Meta de inflação irreal alimenta juros excessivos e freia o crescimento 

Artigo da presidenta do Cofecon, Tania Cristina Teixeira, publicado originalmente no jornal O Tempo


As taxas de juros praticadas no Brasil estão acima de qualquer nível civilizado e, depois da reunião mais recente do Copom, chegaram a 15% ao ano, o patamar mais alto desde 2006. O Brasil, com frequência, aparece nos primeiros lugares do mundo no ranking de juros reais. Segundo a gestora Lev Asset Management, divulgado em 18 de junho, temos o segundo maior juro real (9,53%), atrás apenas da Turquia. Estes números não representam somente uma estatística desconfortável. São muito mais do que isso: uma anomalia estrutural, que tem consequências diretas na capacidade de investir e de criar os caminhos para o nosso futuro como nação.  

Precisamos discutir o que faz a taxa de juros ser tão alta no Brasil. Mesmo em contextos de inflação sob controle e de baixo dinamismo econômico, a política monetária adotada no nosso país segue uma lógica restritiva, com foco quase exclusivo no controle da demanda. Mas nem toda inflação tem esta causa. Apenas para citar exemplos, a pandemia e a guerra na Ucrânia trouxeram um impacto inflacionário sobre os preços de alimentos e energia que não ocorreu por conta de um choque de demanda, mas de oferta, por causa de um rearranjo nas cadeias produtivas. Mais recentemente, tivemos eventos climáticos como enchentes, queimadas e quebras de safra afetando os preços dos alimentos.  

O aumento da taxa de juros não tem efeito para combater esta pressão inflacionária. E, quando a oferta se normaliza, os preços caem. Aumento de juros nesta situação resulta em estagnação econômica, desemprego e perda do bem-estar social, ou seja, temos apenas os efeitos colaterais adversos, sem debelar a inflação ou mantê-la nos patamares previstos e esperados de acordo com a meta. 

Um dos aspectos que norteiam a definição das taxas de juros pelo Copom são as metas de inflação. Se as projeções de inflação estão acima da meta, o Banco Central usa a taxa de juros como ferramenta para que a inflação volte ao patamar desejado. Durante o período de 2004 a 2018 tivemos uma meta de inflação de 4,5% ao ano, compatível com os desafios de um país em desenvolvimento e permitia uma margem de manobra na política monetária. No entanto, desde 2019 ela foi reduzida pouco a pouco, até chegar ao patamar de 3% ao ano. Um patamar tão baixo acaba fazendo com que a política monetária com juros altos se torne um fim em si mesma, e não uma ferramenta para melhorar a qualidade de vida da população. 

A inflação, que está acima da meta atual e que, muitas vezes, é tratada como se estivesse fora de controle, está dentro do patamar utilizado no período de 2004 a 2018. Então, sejamos realistas: ela não está desancorada e já responde à Selic alta. A consequência de termos uma meta tão baixa e desalinhada com a realidade de um país em desenvolvimento é uma taxa de juros de 15%. Esta realidade beneficia apenas os rentistas, e aqui é preciso destacar que, desde a implantação do plano real, caímos na armadilha de depender excessivamente do capital financeiro. 

Outra discussão importante é o impacto da taxa de juros sobre a dívida pública. Levando em conta a quantidade de títulos indexados a juros de curto prazo, cada ponto percentual da taxa Selic custa mais de R$ 50 bilhões anuais em juros. Este fator tem sérios impactos distributivos, porque os detentores dos títulos são os bancos e os cidadãos mais ricos. A dívida, no Brasil, não é contraída para realizar investimentos, mas para cobrir o custo de juros bastante altos em benefício de uma minoria de rentistas. Estamos promovendo uma transferência de renda do povo brasileiro em benefício dos mais ricos. 

O custo desta transferência de renda por meio dos juros altos recai sobre quem mais precisa de crédito para empreender ou até mesmo para sobreviver. O resultado é que nós temos 78,5% das famílias endividadas, e 28,8% de inadimplentes, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Além disso, num momento em que o país precisa promover a inovação, gerar empregos e incentivar a produção, estes juros travam a economia. A Selic elevada funciona, na prática, como um desestímulo ao investimento em inovação, tecnologia e capacidade produtiva. 

A taxa de juros no Brasil não é apenas um instrumento técnico relacionado à política monetária: é também uma escolha com consequências profundas sobre quem pode investir, trabalhar e prosperar neste país. É importante ter metas de inflação e persegui-las, mas o desenvolvimento não é uma consequência automática da estabilidade monetária. Ele requer decisões políticas, coragem institucional e uma concepção de economia que esteja a serviço de todos, e não somente dos mais ricos. O Estado tem um papel fundamental na coordenação e no planejamento dos investimentos necessários para ocuparmos um papel de protagonismo no contexto da transição ecológica e energética.  

Um dos braços que o Estado tem para executar este planejamento é a política monetária, que não pode estar somente a serviço dos rentistas. Neste sentido, defendo a revisão da meta de inflação para um nível compatível com o que se espera de um país em desenvolvimento. É preciso incluir indicadores de emprego e crescimento econômico no mandato do banco central. O combate à inflação não pode ocorrer somente por meio de instrumentos que estejam restritos à taxa básica de juros. É essencial levar em conta políticas que coordenem instrumentos fiscais, monetários, industriais e ambientais. 


* Tania Cristina Teixeira é presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Graduada em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, com doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de Valencia (Espanha). Possui vasta trajetória docente na PUC Minas, onde é Coordenadora de Extensão do Departamento de Economia. 

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