Economia, Formação, Mercado de Trabalho, Gênero e Diversidade

O que leva à diferença entre homens e mulheres nos salários e na ocupação de cargos de liderança? De que maneira as políticas de formação acadêmica e profissional podem impactar a participação de gênero? Qual é a importância de uma participação igualitária na formulação de políticas públicas? Em que áreas do mercado de trabalho a igualdade de gênero tem se desenvolvido melhor? Qual o impacto da maternidade na carreira das mulheres? E como incentivar mais mulheres a ingressar e permanecer no campo das Ciências Econômicas?  Estas e outras questões foram discutidas no Seminário Economia, Formação, Mercado de Trabalho, Gênero e Diversidade realizado no dia 11 de outubro, em Brasília.

O evento teve como objetivo abordar questões cruciais relacionadas à igualdade de gênero no campo das ciências econômicas e oferecer uma plataforma para a discussão de políticas, tendências e práticas que promovam um ambiente mais equitativo e inclusivo para a mulher, e contou com grandes referências femininas no campo da ciência econômica brasileira. Com várias abordagens, dada a complexidade da temática, o debate teve foco no mercado de trabalho, na formação das economistas, no ensino nas universidades, no desenvolvimento econômico e na questão racial, sempre buscando entender a questão de gênero, raça e diversidade ao longo dos anos.

Na Mesa de Abertura do evento, vários participantes mencionaram a importância do trabalho de Claudia Goldin, anunciada nesta semana como ganhadora do Prêmio Nobel de Economia de 2023, e da contribuição dada por ela ao estudo das diferenças econômicas de gênero. Também foram destacados o papel do Sistema Cofecon/Corecons e a importância de que o debate de gênero vá além do espaço acadêmico.

A Mesa 01, cuja moderação foi realizada pela conselheira Federal Maria de Fátima Miranda, trouxe a temática economia e mercado de trabalho. Andréa Cristhine Prodhol Kovalczuk, vice-presidente do Corecon-PR, abordou o tema “A Mulher na Perícia Econômico-Financeira”. Mostrou a importância dos núcleos de perícia nos Corecons e sua relação com os Grupos de Trabalho Mulher Economista. Comentou a importância da Comissão de Perícia Econômico-Financeira do Cofecon que, em parceria com os Corecons, tem divulgado bastante a atividade. Além de falar o que é perícia, demonstrando as vantagens da profissão e algumas características importantes para exercê-la reforçou que o número de mulheres que exercem essa atividade tem crescido nos últimos anos. A vice-presidente do Corecon-SC, Eliane Maria Martins, falou sobre o agronegócio e o meio ambiente à luz do trabalho do economista. Silvana Parente, diretora de Economia Popular e Solidaria do Ceará, trouxe a problemática dos microempreendedores individuais, e abordou as causas e porquês da desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Chamou atenção para o trabalho não remunerado das mulheres e para a necessidade de mais políticas públicas voltadas para a economia dos cuidados. Finalizou a sua fala com a economia solidária, uma estratégia exitosa para minimizar as desigualdades sociais, especialmente de gênero e diversidade. Luiza Borges Dulci, gerente de projetos da Secretaria Geral da Presidência, abordou a economia dos cuidados.

A Mesa especial teve como destaque da presença da economista ministra Esther Dweck, da pasta da Gestão e Inovação em Serviços Públicos que abordou “Equidade de Gênero e Diversidade: impulsionando a inovação e o desenvolvimento econômico”. Começou sua exposição destacando o recente Prêmio Nobel de Economia recebido pela americana Claudia Goldin por seus estudos sobre a evolução do papel das mulheres no mercado de trabalho e o gap salarial e de oportunidades entre homens e mulheres ao longo do ciclo de vida. A ministra destacou que graças à força do movimento de mulheres e às próprias transformações no cenário socioeconômico, a atuação feminina hoje não mais se restringe à esfera reprodutiva. Entretanto, os avanços ainda são muito tímidos na igualdade de gênero, em especial no mercado de trabalho e nos espaços de poder.

A ministra apresentou uma série de dados sobre a desigualdade de gênero, tais como a baixa participação das mulheres nos cursos de ciências econômicas e nas áreas de C&T, a baixa participação das mulheres como candidatas nas eleições ordinárias de 2016 a 2022 no Brasil e níveis de ocupação e salário de homens e mulheres no Brasil e nos países da OCDE, entre outros dados. Destacou que o desenvolvimento brasileiro requer um estado empreendedor, apoiador, indutor e estratégico para o enfrentamento das desigualdades, destacando que reduzir a desigualdade de gênero contribuirá para o desenvolvimento, dadas as qualificações e potencialidades das mulheres, que hoje têm sido desperdiçadas.

