André Roncaglia: choque tarifário impõe ajuste fiscal mais forte aos países emergentes
Economista falou em evento promovido pelo Cofecon e Corecon-DF, com apoio de universidades do Distrito Federal e analisou a reconfiguração da economia internacional após as tarifas de Trump
A Universidade de Brasília recebeu nesta quinta-feira (29) um debate promovido pelo Cofecon e pelo Corecon-DF com o economista André Roncaglia, diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional. O tema foi “Nova ordem internacional e o choque tarifário: impactos sobre os países emergentes”.
“É um momento muito rico, quando reunimos uma mesa com tanta representação de universidades. Este debate é muito oportuno e importante, afeta nossas vidas e os países em desenvolvimento. Agradeço ao professor Roncaglia por vir discutir este tema, para tentarmos encontrar um caminho que seja bom para os países emergentes”, expressou a presidenta do Cofecon, Tania Cristina Teixeira.

A presidenta do Corecon-DF, Luciana Acioly, destacou o momento de mudanças vivido pelo mundo: “Estamos vendo a ascensão de novos polos de poder e o enfraquecimento do multilateralismo, choques de ofertas globais e outros temas que têm desafiado a interpretação do mundo em que vivemos. A partir de sua posição no Fundo Monetário Internacional, Roncaglia tem uma visão privilegiada destas transformações”, comentou a economista.
A professora Adriana Amado, da Universidade de Brasília, falou sobre o papel da universidade ao sediar o debate. “Eventos como este são parte da missão da Universidade e sua interação com a sociedade”, pontuou a professora. “Darcy Ribeiro dizia que a Universidade precisa fazer jus à missão fundamental de interagir e dar soluções para problemas reais e concretos do Brasil”.
Contexto do anúncio das tarifas
Roncaglia iniciou sua palestra caracterizando a economia global antes das tarifas anunciadas por Donald Trump. “Os índices de desemprego estavam voltando aos patamares pré-pandemia, a economia global vinha se aquecendo, inclusive no caminho de uma pressão inflacionária e os bancos centrais, de maneira dessincronizada mundo afora, começaram a subir as taxas de juros”, observou. “O problema é que as economias estavam com dificuldade de retomar o patamar de renda e crescimento pré-pandemia, então já existia um desgaste nos sistemas econômicos que não conseguiam retomar sua produtividade, com exceção dos Estados Unidos”.
As principais potências estão com dificuldade de sustentar sua produtividade e garantir o emprego e a estabilidade social. “Eles começam a procurar suspeitos pela sua dificuldade. E, em geral, quem é chamado para sustentar a atividade são os governos. A economia mundial vai desacelerando e o papel dos governos vai crescendo”, pontuou. É neste contexto que surgem as tarifas de Donald Trump. “Vivemos uma economia de baixo crescimento e alto endividamento, com alto custo de rolagem da dívida e dificuldade para cumprir os pagamentos do serviço de juros. É a primeira vez que vemos um mundo tão pressionado por taxas de juros”.
Efeitos das tarifas
As tarifas, para o economista, são “baseadas numa regra questionada, com um princípio dúbio e impactos ainda piores de se prever do ponto de vista das redes de comércio. Com tamanha incerteza, todo cálculo econômico fica prejudicado, causando dificuldade para a alocação de capital no mundo”. Também apontou alguns efeitos sobre PIB e inflação no mundo, sendo difícil quantificar. “Com os modelos do FMI, se prevê uma retração da atividade em praticamente todas as regiões, com alguns destaques positivos. Países como o Brasil podem até se sair bem por um redirecionamento do comércio, mas é difícil saber quanto vai durar”.
Dentro do governo norte-americano, a visão dominante é que os Estados Unidos sofrem concorrência de vários países – sendo “explorados” por quem tem superavit comercial. Isso geraria uma pressão sobre o dólar como ativo seguro, tornando as importações mais caras, aumentando a dívida e fazendo com que o governo tenha que gastar mais para sustentar a atividade econômica. Neste sentido, os Estados Unidos buscariam um dólar mais fraco. Com as tarifas, para acessar o mercado americano, seria necessário produzir dentro dos Estados Unidos.
