Tania Teixeira: “Nenhum país se desenvolveu pagando juros tão altos” 

Presidenta do Cofecon falou em audiência pública realizada nesta quarta-feira (02/07), na Câmara dos Deputados. Evento também contou com o conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda 

O Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira (02/07) uma audiência pública para discutir as altas taxas de juros como entraves para a reindustrialização brasileira, a transição energética e a descarbonização. Entre outros debatedores, o evento contou com a participação da presidenta do Cofecon, Tania Cristina Teixeira, e do conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda. O evento pode ser assistido AQUI

Tania Teixeira: “Juros altos são um fim em si mesmo” 

Em sua fala, a presidenta do Cofecon afirmou que a atual política monetária brasileira está desconectada das necessidades de desenvolvimento nacional e precisa ser urgentemente repensada. Ela lembrou que o país ocupa o segundo lugar no ranking mundial de juros reais, ficando atrás apenas da Turquia. “Isso não é apenas uma estatística desconfortável, mas uma anomalia estrutural com consequências diretas sobre a capacidade de investimento e geração de emprego”, argumentou. 

A presidenta chamou a atenção para o fato de que a estratégia de controle da inflação baseada no aumento de juros para conter a demanda desconsidera fatores fundamentais. “Eventos como a pandemia, os conflitos geopolíticos e desastres climáticos afetam a inflação pela vida da oferta. Aumento de juros, nesta situação, vai resultar em estagnação econômica, desemprego e perda do bem-estar social. Teremos apenas os efeitos colaterais adversos, sem debelar a inflação ou mantê-la nos patamares previstos e esperados”. 

A economista também criticou a redução da meta, de 4,5% em 2018 para 3% em 2024. “A mesma inflação que hoje é tratada como se estivesse fora de controle estaria dentro da meta entre 2004 e 2018. A política de juros altos se torna um fim em si mesmo”, apontou. “Esta é uma realidade que beneficia apenas os rentistas”, prosseguiu, mencionando que cada ponto percentual a mais na taxa de juros custa mais de R$ 50 bilhões. 

Ao abordar a reindustrialização, defendeu que não se trata de retomar o modelo dos anos 1980, mas de construir um novo padrão produtivo voltado ao momento em que a transição energética e a descarbonização da economia ganham força. “A transição energética exige investimentos de longo prazo e muito capital. Com a Selic a 15%, os detentores de capital não têm incentivo para assumir riscos”, enfatizou. “Nenhum país se desenvolveu pagando juros reais tão altos”. 

A presidenta do Cofecon também frisou a necessidade de o Estado atuar como coordenador do desenvolvimento, com políticas industriais, tecnológicas e ambientais articuladas, destacou o papel dos bancos públicos no financiamento de longo prazo e lembrou o potencial competitivo do Brasil em energia limpa. E finalizou trazendo uma reflexão: “o desenvolvimento não é uma consequência automática da estabilidade monetária. Requer decisões políticas, coragem institucional e uma concepção de economia a serviço de todos, não apenas dos mais ricos”. 

Lacerda: “Juros são uma transferência da sociedade para os rentistas” 

Na sequência, falou o conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda. Ele falou da taxa de juros praticada no Brasil como algo muito acima de qualquer parâmetro razoável. “A rentabilidade média das atividades produtivas não atinge metade da remuneração obtida com aplicações financeiras. Então, há um descasamento óbvio entre o custo de oportunidade representado pelo mercado financeiro relativamente à aplicação na produção. Isso causa uma distorção enorme”, apontou. 

Ele também chamou a atenção para o impacto da taxa de juros sobre a dívida pública. “Nos últimos 12 meses até maio, temos um custo de financiamento da dívida pública de R$ 946 bilhões. É um custo que toda a sociedade transfere para os credores da dívida: o sistema financeiro e todos os que aplicam no mercado financeiro”, afirmou o economista. “Quando se faz uma depuração deste dado, é a população mais rica. É um elemento absurdamente concentrador de renda”. 

Lacerda também falou sobre países que possuem uma relação dívida/PIB maior que a do Brasil, mas pagam menos com o custo de rolagem. “Na média, é mais que duas vezes a dos demais países. Essa situação gera um estrangulamento da política macroeconômica como um todo”, observou. E defendeu uma sincronia entre as políticas monetária, cambial e fiscal, mencionando que, com relação a esta última, tem havido uma disputa entre os poderes Executivo e Legislativo: “as emendas parlamentares atingiram menos de R$ 10 bilhões em 2015. Subiram para R$ 11,7 bilhões em 2018 e, a partir daí, tiveram uma progressão significativa. Neste ano deverão representar mais de R$ 50 bilhões”. 

