Podcast Economistas: Desindustrialização e reindustrialização do Brasil
Economista Silvio Cário, professor da UFSC, fala sobre como o Brasil pretende reverter o quadro de industrialização precoce apostando na sustentabilidade e no papel estratégico do Estado
O Brasil vive há algumas décadas um processo de desindustrialização e as políticas industriais aplicadas desde os anos 2000 não puderam reverter este quadro. No ano passado, o Governo Federal apresentou uma nova política industrial, o programa Nova Indústria Brasil. Este é o tema do podcast Economistas desta semana, que conta com a participação do economista Silvio Antonio Ferraz Cário e pode ser ouvido no player abaixo ou na sua plataforma favorita.
Papel da indústria
A indústria desempenha um papel estratégico no desenvolvimento econômico de um país. Ela é um dos principais motores de crescimento econômico, além de ser um item importante na geração de divisas. Além disso, produtos industriais têm alto valor agregado e geram empregos de maior qualificação. Uma base industrial sólida é muito importante para que o país avance na geração de riqueza e no fortalecimento tecnológico.
“A indústria é fundamental para o crescimento do produto, da riqueza de um país. Quanto maior o crescimento da indústria, maior será o crescimento da riqueza nacional. O crescimento das exportações conta com muita participação do crescimento industrial”, aponta o economista. “Ela também tem um papel importante no balanço de pagamentos, gerando divisas e reservas cambiais”.
Desindustrialização no Brasil
Desde a década de 1990 o Brasil enfrenta um processo de desindustrialização considerado precoce. Isso significa que a participação da indústria no produto interno bruto (PIB) vem caindo de forma acelerada antes que o país pudesse ter alcançado níveis mais altos de renda per capita. Este processo tem consequências para a economia: com a redução da base industrial, o País perde a capacidade de inovar, gerar empregos qualificados e agregar valor à produção. Além disso, torna-se mais dependente da exportação de produtos primários, cujos preços são voláteis e pouco estimulam o desenvolvimento tecnológico. Por este motivo, o processo vivido pelo brasil também é chamado de reprimarização da economia.
“Isso vem desde a década de 1980, com a profunda crise econômica, com o país voltando-se para o pagamento da dívida externa e gerar divisas, e o Estado foi perdendo sua condição de investir. Na década de 1990, a abertura econômica e os processos de privatização foram norteadores da política econômica. Além disso, adotaram-se âncoras monetárias e cambiais para buscar a estabilização dos preços”, analisa Cário. “Nos anos 2000 a política macroeconômica se sobrepôs à industrial, a estabilidade era mais importante do que os projetos de longo prazo. O câmbio continuou valorizado. A taxa de juros elevada conduziu as empresas e a própria sociedade para o investimento financeiro e as estratégias empresariais foram muito mais defensivas”.
O combate à inflação vivido no final dos anos 80 e início dos anos 90 tem sido uma parte indissociável do processo de desindustrialização do Brasil. Com a estabilidade monetária alcançada com o plano real, a política macroeconômica vem tendo como principal objetivo o controle da inflação, mas este cenário trouxe elementos que contribuem para inviabilizar a indústria – como é o caso dos juros altos.
“Quem viveu os anos 80 sabe, chegamos a ter 1.000% de inflação num ano, 70% de inflação num mês. Agora temos 5% ao ano. E todo o processo de primazia da política macroeconômica foi, em certo sentido, esmagando, cerceando e limitando a política industrial”, relata Cário. “Muito do que não se conseguiu se deveu à supremacia da política macroeconômica inviabilizando grande parte do desenho da política industrial. Hoje mesmo, com 15% de taxa de juros, qual é o empreendimento produtivo que possibilita um retorno superior a isso?”, questiona.
Inovação
A indústria ocupa um papel central em processos de inovação e desenvolvimento econômico e a partir dela surgem avanços que se espalham por outros setores. Mas para estimular este setor, apenas o bom ambiente de negócios não é suficiente. O País precisa de uma política industrial que leve em conta diversas condições específicas, como o contexto histórico, a conjuntura internacional e as transformações recentes.
