‘Vejo a reforma tributária como a possível, não a ideal’, afirma Michele Aracaty
A econ. Michele Aracaty, nova presidente do Conselho Regional de Economia da 13ª Região considerou que o texto aprovado da reforma tributária não foi ideal, mas ainda positivo para o Amazonas. Entrevista publicada originalmente no portal acritica.com
A economista Michele Aracaty, nova presidente do Conselho Regional de Economia da 13ª Região Amazonas e Roraima (Corecon 13 – AM/RR) considerou que o texto aprovado da reforma tributária não foi ideal, mas ainda positivo para o Amazonas. O texto final garantiu os benefícios da Zona Franca de Manaus (ZFM).
Terceira mulher a dirigir a instituição, a economista destacou a necessidade de diversificar a economia do Amazonas e apontou a possibilidade de novos aumentos na inflação e na taxa básica de juros do Banco Central.
A senhora é a terceira mulher a assumir a presidência do Corecon no Amazonas. Pela sua experiência, a profissão de economista ainda tem um ambiente adverso para o público feminino?
Sim, ainda é muito adverso, mas nós já temos algumas referências. Por exemplo, quando eu era estudante, nós tínhamos apenas uma ou duas mulheres. E na mesa [de discussões], tinha uma mulher somente. Ao longo desses anos, a gente tem outras referências de economistas, inclusive compondo as mesas quando você vai participar de um evento ou algo parecido. Dentro das universidades, isso também mudou. Mais uma vez, quando eu era estudante, eu tinha uma única professora. Agora nós temos um corpo docente muito mais equilibrado e um ponto interessante que eu acho que seria relevante colocar é que elas são muito mais qualificadas que eles. A nível acadêmico, nós temos mais alunas do que alunos, o que não se reflete no mercado de trabalho. Quantas economistas você conhece? Poucas. Quantos economistas? Diversos. Isso também é um desafio quando a gente fala de equilíbrio no aspecto profissional.
A senhora assumiu a sua gestão já agora no início desse ano. Quais foram as primeiras ações tomadas até o momento?
Logo no dia seguinte [à posse] foi a reativação da participação dos alunos, o Corecon Acadêmico. O Corecon Acadêmico estava desativado há algum tempo por vários motivos, inclusive porque os calendários das instituições não estavam começando e terminando de acordo com as gestões, por causa da pandemia. Por exemplo, a Ufam e a UEA agora que estão organizando seus calendários. Isso também dificultava porque tinha aluno saindo, aluno chegando, então não dava certo para que a gente tivesse um semestre correto para que ele pudesse estar participando. Então reativamos o Corecon Acadêmico, temos alunos da Ufam, da UEA, da Nilton Lins e de Roraima, porque [o conselho] é AM/RR. Essa é a parte positiva no início do mandato.
Vocês também realizaram o Café Econômico tanto com economistas quanto estudantes, quais foram os assuntos abordados?
O Café Econômico é um evento já tradicional do Conselho Regional de Economia e ele acontece uma vez por mês. Esse primeiro encontro teve uma relevância grande para falar da reforma tributária, então nós conseguimos trazer os nossos quatro colegas, três são economistas e um não, mas trabalha com os economistas. Esses quatro colegas de Brasília – Farid Mendonça, Afonso Lobo, Thomaz Nogueira e Marcelo Pereira – trabalharam diretamente no texto que foi entregue em relação à reforma tributária. Coincidiu de eles estarem aqui no final de semana do dia 15 e conseguimos reuni-los para falar da reforma, para também buscar o grupo de economistas que pudesse acompanhar a reforma tributária a partir do momento em que ela está se desdobrando, a partir do texto principal.
E quais as preocupações que eles apresentaram no ponto atual que a reforma está?
Na verdade, as preocupações são principalmente a adaptação da sociedade em relação à reforma, esse novo modelo de tributação e também em relação à questão da arrecadação, principalmente para o estado, vai mudar tudo. Então como é que o estado vai se adaptar? Vamos botar aí uma perda da arrecadação, isso vale a pena a gente colocar para a sociedade, porque muitas vezes a sociedade não está tendo acesso a essa informação como um todo, ela acha inclusive que a reforma tributária não tem nada a ver com a vida dela, mas vai mudar muita coisa, então todos nós vamos receber algum impacto dessa mudança da reforma tributária. Há 40 anos esperamos por uma reforma, então ela chegou, e é um período grande de adaptação, a partir desse texto até o momento em que ela vai se concretizar.
A senhora avalia que a reforma, da forma como foi aprovada, foi positiva para o estado?
Foi positiva, mas ainda vejo a reforma tributária como a reforma possível, não a ideal. Nós tivemos um texto possível, não o ideal, mas foi positivo para o Amazonas.
Esse ano ainda será votado o texto do Comitê Gestor do IBS e dos fundos de diversificação. Como os economistas estão acompanhando esse debate?