Por fim, discorreu sobre uma série de políticas públicas inseridas em sua pasta e nas demais pastas do governo para o enfrentamento das desigualdades estruturais, como a força tarefa para revisar a lei de ações afirmativas; a ampliação do percentual de reserva de vagas cota para mulheres negras; a possibilidade de reserva de vagas para indígenas e quilombolas  no concurso unificado que está sendo estruturado pela sua pasta; e o programa de combate ao racismo e estímulo de lideranças negras no setor público. Abordou também as ações desenvolvidas pelo atual governo para a retomada do desenvolvimento, a exemplo da desconstitucionalização da regra fiscal e da retomada dos programas Bolsa Escola, Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos, Brasil Sorridente, Plano de Renegociação de Crédito (Desenrola Brasil), Plano Nacional de Vacinação, relançamento do PPA aberto e com participação social, entre outras ações.

A conselheira federal Ana Cláudia Arruda, moderadora da mesa, destacou a importância do momento atual da vida nacional brasileira com o novo governo, que traz novas esperanças de enfrentamento das desigualdades e fortalecimento dos valores nacionais, tais como a democracia, o respeito à legalidade e ao estado democrático de direito, o respeito aos direitos humanos, sendo, sobretudo, um governo de solução para as disparidades sociais e regionais. A economista destacou que este é o espírito do governo da ministra Esther Dweck. Ana Cláudia Arruda destacou, também, a importância do concurso nacional unificado, apresentado pela ministra, como forma de acesso para os candidatos das regiões Norte e Nordeste, bem como a importância de contratação, através de concurso público, de gestores comprometidos com a boa gestão das políticas públicas, tão necessárias ao processo de desenvolvimento.

A Mesa 02 teve como moderadora a Conselheira Federal Flávia Vinhaes, e trouxe a temática Economia Gênero e Diversidade. Maria Eduarda Tannuri Pianto pontuou que a educação como principal fator para a desigualdade de gênero já é algo superado e as mulheres têm maior escolaridade do que os homens, mas estes permanecem com remunerações superiores. Comentou que há um padrão de remuneração mais baixo para as mulheres com filhos e que mulheres brancas com nível superior têm as maiores remunerações dentre as mulheres. Defendeu horários de jornada mais flexíveis para as mulheres, além da implementação de políticas públicas de apoio à maternidade, como disponibilização de creches e escolas em tempo integral.

Já Maria Sylvia Macchione Saes, vice-diretora da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP, falou que a desigualdade de gênero atinge todos os países. Argumentou que o papel definido pela sociedade para a mulher nunca foi valorizado, se comparado ao trabalho dito produtivo. Pontuou que até o Censo de 1910 o principal trabalho feminino era o trabalho doméstico. Sylvia comentou o estudo premiado no Nobel de Economia, que concluiu não ter havido uma ascensão constante da mulher no mercado de trabalho e sim um movimento em forma de “U” desde a sociedade agrária, na qual a mulher trabalhava na propriedade rural junto ao homem, passando pela sociedade industrial, em que o homem ia para o mercado de trabalho e a mulher ficava no âmbito dos cuidados, até a transição para a sociedade dos serviços, em que a mulher melhora a sua escolaridade e tem acesso a pílula contraceptiva, além da valorização do seu papel, o que a recoloca nas atividades produtivas. Sylvia também citou que nos países desenvolvidos as mulheres são responsáveis por 45% da produção dos alimentos, enquanto ainda acumulam trabalho doméstico, ocasionando mais horas trabalhadas por semana do que os homens.

A vice-presidente do Corecon- BA, Isabel dos Santos Ribeiro, apresentou diversos indicadores do mercado de trabalho na Bahia, apontando a alta informalidade e a baixa remuneração, se comparados entre os dados do Nordeste e de outras regiões. O setor público é responsável pelas melhores remunerações no estado. As mulheres, além de menor participação no nível de ocupação, são maioria ente os desempregados, e o movimento verificado na Bahia acontece em todo o Brasil. Outro dado apresentado foi que 25,3% das chefes de família negras trabalhavam como empregadas domésticas.

Marilane Teixeira, professora da Universidade Estadual de Campinas, elogiou a lei que obriga a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Ressaltou que é necessário repensar a economia através de outra perspectiva. Afinal, o processo de inserção das mulheres negras e pobres se dá através da forma que elas se inserem na atividade reprodutiva, justo a fração da sociedade que tem maior dificuldade de acesso e permanência no mercado de trabalho. Entre as mulheres que se encontram fora do mercado de trabalho, 1/3 delas não procura emprego porque está envolvida com tarefas de cuidado. A professora pontuou que já no acesso ao mercado de trabalho, o salário de entrada das mulheres é inferior ao do homem. Por fim, disse que as políticas de combate à desigualdade social, mesmo promovendo melhoras de forma geral, não conseguem atingir o núcleo duro da desigualdade de sexo.

