Beatriz Saes defende conceito de justiça ambiental: “Países não contribuíram igualmente para o problema”
Economista abordou o assunto em live organizada pela Comissão Sustentabilidade Econômica e Ambiental do Cofecon, realizada nesta quarta-feira (14)
O Conselho Federal de Economia realizou nesta quarta-feira (14) o primeiro seminário do ciclo “Diálogos Econômicos à Luz da COP30”, promovido pela Comissão Sustentabilidade Econômica e Ambiental. O evento foi transmitido pelo canal do Cofecon no YouTube (assista abaixo) e contou com a participação da economista Beatriz Macchione Saes.
Beatriz apontou que as mudanças climáticas deixaram de ser uma ameaça futura: já vivemos os impactos — como eventos extremos, secas, enchentes e colapso de ecossistemas — que afetam principalmente os mais pobres. “Estamos nos aproximando muito rapidamente daquilo que achávamos que estava distante. No ano passado superamos o limite de 1,5 grau em relação aos níveis pré-industriais”, alertou a economista.
Ela também abordou o conceito de justiça ambiental: “Uma ideia importante que surgiu neste contexto foi a ideia da dívida ecológica. Este conceito foi formulado por organizações populares da América Latina e África que denunciavam que, durante muitos séculos, o Norte Global se apropriou dos nossos recursos naturais, energia e trabalho. Temos fluxos desiguais de comércio, e mais a expropriação dos recursos naturais do Sul Global e uma poluição que é desigual”, comentou Beatriz. “A ideia parece radical, mas foi parcialmente incorporada na própria Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre mudanças do clima. Um dos princípios contidos nela é o da responsabilidade comum, porém diferenciada. Os países não contribuíram igualmente para o problema e as capacidades que eles têm de fornecer respostas são diferentes”.
Beatriz também abordou o financiamento climático como o maior ponto de tensão atual entre Norte e Sul global. O compromisso de US$ 100 bilhões anuais feito em 2009 não foi plenamente cumprido, e os valores atuais (empréstimos e não doações) estão muito aquém do montante anual de US$ 1,3 trilhão estimado como necessário para uma transição justa. “Houve uma COP em 2009, em Copenhague, onde se estabeleceu pela primeira vez uma meta de financiamento climático. Os países desenvolvidos se comprometeram a mobilizar 100 bilhões de dólares anuais até 2020. Era um número muito baio, mas não foi bem cumprido”, explicou a economista. “Mais de 50% deste total era apresentado na forma de empréstimos, aumentando o endividamento dos países do Sul Global”.
O financiamento climático se dá em três categorias: mitigação (promoção da transição, com mais de 70% dos recursos), adaptação (preparar territórios para mudanças já em curso) e perdas e danos. “Tem impactos que são irreversíveis, não tem como adaptar, há danos que já aconteceram. Envolvem territórios e culturas e exigem reparações”, argumenta Beatriz. “Essa é a categoria que mais se aproxima da noção de dívida ecológica. Foi apenas na COP27, em 2022, que se criou um fundo específico para perdas e danos”.
A economista também alertou para o risco de o financiamento climático reproduzir desigualdades estruturais, sobretudo se continuar baseado em empréstimos e em uma lógica de neoextrativismo verde, que transforma os países da América Latina apenas em fornecedores de recursos naturais para a transição energética dos países ricos, sem transferência de tecnologia ou valorização dos modos de vida locais. “Aquilo que resta do orçamento global de carbono está sendo apropriado pelos países do Norte global, que emitem muito mais do que o Sul Global. É um problema estrutural que se reflete na continuidade desse endividamento ecológico”, pontua Beatriz. “O financiamento poderia apenas reduzir estes problemas se não transferir conhecimento e tecnologia, que serão fundamentais para essas populações. Na América Latina já falamos de um neoextrativismo verde”.
Por fim, a economista defendeu que a justiça climática deve ser pensada também como transformação econômica estrutural. Isso envolve reconhecer a dívida ecológica, democratizar os mecanismos de financiamento, impedir a repetição da lógica colonial na nova economia verde e promover a valorização de territórios e culturas que resistem à lógica extrativista. A realização da COP 30 na Amazônia, segundo Beatriz, é uma oportunidade única para o Brasil — e o Sul Global — assumirem um papel de liderança propositiva na governança climática mundial.