Podcast Economistas: Bets, uma ilusão caríssima para os brasileiros
No podcast Economistas desta semana, Pedro Afonso Gomes explica como o mercado de apostas eletrônicas cresce à custa das classes mais vulneráveis e do consumo familiar e defende projetos de lei que inibam esta “falcatrua absoluta”
As apostas de quota fixa, nas quais se inserem as apostas esportivas, foram liberadas no Brasil em 2018. A medida provisória que tratava do assunto foi convertida em lei em dezembro daquele ano. O texto previa que a regulamentação ocorresse em até quatro anos, o que acabou não acontecendo. Neste período, o mercado das bets cresceu sem arrecadação para a União e com boa parte das empresas sediadas em paraísos fiscais. Já os cassinos online, que impulsionaram ainda mais este setor, foram liberados em 2023. Desde então, o governo tem se debruçado sobre medidas de regulamentação das bets. Ao mesmo tempo, representantes de outros setores da economia expressam bastante preocupação com o crescimento da atividade.
Mas que fatores fazem com que esta modalidade de apostas seja tão popular no Brasil? “Podemos dividir os apostadores em duas categorias: os gananciosos e os desesperados”, afirma Gomes. “No Brasil, 90% dos trabalhadores não chega a ganhar 2,5 salários mínimos, enquanto os 1% mais ricos abocanham 63% da riqueza. Aqueles que estão fora desse círculo de privilegiados buscam, de outra forma, ganhar alguma coisa e se estribam nas loterias e nas apostas”.
A educação financeira, na visão de Gomes, tem um papel importante para combater um cenário como este. “Ajudaria muito as pessoas a conseguirem sobreviver com sua renda e obterem novas fontes de renda”, comenta o economista. “Chega um momento em que ela precisa e não tem recursos, e também não tem tempo para gerar esta renda. Aí surge o desespero das apostas. O fato de termos 63 milhões de endividados no Brasil mostra que muita gente perdeu o controle das suas finanças. Este número poderia ser bem menor se houvesse educação financeira desde os primeiros bancos escolares”.
O número de brasileiros que apostaram em bets nos últimos cinco anos chegou a 52 milhões de pessoas, o que corresponde a aproximadamente um quarto da população do País. Já o número de investidores com saldo no Tesouro Direto, no mês de março, era de 2,5 milhões de pessoas, com um total de 28 milhões de cadastros. O que leva a pensar que a economia brasileira, em vez de um bull market ou um bear market, vive um “tiger market”.
“É muito maior o número de pessoas que apostam imaginando que vão ganhar, mas é mínimo o número de apostadores que recebem seu prêmio. Quem faz uma aplicação no Tesouro Nacional ou outra aplicação vai ganhar, normalmente, pouco mais do que a reposição do poder de compra da moeda”, aponta Gomes. “O número aproximado é que as loterias distribuem cerca de 10 a 15% do que arrecadam. O restante é embolsado pelos organizadores e, especialmente, na publicidade para aumentar o número de apostadores”.
Um dos efeitos econômicos menos visíveis da popularização das bets está no fato de que este tipo de jogos drena recursos das pessoas de menor renda, exatamente pelo efeito da ilusão de ganho. Os ganhos ficam com as casas de apostas, que cobrem gastos com informática e com comunicação e publicidade. Hoje existem clubes de futebol, empresas, escolas de samba e veículos de comunicação que são financiados por casas de apostas.
“Esse é um grande problema. Iludido por este discurso, ou por amor a seu clube, o apostador vai apostando. Aposta 1 real e perde; aposta 2 reais e perde; aposta 10 reais e perde. Quando ele se der conta, já terá perdido 100 reais que farão falta no seu orçamento”, observa o economista. “Ele, desesperado, aposta e se endivida. Aqueles que mais precisam são os que mais apostam valores pequenos que, somados, resultam numa grande falta de recursos para a classe mais popular”.
“Todas as vezes que uma pessoa joga dinheiro fora – e apostar é jogar dinheiro fora – outra se beneficia. Aquilo que foi fruto do trabalho, e que deveria ir para a família, acaba indo para estes aproveitadores. Isso faz com que a população de menor renda, que já ganha pouco, tenha menos recursos ainda para sobreviver”, prossegue Gomes. “Se as pessoas que recebem Bolsa-Família, em vez de comprarem mantimentos, começarem a apostar, na verdade elas desviarão o dinheiro que deveria ser para a sua sobrevivência e para o sustento do comércio local – e para uma atividade que não tem nenhum sentido do ponto de vista econômico, mesmo que recolha impostos. Os efeitos deletérios na economia são imensos”.
Outros setores da economia também sentem estes efeitos. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) foi ao Supremo Tribunal Federal para questionar a constitucionalidade da Lei 14.790/2023, a chamada Lei das Bets. A preocupação se deve ao desvio no consumo das famílias, o que impacta diretamente o setor varejista.
“De fato, a Confederação tem razão. Se o valor da aposta fosse redistribuído não haveria problema, porque vai de uma pessoa para outra e esta outra pode consumir. Mas não é o que ocorre”, observa o presidente do Corecon-SP. “O dinheiro vai de uma pessoa de poucas posses para alguém que já tem muito e atingiu o limite do consumo. Então ela poupa, manda para fora do Brasil. Então ocorre o fenômeno mencionado pela CNC e acaba com o consumo das famílias. Quando se reduz os gastos com alimentação e a pessoa gasta em bets, ela precisa comer. E como vai comer? Com a ajuda do governo. Precisará de mais recursos públicos”.
Desde o ano passado os cassinos online ganharam muitos adeptos e há relatos de pessoas que perderam dezenas de milhares de reais, ou até mais, com apostas eletrônicas. Por isso, Pedro Afonso Gomes enfatiza a necessidade de controle por parte do governo e de projetos de lei que regulamentem e limitem o poder de dano que as apostas podem causar.
“A população, de modo geral, pela necessidade ou falta de conhecimento, acredita que a bet vai lhe dar futuro. São contratados influenciadores que dizem isso, eles estão ganhando muito dinheiro. Temos um excesso de propaganda, de comunicadores que fabricam essa falsa ilusão, fazendo com que a população se endivide mais”, critica. “Quanto mais dinheiro para estas bets, como a do tigrinho, mais recursos para fazer propaganda. E qual é o limite? O limite é quando as pessoas não tiverem mais como sobreviver e conseguir mais empréstimos. Por isso a importância do controle pelo governo e dos projetos de lei que inibam essa falcatrua absoluta que são as bets”.
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