Falando especificamente sobre as causas da inflação no Brasil, Lacerda trouxe fatores como a estrutura de mercado oligopolizada, a indexação formal e informal da economia, a estrutura de formação de preços (muito influenciada pelo mercado internacional e pela taxa de câmbio). “Isso gera uma distorção no sistema de metas de inflação, porque se tenta compatibilizar todos estes fatores num único instrumento”, afirmou o conselheiro federal, fazendo em seguida uma crítica à captação das expectativas de mercado pelo Banco Central, por ouvir basicamente o mercado financeiro.  

Por último, Lacerda mencionou a questão do Imposto sobre Operações Financeiras. “Diante das justificativas da não aplicação do IOF, que sempre se referem a uma elevada carga tributária, precisamos dizer que a carga tributária brasileira é absolutamente desigual”, argumentou.  

Demais expositores 

O deputado Mauro Benevides chamou a atenção para o fato de que a discussão sobre política fiscal no Brasil não leva em consideração as despesas financeiras. “Temos seis regras para as despesas primárias e nenhuma para a despesa financeira. Aliás, o conceito de resultado primário só há no Brasil. Nos outros lugares, fala-se do resultado nominal”, apontou. “O maior problema da política fiscal brasileira é a política monetária, não o gasto primário. Mesmo nos anos em que houve superavit primário, nunca houve um resultado capaz de pagar os juros da dívida. Tem algo errado nisso”. 

Ricardo Capelli, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, defendeu a necessidade de uma política industrial sólida e permanente no Brasil. “A política industrial no Brasil tem que deixar de ser apenas de governo e passar a ser uma política de Estado, independente do governo de plantão. Não há referência no mundo de país desenvolvido, forte, livre e soberano sem uma indústria forte”, defendeu Capelli. Ele se referiu à política monetária praticada no Brasil como “uma âncora absurda”. “A indústria é intensiva em capital. Como fazer indústria quando a taxa de retorno da especulação rentista é muito superior ao retorno do investimento do capital produtivo?”. 

Fábio Bandeira Guerra, gerente de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria, mencionou o spread bancário praticado no Brasil, atrás apenas de Zimbábue e Madagascar. “A taxa de juros que as enfrentam no dia a dia tem subido muito, ido para patamares bastante significativos”, explicou. Bandeira também apontou para o fato de o Brasil ter uma relação Crédito/PIB de 70% – contra cerca de 200% em vários países desenvolvidos. Trouxe também a informação de que, nos Estados Unidos, há uma linha de 400 bilhões de dólares para financiar apenas a energia limpa, e 700 bilhões na União Europeia para financiar a descarbonização e a transformação digital. Também trouxe uma estimativa de que a Selic deveria estar num patamar de 10,57%. “Se fosse aplicado durante três anos, o investimento na indústria teria sido superior a R$ 200 bilhões, com quase R$ 700 bilhões na economia como um todo”. 

Daniel Negreiros Conceição, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que a política de juros altos serve somente ao rentismo. “Durante a pandemia caiu a máscara dos terroristas fiscais, com o discurso de que o estado vai quebrar. O governo fez o maior déficit primário da história, com mais de R$ 700 bilhões, criou dinheiro para pagar auxílio, crédito, vacina, salário, vidas. E a inflação não explodiu”, comentou o professor. “A Selic caiu para 2% em termos reais e o mercado não colapsou. Governos centrais como o brasileiro sempre gastam e continuarão gastando através da criação de mais moeda. O governo federal não quebra”. 

Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária no Brasil, disse que trazia a visão da agropecuária como um todo, que se soma ao objetivo nacional de ampliar a reindustrialização brasileira. Ele alertou para os impactos negativos das altas taxas de juros para o crédito rural e comentou que apenas uma pequena parte dos recursos anunciados no Plano Agrícola e Pecuário é subsidiada. “A Letra de Crédito do Agronegócio é um mecanismo cada vez mais importante, mas temos que lembrar que ele é feito a taxas de mercado”, observou. “As taxas de juros elevadas aumentam o custo do crédito, dificultam o acesso ao financiamento de insumos, máquinas e investimento, o que pode levar à redução da produtividade no segundo momento”.  

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