Sistema Cofecon/Corecons reúne economistas dos presidenciáveis

Quais são as medidas econômicas mais importantes para o governo que assumirá o Brasil em 1º de janeiro de 2023? A 17 dias do primeiro turno das eleições presidenciais o Cofecon, o Corecon-DF e o Fórum pela Redução da Desigualdade Social promoveram seminário com os assessores econômicos das várias candidaturas à Presidência da República. Um evento que se revestiu de importância por permitir que os presentes pudessem expor à sociedade suas propostas, questionar as políticas atualmente em curso e debater medidas que propiciem o desenvolvimento e reativar a economia do País, que pouco cresceu nos últimos anos.  

Mantendo a tradição democrática dos eventos realizados em anos eleições anteriores, todas as candidaturas foram convidadas. Aceitaram o convite, e se apresentaram por ordem determina em sorteio, os economistas Guilherme Mello (Luiz Inácio Lula da Silva) e Nelson Marconi (Ciro Gomes), presencialmente em Brasília; além de Carlos Arthur Newlands Junior (Sofia Manzano) e Eduardo Almeida (Vera Lúcia Salgado), que participaram de forma remota. Os assessores das demais candidaturas não se manifestaram quanto ao convite. O evento pode ser assistido na íntegra clicando AQUI 

No contexto geral, o foco das exposições foi demonstrar a importância do investimento em estratégias para promover o crescimento com desenvolvimento, inclusão social e respeito ao meio ambiente – gerando emprego e renda e reduzindo a desigualdade e a insegurança alimentar. O fortalecimento do papel do Estado foi abordado por todos, embora cada um deles o tenha defendido em diferentes graus. 

A necessidade de uma reforma tributária que atinja mais fortemente as altas rendas, diminuindo o peso dos impostos indiretos sobre produção e consumo e reintroduzindo um imposto sobre lucros e dividendos, como havia até 1995, ideia também defendida pelo Cofecon, também foi ponto de convergência entre os assessores econômicos.  

Coletiva  

Em coletiva de imprensa realizada logo após o Seminário, assessores econômicos conversaram e responderam perguntas de jornalistas da Agência Estado, Folha de S. Paulo, Valor, Jovem Pan News, Poder 360, Carta Capital, Metrópoles, entre outros veículos.  

Abertura 

Durante as falas de abertura, o presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, apresentou um quadro da economia brasileira. “Há uns anos não temos crescimento per capita, o desemprego é bastante significativo, o número de desocupados é de cerca de 10 milhões, mas o quadro é mais dramático porque se juntarmos os desalentados e desocupados, chegamos a um contingente de 25 milhões de pessoas, ou um quarto da população economicamente ativa. Temos o aumento da insegurança alimentar, o Brasil voltou ao mapa da fome”, explicou. “As políticas econômicas são fundamentais para a reversão deste processo. O crescimento econômico se transforma num pré-requisito para o desenvolvimento na sua acepção mais ampla, incluindo o lado social e o ambiental”. 

Para Lacerda, uma política econômica para combater as mazelas brasileiras passa necessariamente pela reconstrução de um projeto de nação e pela recuperação dos instrumentos de política econômica. “É preciso resgatar a função do Estado, cujo papel é insubstituível. As boas práticas internacionais e a boa literatura nos indicam a combinação do Estado com a iniciativa privada para a superação dos grandes desafios econômicos”, comentou o presidente do Cofecon. “A economia verde, as novas tecnologias e a transição energética nos impõem desafios e poucos países têm a escala do Brasil, mais a combinação de biodiversidade e capacidade hídrica”. 

José Luiz Pagnussat, presidente do Corecon-DF, destacou a importância do debate das propostas econômicas. “Dar transparência aos programas econômicos dos candidatos é um passo importante na construção de um bom governo. Não houve nenhum sucesso quando o candidato eleito não tinha um projeto”, recordou. “Mas não é suficiente ter um bom projeto, é preciso ter governabilidade e convencer a sociedade e os diversos atores que têm interesse em cada tema, falar sobre a importância dos projetos e ter capacidade de governo”. 

