Podcast Economistas: Desigualdade tributária e solidariedade fiscal

Economista Pedro Humberto de Carvalho, autor do livro Solidariedade Fiscal, analisa dados internacionais, informalidade e isenções de impostos

Está no ar mais um episódio do podcast Economistas e o tema desta semana é a tributação no Brasil. Quem conversa conosco é o economista Pedro Humberto Carvalho, autor do livro Solidariedade Fiscal, escrito em parceria com Alexandre Cialdini e Claudia de Cesare e publicado pela editora Contracorrente. O livro apresenta uma análise da arrecadação tributária e do gasto público no contexto internacional e compara o Brasil com um grupo de 26 países. O podcast pode ser ouvido na sua plataforma favorita ou no player abaixo.

Na obra, os países foram classificados em quatro grupos. O primeiro compreende as economias avançadas da Europa e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com exceção do Chile; o segundo grupo abrange todos os países latino-americanos; o terceiro grupo abarca os demais países de renda média alta; e um quarto grupo contém os demais países de renda média baixa e baixa.

Entre os dados analisados, o Brasil teve uma arrecadação de 31,9% do PIB em 2019, que foi o último ano antes da pandemia de covid-19. Entre os países listados, o brasil ocupa a trigésima posição no ranking de arrecadação tributária como percentual do PIB e o terceiro lugar entre os países latino-americanos. Mas esta situação significa que o país tenha uma carga tributária alta?

“Não, por três principais motivos. Primeiro, o Brasil tem um sistema de seguridade social público que a maioria dos países de renda média não possui, o que demanda recursos para financiar os benefícios previdenciários e assistenciais e o gasto com saúde”, aponta Carvalho. “Além disso, o peso do setor informal, não computado na estatística oficial, é de 33% do PIB, o dobro da maioria dos países de economias avançadas. Com isso, o indicador de carga tributária do Brasil se afasta do indicador médio destes países. E terceiro, o Brasil tem uma população gigantesca e a arrecadação per capita em dólar, em paridade de poder de compra, é apenas a número 53 no mundo, atrás de países como Argentina, Turquia e Sérvia”.

Ele aponta que a comparação do Brasil com países de carga tributária semelhante em proporção do PIB (como Espanha e Reino Unido) possui uma diferença fundamental. No Brasil, a arrecadação tributária per capita em paridade de poder de compra é de apenas 4,5 mil dólares, contra 15 mil na média dos países desenvolvidos. O número mostra a disparidade entre os recursos disponíveis para executar políticas públicas.

Outra questão relevante que surge é se a redução de impostos pode impulsionar o crescimento econômico. “Não há uma relação direta entre crescimento econômico e carga tributária. Diversos países europeus e o Japão no pós-guerra tiveram altas taxas de crescimento econômico com o Estado de bem-estar social”, argumenta Carvalho. “Os antigos países socialistas da Europa oriental, nas décadas de 1990 e 2000, também apresentaram crescimento econômico com elevadas contribuições sociais. Outros países, sobretudo na Ásia, obtiveram crescimento com baixa carga tributária, mas isso não se traduziu em melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano ou redução da desigualdade”.

Outra questão importante em relação à carga tributária brasileira diz respeito à sua estrutura. Enquanto na média dos países desenvolvidos há uma tributação maior sobre a renda e a riqueza, no Brasil ela é mais concentrada na produção e no consumo. O resultado é um modelo tributário altamente regressivo, que faz com que a maioria da população tenha a sensação de estar pagando uma carga excessiva de impostos.

“O Imposto de Renda de Pessoa Física tem alíquota marginal de 27,5%, mas isenta dividendos e outras rendas de capital”, aponta o economista. “Segundo a base de declarações de imposto de renda, quem possui uma renda mensal de R$ 15 mil sofre uma tributação do imposto de renda e contribuição previdenciária somadas de 14%, enquanto quem possui renda mensal de R$ 300 mil sofre uma tributação de apenas 3,5%”.

O livro Solidariedade Fiscal propõe uma nova perspectiva sobre a tributação no Brasil. Eles argumentam que o termo “carga tributária” possui uma conotação negativa, pois sugere um peso excessivo dos impostos sobre os contribuintes. Em vez disso, introduzem o conceito de solidariedade fiscal, enfatizando a responsabilidade coletiva dos cidadãos em contribuir com impostos para financiar serviços públicos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura. Outro argumento defendido pelos autores é que quando se fala em uma carga tributária de 32% do PIB, não se considera a economia informal, que no brasil é estimada em 33% do PIB. Assim, a carga tributária real seria de 24%, nível compatível com países como Tunísia, Ucrânia e Lituânia.

“O livro realça o termo solidariedade fiscal para desmistificar a falácia da alta carga tributária. É uma escolha da sociedade possuir um sistema de seguridade social que amenize a pobreza e todas as externalidades negativas trazidas por ela”, explica Carvalho. “O livro também realça que as diversas tentativas do Legislativo de reduzir as contribuições previdenciárias patronais para aumentar o emprego e a competitividade externa não se basearam em países comparáveis ao Brasil. Ele também realça que a carga tributária é mal distribuída, concentrada na tributação indireta, com baixo nível de tributação das rendas do capital e da propriedade”.

O Projeto de Lei 1.087/2025 propõe mudanças importantes na tributação da renda no Brasil. Amplia a faixa de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês, aliviando a carga tributária sobre os salários. Por outro, propõe tributar lucros e dividendos recebidos por pessoas com rendimentos acima dos R$ 50 mil mensais a fim de assegurar que elas tenham uma tributação mínima de 10% de suas rendas – os lucros e dividendos são isentos no Brasil desde 1995.

“O projeto visa a amenizar a carga tributária dos salários com o aumento do limite de isenção para R$ 5 mil, compensado com uma tributação mínima de 10% dos 2% mais ricos, que são aqueles com renda mensal superior a R$ 50 mil. Apesar de ainda existirem várias isenções, este é um passo para maior justiça tributária no Brasil”, finaliza Carvalho.

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