Avaliação econômica de empresas, ativos tangíveis e intangíveis e passivos ocultos

Artigo de opinião de Pedro Afonso Gomes*, conselheiro federalTerceiro texto integrante da série intitulada Mercado de Trabalho para o Economista Profissional Liberal. Confira os anteriores: “A Chancela do Economista”, primeiro artigo da série; e “A atualização da legislação profissional do economista”, segundo artigo da série“.

Dentro do amplo campo de atuação profissional dos economistas – Economia, Finanças e Organização Racional do Trabalho1 – encontra-se a atividade de avaliação (ou valoração), que ganhou relevo maior nas últimas décadas e promete permanecer entre as atribuições profissionais mais bem remuneradas da profissão, nos próximos decênios.  

A avaliação de empresas pode ser utilizada para diversos propósitos: 

  • Fusões e aquisições: determinação do preço justo para negociação entre partes; 
  • Cisões e incorporações: alocação de ativos e passivos e definição de participações; 
  • Dissoluções societárias: apuração de haveres de sócios ou acionistas retirantes; 
  • Planejamento tributário e sucessório: reorganizações societárias e transferências patrimoniais com base em valor justo; 
  • Avaliação para garantias e financiamentos: determinação de valor para fins de crédito; 
  • Disputas judiciais e arbitrais: elaboração de laudos técnicos para instrução processual; 
  • Emissão de ações ou venda de participações: fixação de preço de entrada de investidores. 

A informação resultante de uma avaliação de empresas é relevante para diferentes agentes: 

  • Empresários e gestores: tomada de decisões estratégicas e operacionais; 
  • Investidores e fundos de private equity: análise de atratividade e riscos de aquisição; 
  • Instituições financeiras: concessão de crédito com base na análise de solvência; 
  • Juízes e árbitros: fundamentação de decisões judiciais e arbitrais; 
  • Fisco e autoridades reguladoras: verificação de valores para fins tributários e de conformidade; 
  • Herdeiros: partilha de bens empresariais. 

Em 1960, o economista, advogado e professor Hernani Estrela lançou o clássico livro “Apuração de Haveres de Sócio”, em uma época em que a economia era bem menos complexa do que hoje e a avaliação da empresa era possível pelo simples exame da escrituração e dos demonstrativos contábeis.  

Desde então, ao longo do tempo, novos conhecimentos e a própria prática empresarial foi fazendo ver que as informações necessárias para a valoração de uma empresa e seus componentes patrimoniais, de qualquer porte, precisa contar com a competente colaboração não só de contadores, como de economistas, engenheiros, administradores, advogados e, quiçá, dependendo do ramo de atividade, de profissionais de outras áreas.  

O economista, contador, professor e escritor Antonio Lopes de Sá propôs a Teoria Neopatrimonialista, que visava entender a relação do patrimônio de uma entidade/empresa e os fenômenos sociais e econômicos que o afetam. Talvez porque foi lançada no livro “Teoria Geral do Conhecimento Contábil”, fixou-se a ideia errônea de que a análise econômica e financeira da empresa caberia unicamente aos contadores.  

O contador e professor Eliseu Martins, na virada do século XX para o XXI, melhor representou o salto de qualidade que se deve dar ao tratar do tema, ao escrever o artigo “Avaliação de Empresas: da Mensuração Contábil à Econômica”, que deu origem ao excelente livro coletivo de mesmo nome.  

De fato, em virtude da legislação, toda empresa tem seu Balanço Patrimonial e o correspondente Demonstrativo do Resultado do Exercício, elaborados a partir das regras da contabilidade, aqui denominado de Balanço Contábil.  

Entretanto, na prática cotidiana, mesmo não o nominando assim, nenhuma empresa baseia sua operação, seu planejamento e sua expansão no Balanço Contábil, elaborando, para si, um Balanço Econômico, que parte do Balanço Contábil e é resultado dos ajustes que devem ser feitos para que os valores econômicos e financeiros estampados na escrituração sejam mais próximos da realidade concreta, como se verá a seguir. 

O próprio Conselho Federal de Economia reconhece, em suas normas fundamentais, que os “usuários” das demonstrações contábeis não são os contadores, e sim os sócios, acionistas, diretores, gerentes, financiadores, fornecedores, analistas de mercado, peritos e outros que extraem de tais demonstrativos o que desejam e ajustam-nas às suas necessidades.  

Convém lembrar que “avaliar” significa atribuir tecnicamente um valor, no caso valor econômico de uma empresa, o que significa considerar todos os seus ativos e passivos, processos e riscos, mesmos que eles escapem à escrituração contábil.  

Não é incomum que bens tangíveis (materiais, corpóreos) estejam lançados na contabilidade por montante distante de seu valor real econômico. É óbvio que, se eles forem vendidos, não o serão pelo importe que consta nos registros contábeis e sim por quanto for apurado em comparação com o mercado ou por outro parâmetro mais adequado. Por isso, também na avaliação de empresas é necessário que haja rigorosa apuração de quanto esses ativos valem efetivamente.  

Nem mesmo a introdução, pelo Comitê de Procedimentos Contábeis, do conceito de “impairment” foi suficiente para corrigir essa distância, pois tal técnica é utilizada apenas quando há redução do valor do bem em relação ao quanto escriturado, mas há inúmeros casos em que, ao contrário, o bem tem seu valor elevado frente à escrituração.  