O Brasil ainda tem um longo caminho para alcançar os níveis de renda dos países desenvolvidos e, para isso, um bom projeto é fundamental. “Precisamos eleger estas políticas. Qual é a nossa política industrial? Qual é a estratégia para o agronegócio? O que queremos para a construção civil e como vamos romper os gargalos da infraestrutura?”, questionou Pagnussat. “Estamos aqui para debater, para que o próximo governo tenha conversado com a sociedade sobre o seu projeto. Espero que o seminário contribua com elementos importantes”. 

Wellintgon Leonardo da Silva entende que esta é uma oportunidade ímpar para conhecer o que pretendem, do ponto de vista da política econômica, os candidatos que disputam as eleições presidenciais. “O objetivo do Fórum é contribuir com as iniciativas da análise macro e traduzir para o cidadão na ponta, em linguagem acessível, para que ele tenha a percepção do que está acontecendo”, destacou Leonardo. E apresentou uma cartilha elaborada pelo Fórum contendo informações sobre como cada partido votou em relação aos vários projetos que afetam a sociedade. “Teto de gastos, reforma trabalhista, que iria criar milhões de empregos, reforma da Previdência, auxílio Brasil, projetos que impactaram a sociedade para o bem e para o mal. Colocamos o posicionamento de cada bancada, para que cada um possa analisar e decidir. É uma forma de incentivar a sociedade a participar efetivamente da política”. 

O economista também falou sobre como o desmatamento da Amazônia tem afetado a inserção internacional do Brasil, inclusive comercialmente. “O parlamento europeu aprovou nesta semana uma taxação pesada sobre as exportações do agronegócio brasileiro que tenham como origem áreas de desmatamento”, contou. “Ali primeiro entra a exploração ilegal de madeira, depois a queimada, o pasto e o gado e por último as commodities. Cada vez que a terra começa a reduzir a capacidade de produção, repete-se o mesmo modelo, entrando em áreas de preservação ambiental”. 

Guilherme Mello: “Construir as condições da retomada da renda e emprego” 

O primeiro assessor econômico a falar, pela ordem do sorteio, foi Guilherme Mello, da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao expor o cenário econômico internacional, com desaceleração na China e possibilidade de recessão nos Estados Unidos e Europa, além do conflito entre Rússia e Ucrânia com suas consequências geopolíticas, afirmou que este quadro exigirá do próximo governo muita habilidade para estabilizar as condições de crescimento do Brasil. “Num momento crítico da economia brasileira, do ponto de vista do crescimento, inflação, pobreza, fome e miséria, o governo, em vez de unir esforços para construir uma saída de retomada de crescimento, cria turbulências”, criticou Mello. “A agenda ambiental hoje liga e desliga o Brasil do mundo, e estamos desligados devido à desagenda ambiental. O próximo governo terá o desafio de repensar e construir os mecanismos de governança, de construção de consensos, de retomada da credibilidade”. 

Mello destacou a necessidade de condições políticas para implementar o projeto e apontou que a candidatura Lula/Alckmin possui um arco de alianças de 10 partidos. E propôs dois eixos principais de medidas, um para o curto prazo para estabilização e retomada do crescimento econômico, e outro de longo prazo para recuperar a estrutura produtiva do Brasil, adequando-a à transformação energética e digital. “Para este primeiro momento, construir as condições da retomada da renda e emprego. Valorização do salário mínimo, renegociação das dívidas das famílias que estão sem acesso a crédito, retomada do investimento e um novo Bolsa-Família que tem um desenho totalmente diferente do Auxílio Brasil”, expôs o economista. “Nosso arcabouço fiscal não tem credibilidade, foi mudado quatro vezes em dois anos. Não é preciso reinventar a roda, precisamos de uma regra anticíclica que priorize investimentos e, gastos de boa qualidade. Uma segunda reforma de curto prazo é a reforma tributária. Precisamos tributar as grandes rendas e patrimônios e, com este ganho de arrecadação, reduzir a tributação sobre o consumo e os salários. Hoje um carro elétrico de entrada é mais tributado que um carro a combustão. Nosso sistema incentiva uma produção do passado”. 