Com muita preocupação, até por causa do fundo, que é extremamente relevante. Quando a gente fala da questão, mais uma vez, vamos ter uma perda tributária e como que isso vai ser compensado. Então, olhar para esse fundo é olhar também para algumas alternativas que nós vamos ter para poder compensar essa perda de arrecadação. E também, como o próprio nome diz, é um fundo de desenvolvimento regional. Precisamos ver como que isso vai ser positivo no aspecto do desenvolvimento regional para a nossa região, que é tão carente, principalmente de políticas em relação ao desenvolvimento como um todo.
Qual que deve ser o futuro da economia com a reforma e com o iminente fim da Zona Franca de Manaus nas próximas décadas? No que o estado deve focar?
Bom, nós defendemos, em relação à reforma, o acompanhamento e, principalmente, essa clareza para a sociedade. Os empresários, os industriários, quem depende diretamente da arrecadação, eles precisam se preparar e se adaptar às novas reformas, ao novo sistema como um todo. Principalmente na comunicação, como que a sociedade vai receber essa comunicação? Me refiro, principalmente, quando a gente fala do Plano Real, que ele foi muito bem comunicado, a sociedade entendeu como ele ia funcionar, isso muda tudo. Então é importante que os economistas também possam estar entrando nessa discussão e possar trazer para a sociedade, da forma mais clara possível, como que isso vai impactar na vida dela.
Outro ponto em relação à questão do Polo Industrial de Manaus (PIM): nós trabalhamos sempre com um modelo que possa complementar o modelo ZFM, já com base no que a gente chama de modelos de desenvolvimento regional endógeno, que vai levar em consideração as potencialidades regionais. Olhar, por exemplo, para o ecoturismo, para a bioeconomia, para a biotecnologia e outras atividades que possam complementar o modelo. Nunca concorrer com ele, mas complementar.
Uma preocupação recente de algumas pessoas da política é com as taxações que o presidente americano, Donald Trump, implementou e que podem afetar a Zona Franca. Há riscos para a região?
Na verdade, a taxação vai ser para o mundo todo, não somente para o Amazonas ou para o Brasil. O que nós temos que buscar é sempre uma alternativa. Como isso vai impactar em determina dos setores e como é que nós podemos buscar outros caminhos? Eu sempre falo que é importante o modelo Zona Franca de Manaus buscar a diversificação, principalmente no aspecto produtivo e também no momento em que vai se escoar seus produtos e seus serviços. Por exemplo, poucas pessoas sabem que de 100% do que é produzido aqui no PIM, 95% abastece o mercado nacional. Então a gente não pode se preocupar tanto com isso. Outro ponto, nós recebemos insumos e matérias-primas de onde? A maior parte vem da Ásia. Então, pode ser que essa taxação americana seja até positiva para o Brasil quando a gente fala de Zona Franca. Não estou falando de outros setores, estou me referindo à ZFM, porque tenho inclusive a possibilidade de buscar novos mercados.
Houve um aumento no preço da gasolina, mais de R$ 2,00 desde a privatização da Refinaria da Amazônia. Como a senhora avalia a venda da única refinaria local?
Quando você fala “única” já é um problema, porque a gente não tem concorrência. O que nós precisamos observar também em relação a esse cenário, além da falta de concorrência, é o custo amazônico. Nós temos problemas infraestruturais e logísticos, isso também encarece bastante o produto. São características regionais que precisam ser observadas. Primeiro ponto, a gente precisa priorizar a concorrência perfeita, nós temos que ter mais de uma opção. Em relação ao preço da refinaria, pelo que a gente tem acompanhado, nós tivemos uma venda que foi abaixo do valor de mercado. Isso a sociedade está acompanhando, infelizmente a gente não pode fazer nada. Agora, estatizar, o processo inverso, será que vai resolver o problema? Mais uma vez, a gente tem uma única opção. O ponto principal seria diversificar.
Fechamos 2024 com a inflação ligeiramente acima da meta e o Banco Central, nos últimos meses, usou esse argumento para aumentar a taxa de juros. A inflação e essa taxa podem continuar em alta em 2025?
Na verdade, se você for olhar a ata do Copom [Conselho de Política Monetária] que saiu depois de toda reunião, não foi somente a questão inflacionária. Foi a falta de corte de gastos públicos. É voltado também para essa questão que o mercado analisa como algo ruim e negativo para a economia. A falta de controle dos gastos públicos influencia diretamente quando a gente fala de sustentabilidade. Se não houver uma política de controle de gastos públicos e se não houver um retrocesso em termos inflacionários, nós vamos continuar tendo taxas de juros elevadas.
Mesmo pelo fato de o mercado não ter acertado boa parte das previsões da economia, eles ainda conseguem verificar essa questão da taxa?
Na verdade, a taxa de juros, quando ela é implementada pelo Banco Central, eles levam em consideração questões internas, macroeconômicas e nacionais, e também o que está acontecendo no mundo. Então tem muita coisa acontecendo no mundo. Então essa instabilidade e essa palavra chamada incerteza no mercado financeiro tem um peso muito grande. E nós temos a Argentina, que é o nosso vizinho, e outras coisas acontecendo muito próximo do Brasil. Então isso tudo faz com que o Banco Central se resguarde, que ele é autoridade monetária, e vai elevar a taxa de juros pensando que lá na frente a gente pode ter algum problema. Então são várias variáveis que implicam para que a gente tenha essa taxa de juros.