Clovis Cavalcanti: “Estamos destruindo a natureza de forma insustentável”
Pioneiro da economia ecológica no Brasil abordou o papel do Brasil diante dos desafios climáticos contemporâneos e da COP30. Fala do economista pode ser ouvida no podcast Economistas ou no canal do Cofecon no YouTube
O Conselho Federal de Economia realizou na última quarta-feira (28) o seminário “O papel do Brasil diante dos desafios climáticos contemporâneos: desenvolvimento e natureza”. O evento aconteceu de forma virtual e contou com a presença do economista Clovis Cavalcanti, tendo Marcus Eduardo de Oliveira como mediador. O debate é o tema do podcast Economistas desta semana, que pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.
Ao longo das últimas décadas, diversos pesquisadores têm se dedicado a estudar de forma mais precisa o impacto das atividades humanas sobre os ecossistemas. Uma das abordagens mais influentes é a que busca quantificar o consumo dos recursos naturais em comparação com a capacidade de regeneração do planeta. Dentro deste contexto surge a economia ecológica.
“Estamos destruindo a natureza de uma forma insustentável. É isso que percebemos através de um conceito desenvolvido por um economista ecológico, William Rees, da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, que é o conceito da pegada ecológica”, comentou Cavalcanti. “Rees compara a pegada ecológica com a biocapacidade. Estamos numa situação em que a biocapacidade é ultrapassada em mais de 70%. Estamos explorando a Terra além dos seus limites. E entre outras coisas que acontecem, está a questão da mudança climática”.
Já faz algum tempo que a preocupação com a crise ambiental ultrapassou as fronteiras da ciência e adentrou outros campos, como o da política. Nos últimos anos, diversas lideranças políticas passaram a defender a questão ecológica, reconhecendo a gravidade do momento. Na última década, a encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, chamou a atenção do mundo para a conexão entre a justiça social, o cuidado com o planeta e a espiritualidade.
“É um documento brilhante combinando religião e ciência. A base científica é muito séria, porque ele se baseou em um workshop organizado pelas Pontifícias Academias de Ciências e de Ciências Sociais do Vaticano um ano antes, fornecendo os elementos científicos para que ele redigisse a sua encíclica ecológica”, comentou o economista. “Ela foi muito importante, publicada em maio de 2015. Em novembro houve a COP de Paris que teve, como resultado, o Acordo de Paris”, completou, em referência ao encontro no qual foram traçados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
O economista também contou uma história interessante de quando esteve com o Papa Francisco e falou ao pontífice sobre economia ecológica. “Quando o cumprimentei, falei que estava ali como presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica. E ele então me perguntou o que é economia ecológica. Fiquei surpreso, não imaginei que pudesse suscitar o interesse dele. E eu respondi: é o que constitui a essência da sua encíclica Laudato Si”, contou Clovis. “Ele deu um sorriso e falou: então vamos trabalhar juntos para promover a minha encíclica. E criamos um grupo dentro da Sociedade, nos reunimos quinzenalmente, pessoas de diferentes partes do mundo, para assessorar o Vaticano”.
Clovis Cavalcanti também explica que a economia ecológica surge como uma resposta às limitações do modelo econômico tradicional, colocando a sustentabilidade no centro das decisões econômicas. Ao longo das últimas décadas esse campo se consolidou com base em contribuições teóricas robustas e no engajamento de estudiosos comprometidos com o futuro do planeta. Clovis foi um dos pioneiros da área no Brasil.
“Economia ecológica não significa abandonar o que os economistas sempre pensaram. A economia ecológica é a visão ecológica da economia. Significa submeter o processo econômico às leis natureza, às leis físicas e biológicas”, comentou Cavalcanti. “É aí que entra o pensamento do grande inspirador da economia ecológica, o romeno Nicolas Georgescu-Roegen, que escreveu um livro fantástico chamado A Lei da Entropia e o Processo Econômico. Esse livro foi o que me motivou a tornar-me economista ecológico. Convivi com Georgescu quando fui professor visitante na Universidade Vanderbilt”.
No Brasil, o economista Celso Furtado também deu uma grande contribuição a esta área, com a publicação do livro “O Mito do Desenvolvimento Econômico” no ano de 1974. O livro questiona os fundamentos do modelo de crescimento baseado na expansão ilimitada do consumo e da produção, alertando para os limites ecológicos do planeta e para as contradições sociais do desenvolvimento da forma como foi concebido pelos países industrializados. Sua reflexão foi pioneira ao antecipar debates que hoje estão no centro das preocupações globais.
“Nós não podemos fugir do fato de que o aquecimento global vai levar o planeta ao colapso”, apontou o economista. “Celso Furtado, de certa forma, tratava disso no seu livro O Mito do Desenvolvimento econômico, quando não se falava ainda em mudança climática. No entanto, o aviso de Celso Furtado no livro foi com relação ao sobreconsumo dos recursos da natureza, que é exatamente a questão da pegada ecológica em relação à biocapacidade do planeta”.
Ao se aproximar a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30, a visão de Clovis não é otimista. Ele cita a opinião do professor Luiz Marques, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apontando que o Brasil está ameaçado de perder o papel que deveria ter como líder global de uma transição ecológica. “A conclusão de Luiz Marques é de que o mundo real mostra uma situação em que estamos cada vez mais caminhando na direção dos combustíveis fósseis, que é o contrário do que o Acordo de Paris sugere. E é interessante como há um esforço grande para explorar a chamada margem equatorial da foz do Amazonas. Isso é contrário ao que pensam os cientistas, os ambientalistas e os povos tradicionais”, lamenta Clovis.
Clovis Cavalcanti
Clovis Cavalcanti é graduado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com pós-graduação em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e mestrado pela universidade de Yale, nos Estados Unidos. Ele é professor da UFPE, pesquisador emérito da fundação Joaquim Nabuco e presidente de honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, além de ter sido presidente também da Sociedade Internacional de Economia Ecológica. Ele também é autor e coautor de vários livros e introdutor do conceito de ethnoeconomics, um campo interdisciplinar que estuda a forma como diferentes grupos étnicos, culturais ou tradicionais organizam e vivem suas práticas econômicas.
O seminário “O papel do Brasil diante dos desafios climáticos contemporâneos: desenvolvimento e natureza” pode ser assistido na íntegra no canal do Cofecon no YouTube.