Economia circular: repensar, reduzir, reutilizar
No dia 08 de maio foi divulgado o Plano Nacional de Economia Circular. Michelle Martins, professora da UFV, aborda o tema no podcast Economistas desta semana
Está no ar mais um episódio do podcast Economistas, e o tema desta semana é economia circular! Num mundo marcado pelo uso intensivo de recursos naturais e pela geração de resíduos, é necessário rever os modelos tradicionais de produção e consumo. Quem conversa conosco é Michelle Martins, graduada e mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa e doutora em Economia pela ESALQ/USP. O podcast pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.
A economia circular é uma abordagem que propõe um sistema econômico regenerativo, baseado na redução do desperdício, na reutilização de materiais e na valorização de processos sustentáveis. Ao contrário do modelo linear, no qual se extrai, produz e descarta, a economia circular busca manter os recursos e produtos em uso pelo maior tempo possível, promovendo benefícios ambientais, sociais e econômicos.
“No modelo linear extraímos recursos da natureza e produzimos bens, depois consumimos e descartamos, sempre numa mesma direção. Este ciclo termina com muito desperdício e os produtos vão para o lixão”, aponta Michelle. “Há um custo ambiental e econômico muito alto pela extração de novas matérias-primas e descarte inadequado”.
Na economia circular, os materiais são utilizados por mais tempo. “Um exemplo que já funciona muito bem no Brasil é o das latas de alumínio. Quase 99% delas são recicladas”, apontou a professora da UFV. “Isso representa um ganho direto para a indústria, porque evita a extração de matéria-prima, que é um processo mais caro e ambientalmente mais danoso. A reciclagem reduz o custo de produção da empresa, ela gasta menos energia e gasta menos no acesso a uma matéria-prima que já existe. Gera um ganho de eficiência e competitividade”.
No ano de 2024 foi instituído no Brasil o Fórum Nacional de Economia Circular, composto por 36 representações, de ministérios, agências, instituições públicas e dos setores empresarial, sindical e de empreendedorismo, além de organizações da sociedade civil. Entre as atribuições estava a elaboração do Plano Nacional de Economia Circular – que foi apresentado no dia 08 de maio.
“Reciclamos muito pouco, o que representa perdas econômicas que as empresas poderiam ter ao recuperar estes itens que já existem. Além desses benefícios econômicos, a economia circular também vai resolver, de alguma maneira, o problema dos lixões: no Brasil, quase 32% dos municípios ainda utilizam lixões como destino final dos resíduos, e eles estão proibidos desde 2014”, comenta Michelle.
O documento apresenta 18 macro-objetivos e 71 ações para implementação nos próximos 10 anos. Ele está fundamentado em cinco eixos estratégicos: criar um ambiente normativo e institucional favorável à economia circular; fomentar a inovação, a cultura, a educação e a geração de competências para reduzir, reutilizar e promover o redesenho circular da produção; reduzir a utilização de recursos e a geração de resíduos, de modo a preservar o valor dos materiais; propor instrumentos financeiros de auxílio à economia circular; e promover a articulação interfederativa e o envolvimento de trabalhadores da economia circular.
“Este plano tenta reduzir a quantidade de lixo gerado e o descarte incorreto dos produtos para tentar tornar a economia mais circular e ampliar nossos apenas 8% de resíduos reciclados”, comenta Michelle. “Reciclamos muito pouco, o que representa perdas econômicas que as empresas poderiam ter ao recuperar estes itens que já existem. Além desses benefícios econômicos, a economia circular também vai resolver, de alguma maneira, o problema dos lixões: no Brasil, quase 32% dos municípios ainda utilizam lixões como destino final dos resíduos, e eles estão proibidos desde 2014”.
A transformação de um modelo econômico linear para um modelo circular não é simples. Ela está repleta de desafios que vão desde a falta de infraestrutura adequada para a gestão de resíduos até a cultura do consumo descartável e pouca educação ambiental.
“Para romper essa baixa taxa de reciclagem, teríamos que promover mais a coleta seletiva. É importante educar os brasileiros sobre os benefícios da separação do lixo”, pontuou Michelle.
“O primeiro desafio é a infraestrutura inadequada. Os lixões não só contaminam o solo e a água, como também desperdiçam materiais que poderiam ser reaproveitados numa lógica circular”, explica. “Outro desafio é a baixa taxa de reciclagem: o país é referência em alguns itens, como alumínio, e também reciclamos cerca de 67% do papel, mas poderíamos fazer muito mais, principalmente com o plástico: nosso índice de 23% é muito baixo se comparado ao de 40% da União Europeia”.
“Para romper essa baixa taxa de reciclagem, teríamos que promover mais a coleta seletiva. É importante educar os brasileiros sobre os benefícios da separação do lixo”, pontuou Michelle. “Teríamos, também, que romper a cultura do que é descartável. Nossa sociedade tende a valorizar o novo e, para isso, descarta os itens mais antigos. É um problema que começa desde o desenho do produto, que é projetado para a obsolescência. Eletrônicos, celulares e computadores são produtos com obsolescência programada. O descarte incorreto gera 3 milhões de toneladas de lixo anualmente”.
Outros desafios observados pela professora da UFV têm a ver com inovação e tecnologia e com o marco regulatório: “Muitas empresas ainda carecem de conhecimento técnico e recursos para desenhar seus produtos e processos produtivos a fim de seguir os princípios da circularidade. Temos também um sistema tributário muito complexo, que pode penalizar o uso de materiais reciclados. Também precisamos de políticas que promovam benefícios para as empresas que utilizem bens reciclados e remanufaturados”.
O Plano Nacional de Economia Circular propõe a criação de fundos específicos para fomentar a circularidade dos negócios. Além disso, prevê a simbiose industrial, um conceito no qual os resíduos de uma empresa podem se tornar insumos para outra. O Plano também pretende harmonizar normas e regulamentos para criar um ambiente normativo favorável à economia circular e reconhece o papel das cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis. Além disso, há a proposta de incluir a economia circular nas escolas, em programas de educação ambiental, a fim de tornar este conhecimento mais acessível às pessoas.
Perguntamos a Michelle Martins o que muda para os consumidores e pequenos empreendedores com as metas previstas para os próximos 10 anos. “É esperado maior acesso à coleta seletiva e ao sistema de logística reversa, e que os consumidores tenham maior facilidade para reciclar seus produtos, com pontos de coleta mais acessíveis e sistemas mais eficientes. Isso deve aumentar as taxas de reciclagem”, afirma. “Outra mudança importante será a maior disponibilidade de produtos circulares no mercado, duráveis e reparáveis. Ao invés de comprar um secador que dure poucos anos e depois é descartado, os consumidores terão acesso a produtos projetados para durar mais, com peças mais facilmente substituíveis”.
Ela também menciona que haverá um modelo de consumo baseado no uso e não na posse. “Ao invés de comprar uma bicicleta que vai usar poucas vezes, o consumidor vai adquirir um serviço de mobilidade que lhe dará acesso a esta bicicleta quando precisar”, analisa Michelle. “Pequenos empreendedores terão novas oportunidades, porque é esperada maior demanda por serviços de reparo, remanufatura e reciclagem. Esta é uma área em que os pequenos negócios podem prosperar”, prossegue.