva. As mulheres dedicam até 23h em média de horas semanais a cuidados e afazeres domésticos, contra 11 horas dos homens. Essa sobrecarga limita a participação plena das mulheres no mercado de trabalho e na vida política. Desta forma, observamos os resultados dos efeitos macroeconômicos de longo prazo: a violência e a desigualdade de gênero implicam em perda de talentos, retração do consumo, redução da arrecadação fiscal e menor investimento público produtivo, dado o redirecionamento de recursos para saúde, assistência e justiça.

É necessário equidade também no trabalho doméstico e de cuidado, com ampliação, por exemplo, da licença paternidade e participação nas atividades domésticas e de responsabilidade familiar.

Diante desse quadro, reafirmamos nosso compromisso em:

a) Reconhecer a violência de gênero como entrave ao desenvolvimento, ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e à democracia efetiva;

b) Defender políticas de cuidado com orçamento adequado, como o Plano Nacional de Cuidados e a Lei da Igualdade Salarial e Laboral;

c) Garantir crédito justo e inclusivo às mulheres empreendedoras, eliminando discriminações que resultam em juros mais altos;

d) Valorizar e contabilizar o trabalho de cuidado não remunerado na economia brasileira;

e) Promover a participação feminina em espaços de decisão política, acadêmica e econômica, com paridade efetiva;

f) Fortalecer as Comissões de Mulheres Economistas no Sistema Cofecon/Corecons, ampliando redes de apoio e articulação nacional.

De acordo com o exposto, a Carta de Salvador reafirma que não há desenvolvimento econômico possível enquanto a violência e a desigualdade de gênero persistirem. Cada mulher silenciada representa injustiça social e perda econômica. Logo, não somente as mulheres devem participar dessa jornada rumo à liberdade e equidade: faz-se necessária também a participação ativa dos homens e todos os gêneros, juntamente com o setor público.

É urgente transformar a indignação em políticas públicas, o diagnóstico em ação e os custos da violência em investimento e igualdade.

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