Outrossim, é razoavelmente frequente que empresas deixem em seu registro de estoque matérias primas e mercadorias inservíveis ou cujo valor de mercado não é aquele lançado na contabilidade. Isso também ocorre com contas a receber, quando se verifica que muitas delas são incobráveis, como empréstimos a sócios ou duplicatas a receber que já prescreveram ou cujos sacados estão falidos ou encerraram suas atividades.  

Diga-se que a avaliação de bens tangíveis (imóveis, móveis, equipamentos, veículos, instalações), por vezes com a colaboração de um engenheiro para apontar as questões técnicas atinentes, é atividade própria dos economistas, regulado pelas normas legais e por resoluções do Conselho Federal de Economia. 

De outro lado, as Normas Brasileiras de Contabilidade não permitem a escrituração dos valores econômicos atribuídos a direitos intangíveis (imateriais ou incorpóreos), como marcas, patentes, fundo de comércio, benefícios previstos em contratos, sistemas, softwares, rotinas.  

Interessante o caso da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP). De acordo com o seu Balanço Patrimonial de 2024, do seu Ativo Total de R$ 81 bilhões, os Ativos Intangíveis correspondem a R$ 45 bilhões. A dinâmica dessa empresa prevê contratos de longuíssima duração com municípios que lhe concedem a exploração do fornecimento de água e a coleta e o tratamento de esgotos, geralmente de 50 anos e renováveis, de forma que as receitas futuras são de grande monta. Mas, como as normas de contabilidade não permitem contabilizar as receitas futuras como ativo, a companhia escritura como Ativos Intangíveis os importes que investe em instalações para prestar o serviço, que não lhe pertencem porque situados em imóveis dos municípios.  

As cinco maiores empresas do mundo têm, em termos monetários, ativos intangíveis de monta muito superior aos seus ativos tangíveis, e aqueles são os responsáveis por alavancar o resultado de suas operações, por distinguirem-nas dos concorrentes. 

Por fim, todas as empresas estão sujeitas a riscos que não são contabilizados, como potenciais débitos trabalhistas, genericamente chamados como Passivo Oculto, que, embora o seu desembolso seja incerto, deve ser mensurado e registrado no Balanço Econômico, para subsidiar a avaliação final.  

A Teoria Econômica fornece a base para compreender como o valor é gerado em uma empresa, como, por exemplo, pela análise de: 

  • Cenários econômicos amplos e setoriais: projeção das condições econômicas em nível nacional e em setores específicos da economia; 
  • Custo de oportunidade: o valor de uma alternativa sacrificada ao escolher um investimento; 
  • Risco e retorno: maior risco deve ser compensado por maior retorno esperado; 
  • Eficiência de mercado: em mercados eficientes, os preços refletem toda a informação disponível; 
  • Estrutura de mercado: o ambiente concorrencial (monopólio, oligopólio, concorrência perfeita) influencia o poder de precificação e a rentabilidade. 

Inicia-se a avaliação pela análise ampla, ou macroeconômica, em especial em relação aos principais indicadores e tendências da economia como um todo, como crescimento do PIB, inflação, emprego, taxas de juros e políticas governamentais. Já a análise setorial se concentra em setores clássicos – agricultura, pecuária, indústria, comércio, serviços – e nos subsetores em que se enquadram a empresa avaliada e seus concorrentes, mensurando seus desafios, oportunidades e perspectivas de crescimento. 

Em seguida, partindo das informações contábeis, com os necessários ajustes econômicos, técnicas e operacionais, escolhe-se o método de avaliação mais próprio ao caso em análise. 

O método mais conhecido é o do Fluxo de Caixa Descontado (FDC), que envolve a projeção dos fluxos de caixa futuros, normalmente de 5 a 10 anos, o cálculo do valor residual após o período de projeção, a determinação da taxa de desconto (WACC – Weighted Average Cost of Capital) e o desconto dos fluxos a valor presente, alcançando-se o valor da empresa, após a dedução de suas dívidas atuais.  

Mas existem pelo menos outros 10 métodos de avaliação, entre os quais o de Múltiplos, que pode considerar um multiplicador setorial tradicional sobre o faturamento ou sobre o EBITDA (Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization), termo traduzido para LAJIDA (Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização) 

E, especialmente se tratar-se de empresa em encerramento ou em que haja incerteza acima do razoável sobre a sua continuidade, aplica-se o método de Valor Patrimonial Contábil Ajustado, que consiste na reavaliação dos bens tangíveis e nos direitos intangíveis e na consideração dos passivos ocultos e contingências não incluídos na escrituração.  

Enfim, no momento atual e no futuro próximo, em que os capitais transitam frequente e livremente pelos diversos mercados do mundo, com valores crescentes sendo investidos no país e sendo grande o volume de fusões, aquisições, cisões e incorporações, a atividade de avaliação de empresas, bens tangíveis e intangíveis e passivos ocultos é muito promissora e deve ser incluída no rol de serviços prestados pelos economistas e sociedades registradas nos respectivos Conselhos Regionais de Economia (CORECON).   


*Economista. Perito, Avaliador, Auditor e Consultor nas áreas de Economia e Finanças, Conselheiro Efetivo no Conselho Federal de Economia (COFECON), ex-Presidente do Conselho Regional de Economia da 2ª. Região (CORECON-SP), ex-Presidente do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo (SINDECON-SP).


Confira os demais artigos da série a seguir:

1- “A Chancela do Economista”, leia AQUI.

2- “A atualização da legislação profissional do economista”, leia AQUI.

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