“A indústria é o locus da inovação. A partir do seu desenvolvimento, a inovação se estende para outros setores, como serviços, agricultura e comércio”, pontua o professor. “Na medida em que ela perde participação, as consequências positivas deixam de existir. Então, o Estado tem um papel importante na construção de uma política industrial. China, Japão e Coreia do Sul tiveram o Estado como elemento condutor da direção da indústria”.
Cário também argumenta que a política industrial precisa considerar o tempo histórico, a conjuntura internacional e as transformações colocadas na organização produtiva mundial. “Todos nós sabemos que hoje existem as cadeias globais de valor. Qualquer produto tem componentes importados e a produção está cada vez mais digital. Estamos vivendo um novo momento de organização tecnoprodutiva”, comenta o economista. “Tudo isso tem que ser levado em conta por quem elabora a política industrial. E ela tem que ser considerada junto com a política macroeconômica, as políticas de comércio, de financiamento, de promoção”.
Ressurgimento da política industrial
Nos últimos anos, a política industrial voltou a ganhar destaque no cenário internacional. Após a crise de 2008, vários países começaram a buscar soluções domésticas para fortalecer seus setores produtivos. Mais recentemente, a pandemia de Covid 19 e as tensões geopolíticas intensificaram ainda mais a necessidade de rever as estratégias de desenvolvimento industrial.
Neste contexto, diversas nações têm promovido políticas industriais ativas, com foco na reindustrialização, inovação e reorganização das cadeias produtivas. O acirramento da disputa entre china e estados unidos e o crescente protecionismo em algumas economias centrais vêm acelerando o processo de mudanças na localização da produção. Neste sentido, o Brasil também busca retomar sua política industrial, adaptando-a às transformações contemporâneas.
“A política industrial está sendo retomada de forma significativa no mundo todo, sobretudo a partir de 2008, quando houve o auge e a crise do liberalismo. Os Estados começaram a se voltar para dentro, fazendo política industrial”, afirma Silvio Cário. “Com o acirramento da concorrência entre China e Estados Unidos e a desestruturação das cadeias globais com a Covid 19, as cadeias produtivas começaram a ser objeto de aproximação dentro dos próprios países e cada um deles está fazendo sua política industrial”.
Nova Indústria Brasil
Em 2024 o Governo Federal lançou o plano Nova Indústria Brasil, uma estratégia de reindustrialização voltada à transformação da estrutura produtiva nacional. Ele é coordenado pelo ministério do desenvolvimento, indústria, comércio e serviços e foi elaborado com ampla participação da sociedade, por meio do conselho nacional de desenvolvimento industrial. O plano estabelece diretrizes para uma política industrial voltada à sustentabilidade, inovação e competitividade. A proposta veio com um conjunto articulado de missões, com vários fatores conjugados para buscar diminuir a tendência de desindustrialização do Brasil e estimular o progresso técnico, desenvolvendo processos inovativos, gerando empregos e reposicionando o país no comércio internacional.
São seis missões: cadeias agroindustriais sustentáveis, complexo econômico e industrial da saúde, infraestrutura (saneamento, moradia e mobilidade), transformação digital da indústria, bioeconomia/transição energética e defesa nacional. Para viabilizar as metas que estão estabelecidas, o Estado brasileiro dispõe de várias ferramentas. Entre elas, podemos citar o uso do Banco Nacional de Desenvolvimento econômico e Social, as subvenções, o investimento público e os créditos tributários. O uso destas ferramentas, na visão do professor Silvio Cário, já começa a dar resultados.
“Neste primeiro ano houve um crescimento próximo de 4% na indústria de transformação. Os resultados começam a aparecer”, comenta o professor. “Os investimentos exigem um tempo de maturação. Não é simplesmente colocar uma matéria-prima numa linha de produção e sair produtos imediatamente na sequência. São investimentos com volumes enormes de recursos, o que exige planejamento, estratégias, composição política, decisão do Estado e exposição empresarial. É um processo que está em construção e, pela leitura que se tem, se expressa no crescimento da indústria já no ano passado”.