A Mesa 03 abordou a temática Ensino de Economia, Gênero e Raça. A mediação foi conduzida pela presidente do Corecon de Goias Kerssia Preda Kamenach. Em 2021, um total de 3.784 homens concluíram o curso de economia, enquanto o número de mulheres foi de 2.048, o que representa uma diferença de 1.736 graduados a mais do sexo masculino. Essa discrepância tem impactos significativos na representatividade das mulheres na área de economia. Estudo apresentado pelo Corecon-MG aponta que nas universidades do estado as estudantes do sexo feminino correspondem a apenas 39% do total de alunos matriculados no curso de Ciências Econômicas. Essa desigualdade também se reflete no corpo docente do curso.

Uma parte da explicação para esse cenário pode estar na percepção da sociedade em relação à área de economia, que muitas vezes é vista como dominada por homens. No entanto, é importante destacar que o Conselho Federal de Economia tem trabalhado ativamente para mostrar que as mulheres desempenham um papel fundamental nessa profissão e que a economia é uma área que pode ser igualmente exercida por indivíduos de ambos os sexos.

Participaram da mesa Adriana Amado, professora da faculdade de Economia, Administração Contabilidade e Gestão Pública da UnB; Valquiria Assis, presidente do Corecon-MG; Vilma Guimarães, conselheira do Corecon-DF; e Kellen Brito, professora do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Piauí

A mesa de encerramento teve como tema “Desenvolvimento econômico e igualdade racial: desafios para o Brasil”, com a moderação da conselheira federal Teresinha de Jesus Ferreira da Silva, coordenadora da Comissão Mulher Economista do Cofecon.

Thais Custodio, Coordenadora da Rede de Economistas Pretas e Pretos, iniciou o diálogo falando da importância do debate para o País, levando em conta o desmonte de políticas sociais que são fundamentais para o desenvolvimento econômico. Ela comentou como pensar um projeto político de um país continental heterogêneo como o Brasil, com 54% de pessoas negras (pretas e pardas), e como estes espaços de liderança e de poder de decisão seguem distantes para essa população.

Luciana Acioly, pesquisadora do IPEA e Conselheira do Corecon-DF.  Iniciou o debate mencionando a filósofa americana e feminista Nancy Fraser com seu livro “Feminismo para os 99% – um manifesto”, que faz uma discussão sobre o feminismo e a agenda liberal que torna esse tema bem distante para a grande maioria das mulheres. Fraser discute a diferença entre políticas de distribuição e políticas de reconhecimento (ou representação). O reconhecimento está atrelado a demanda das mulheres de estarem devidamente representadas nos fóruns, nas estruturas de poder, nas estruturas decisórias. A crítica de Nancy Fraser é que a representação tem sido uma bandeira adotada e alinhada à política neoliberal, e privilegia a meritocracia, a liberdade de mercado, o individualismo, a redução do tamanho do estado, e nas entre linhas assume a bandeira do antirracista, do não homofóbico, nas estratégias de mercado. Porém, a agenda neoliberal tem mostrado seus efeitos deletérios sobre a segurança econômica e o bem-estar social, sobretudo da maioria das mulheres.

Já a distribuição diz respeito a economia, a pactuação das políticas públicas. A discussão relevante é o trabalho, os seguros, quem paga impostos, exatamente o que as mulheres precisam em termos de apoio para ocuparem os lugares que merecem. Na representação, é como se toda a população estivesse representada, ou seja, no feminismo para 1% que é apropriado pelo mercado, mas na sua concretude não existe ali de fato a presença das pessoas historicamente marginalizadas. O que podemos tirar de Fraser:  existe uma dívida histórica com a inclusão, portanto é preciso juntar as duas agendas a da representação e da distribuição (que dá as condições mais salários, melhores condições de trabalho, seguro-desemprego, creche). Discutir essa questão à luz da especificidade brasileira. É isso que as mulheres economistas devem estar atentas: agenda de políticas que deve ir além da representação e incluir as políticas de distribuição.

O evento foi realizado pelo Conselho Federal de Economia (Cofecon) em conjunto com os Conselhos Regionais de Economia (Corecons) do Distrito Federal, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Pernambuco, Goiás e São Paulo, com o apoio da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão de Políticas Públicas (FACE – UnB), do Programa de Educação Tutorial DEG – UnB (PET) e do Centro Acadêmico de Economia da Universidade de Brasília (CAECO UnB), e foi realizado no auditório da FACE.

Confira o evento na íntegra clicando AQUI.

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