“Para atingir este resultado, é preciso reindustrializar os Estados Unidos. Não está claro se é uma atualização tecnológica ou a retomada de uma visão do pós-guerra de uma atividade densa em combustíveis fósseis, que é uma importante base de apoio de Trump”, apontou Roncaglia. Outra ferramenta é fazer os acordos de tarifas obrigando os países a comprarem dívida pública americana com uma taxa de juros menor que a de mercado. “Não é um negócio da China porque, neste caso, vem de outro lugar”, brincou o economista. “O efeito significativo das tarifas é gerar uma ameaça sobre os países para eles comprarem um lugar na fila. Na minha primeira entrevista sobre o assunto, falei assim: são mais de 190 países, um presidente e um secretário do Tesouro. Eles não atendem ao mesmo tempo”.
Efeitos sobre o Brasil
Para um país emergente como o Brasil, há crescimento da dívida pública num prazo curto e redução de gasto público (para manter a estabilidade da dívida). A inflação cai, depois volta a crescer. A taxa de juros de longo prazo cresce no curto prazo, depois se estabiliza. “As economias emergentes em desenvolvimento têm que reduzir mais o gasto para poder equilibrar suas contas. Elas perdem receita no curto prazo e, quando retomam, seu ganho é moderado. Esse choque impõe aos países um ajuste fiscal mais forte, que vai afetar primeiro o gasto social. Aliás, os investimentos públicos tendem a cair de maneira persistente, assim como os subsídios que podem, por exemplo, levar à inovação”.
Roncaglia também apontou que a volatilidade financeira é negativa para quem exporta commodities. “O Brasil consegue segurar por meio de uma diversificação e aumento de volume, mas muitas economias não conseguem”, explicou.
André Roncaglia é graduado e mestre em economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e doutor pela Universidade de São Paulo. Foi professor em diversas universidades – entre elas, a Universidade de Brasília, que sediou o evento – e é autor de vários livros. Em 2024 foi premiado pelo Cofecon com o título de Personalidade Econômica do Ano. É autor e coautor de vários livros, entre eles Bidenomics nos Trópicos, Poder e Desigualdade e Brasil, Uma Economia que Não Aprende. Este último foi escrito com Paulo Gala e conquistou o primeiro lugar no Prêmio Brasil de Economia de 2021.
Comentário do mediador
Ao fazer seu comentário após a palestra, o economista e conselheiro federal Antonio Corrêa de Lacerda, mediador do debate, destacou a importância econômica do momento atual. “Digo aos estudantes de economia, nós estamos assistindo à ruptura econômico-financeira de paradigmas que estão presentes na economia mundial há várias décadas. A ordem econômica estabelecida foi definida em Bretton Woods. O mundo viveu 30 anos de forte crescimento até que, nos anos 70, houve a ruptura unilateral dos Estados Unidos. A despeito dos problemas, o dólar seguiu sendo a moeda de referência internacional”, apontou Lacerda. Ele também citou quatro eventos que estão alterando a globalização: a pandemia de Covid-19, a crise climática, os conflitos geopolíticos e a guerra tarifária. “Eles estão provocando um verdadeiro reordenamento da produção industrial. Para os países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, isso representa um desafio imenso”.
Opiniões
O professor Riezo Almeida, do IESB, destacou a atualidade do debate. “Como economista de nível mundial, o professor Roncaglia trouxe aplicações práticas na nossa economia brasileira”.
Para João Gabriel de Araújo, do Ibmec, o debate cumpriu com todos os objetivos. “Apresentou de forma muito efetiva a realidade dos países emergentes com respeito à dinâmica pós-pandemia. O evento contribuiu efetivamente para a compreensão da transição global que tem ocorrido”.
Já Rafael Ferraz, professor da Universidade Católica de Brasília, o debate “traz uma diversidade de vozes e apresenta aos alunos várias visões sobre os eventos recentes, além de mostrar a importância do instrumental que se aprende no curso de economia”.
A diretora acadêmica da UIPS, Ana Luiza Fernandes Mendes, destacou a importância de apoiar institucionalmente o debate. “A UPIS formou cerca de 2 mil economistas desde a década de 1990. São profissionais que importam muito para a sociedade, principalmente na concepção de políticas públicas”.
Apoio institucional
O evento contou com o apoio institucional da Universidade de Brasília, da Universidade Católica de Brasília, do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB), do Ibmec, do Centro Universitário UDF, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e da União Pioneira de Integração social, além do Corecon Acadêmico e da Federação Nacional dos Estudantes de Economia (Feneco).