Por que a economia local é tão importante para o desenvolvimento?
Em debate promovido pelo Cofecon, Ana Cristina Costa, Ladislau Dowbor e Joaquim de Melo Neto discutiram a importância de políticas públicas e iniciativas comunitárias para o desenvolvimento territorial
O Conselho Federal de Economia, por meio de sua Comissão de Responsabilidade Social e Economia Solidária, realizou nesta quinta-feira (12) um debate sobre os desafios e oportunidades da economia solidária no Brasil. O evento teve a participação da superintendente do BNDES na área de desenvolvimento social e gestão pública, Ana Costa; do economista Ladislau Dowbor; do educador popular Joaquim de Melo Neto, criador do banco Palmas. O evento pode ser assistido clicando AQUI.
O debate foi apresentado pela conselheira federal Teresinha de Jesus Ferreira da Silva, coordenadora da Comissão, que abriu o evento falando sobre a aprovação do Projeto de Lei 6.606/2019, que cria a Política Nacional de Economia Solidária. “Este é um momento de muita reflexão e fortalecimento da economia solidária na nossa nação”, mencionou a conselheira.
A economista Ana Cristina Costa atua no BNDES desde o ano de 1998 e chefiou durante três anos o departamento de economia solidária. “Quando foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária, eu era a chefe do departamento que tratava deste assunto e compartilhei várias ações com o professor Paul Singer”, comentou. “Neste período o banco fortaleceu empresas recuperadas por trabalhadores, catadores de materiais recicláveis e os próprios bancos comunitários. O Banco Palmas foi apoiado pelo BNDES, assim como a rede de bancos comunitários”. Ela explica, ainda, que “quando olhamos os catadores de materiais recicláveis não é uma ação filantrópica, é parte de uma cadeia produtiva e precisamos fortalecer sua capacidade de negociação. Eles são parte relevante e devem ter a justiça do ganho dentro do processo produtivo”.
No atual momento, a instituição recebeu a demanda de fortalecer as áreas periféricas. “Estamos buscando formas de fortalecer o cooperativismo popular e as ações compartilhadas. Fazemos algumas caravanas ouvindo as periferias para entender os pontos que precisamos melhorar e como superar estas limitações”, explicou Ana Cristina. “A economia solidária traz um desenvolvimento decolonial e precisamos buscar alternativas, fazer com que o recurso chegue a quem mais precisa e trazer esta população para o processo produtivo”.
Ladislau Dowbor destacou o caráter local da economia solidária. “Um país com 5.570 municípios não vai funcionar se o nível local não funcionar. No Brasil os municípios administram diretamente 15% do orçamento público. Na Suécia é 72% e na China é ainda mais. Estudos recentes caracterizam China como uma ‘mayor economy’, uma economia de prefeitos”, observa Dowbor. “O dinheiro só será mais produtivo se for gerido no nível em que a população tem problemas. Temos que enfrentar o desafio da capilaridade. Cada município deveria ter o seu núcleo de gestão de economia solidária”. O economista citou ainda que o recurso transferido do governo federal ao governo municipal “vai evaporando no caminho. Enquanto isso, o Bolsa-Família chega diretamente à dona de casa”.
Dowbor também falou sobre a necessidade de criar um cinturão hortifrutigranjeiro em volta das cidades. “Vou a Imperatriz e fico espantado. Tem tanta gente parada na cidade e tanta terra parada fora da cidade. Na China as cidades têm um cinturão hortifrutigranjeiro que gera emprego. Em Imperatriz, 80% do que é vendido no mercado chega em caminhões vindos de São Paulo”, observou. “Canadá, China, Suécia e Dinamarca são sistemas profundamente descentralizados. O alemão raramente coloca seu dinheiro em um banco, coloca em caixas locais”.
Joaquim de Melo Neto é coordenador-geral da Rede Brasileira de Bancos Comunitários e diretor institucional da plataforma E-Dinheiro, que dispõe de serviços financeiros com moedas sociais e comunitárias. “A economia solidária remete ao local. Por natureza, remete à convivência com a comunidade, à autogestão, à periferia, ao bairro e ao município. Eu só posso salvar a economia do planeta se salvar a economia local”, argumentou. “Hoje os dois maiores problemas que temos são a desigualdade e a questão climática. E eles são fruto do modelo econômico que estamos vivendo, essa forma de organizar a economia”.
Melo citou também que no Banco Palmas há cursos para ensinar conceitos econômicos à população. “Eles precisam entender como funciona o fluxo do dinheiro, para onde vai e por que é que ontem o Banco Central aumentou a Selic em 1 ponto percentual”, observou Melo. Sobre a lei recentemente aprovada no Congresso Nacional (e à espera da sanção presidencial), mencionou a importância de um sistema nacional de economia solidária. “No SUS há o posto de saúde, a UPA, a policlínica, o hospital estadual. Isso é um sistema. Com esta lei, o Brasil terá que criar um sistema de economia solidária. A prefeitura precisará fazer uma licitação e encontrar uma forma de comprar materiais da economia solidária. Não é possível que no bairro da minha periferia, na escola pública ou no posto de saúde o sabão e o material de limpeza não sejam comprados da empresa do bairro”, finalizou.