Um dos temas surgidos nas perguntas foi a redução da taxa de juros, e Mello caracterizou o governo Lula como um período em que os juros caíram. “Assumiu com juros acima de 20% e a trajetória foi de queda. Como reduzir ainda mais? O governo federal precisa parar de atrapalhar. Quando gera risco institucional, democrático, político e ambiental, gera um cenário de incerteza onde se perdem oportunidades de investimento que poderiam inclusive estabilizar o câmbio”, argumentou. Sobre a trajetória do indicador Dívida/PIB, afirmou que é preciso construir uma perspectiva de estabilização e redução. “Tem que ter um novo arcabouço fiscal crível, que sinalize que ao longo do tempo o país vai recuperar o crescimento e a arrecadação. O importante do processo é a credibilidade”. 

Nelson Marconi: “Criadas as condições macroeconômicas, a taxa de juros cai” 

O economista Nelson Marconi foi o assessor que falou pela candidatura de Ciro Gomes e, ao comentar o momento da economia brasileira, apontou que desde as décadas de 1980 e 1990 adotamos um modelo baseado na crença de que é preciso captar poupança externa para crescer. “É um grande erro que vem sendo praticado desde FHC, com Lula, Dilma e Bolsonaro. Perdemos nossa estrutura produtiva em função desta política que causa uma taxa de juros muito alta, implica em moeda apreciada e na perda de competitividade da indústria”, criticou. “Temos uma tributação alta, com estrutura distorcida, regressiva, juros altos, câmbio apreciado e um único instrumento para controlar a inflação. Criou-se um teto de gastos que cortou despesas com investimentos, enquanto a despesa acumulada com juros da dívida é de mais de 500 bilhões de reais em 12 meses”. 

Entre as medidas defendidas por Marconi, a primeira foi uma reforma fiscal, contendo componentes tributários, de despesas e previdenciários. “Simplificar os impostos, diminuir a tributação sobre produção e consumo, recriação do imposto sobre lucro de dividendos, aumento do imposto sobre heranças. Se tomarmos este conjunto e adicionarmos redução de subsídios, chegamos a uma arrecadação de 210 bilhões de reais”, explicou Marconi. Também defendeu um sistema previdenciário com base em três pilares: renda mínima, repartição e, a partir de certo nível de renda, capitalização. “Com este desenho que a Previdência tem hoje, teremos problemas de novo. Estamos perdendo a capacidade de financiá-la com base no trabalho formal. Mudando isso nos primeiros três meses, a taxa de juros cai. Não queremos mudar pra pagar mais juros, mas para não praticar juros altos”. 

Uma vez criadas as condições macroeconômicas, o programa de Ciro Gomes prevê mudanças na estrutura produtiva. “Ter uma economia mais sustentável é uma oportunidade de investimentos. Investir em energia limpa, mudar a mobilidade urbana e o transporte, pensar em comunicação e tráfego de dados. Os complexos que vão estimular os outros são o agro, biogás, energia, saúde e defesa”, comentou Marconi. “A educação é essencial. Temos um modelo muito bom. Podemos criar uma estrutura de incentivos para os estados e municípios implementarem. Sem isso não haverá crescimento econômico”.  

Carlos Arthur Newlands Junior: “Trocar a LRF pela Lei de Responsabilidade Social” 

Carlos Arthur Newlands Junior, assessor da candidatura de Sofia Manzano, defendeu a adoção de um programa anticapitalista e anti-imperialista. “O capitalismo mundial vive em crise desde 2008. Ela explodiu naquele ano em função da escolha feita nos anos 90 de viver sob o predomínio da lógica do capital fictício. Esta crise foi agravada por mais de três décadas de políticas neoliberais”, criticou. “O crescimento brasileiro desde a chamada década perdida tem sido pífio. Em termos econômicos, o resultado foi a desindustrialização do Brasil. Entre as décadas de 1930 e 1980 o Brasil cresceu mais de 6% ao ano; as políticas neoliberais das últimas três décadas reduziram este patamar para medíocres 2%”. 

O programa emergencial da candidatura de Sofia Manzano prevê a revogação das reformas realizadas nos últimos anos: previdenciária, trabalhista, teto de gastos, autonomia do Banco Central, terceirização, privatizações e flexibilizações legais e tributárias. “Vamos tirar a lei de responsabilidade fiscal e substituí-la pela lei de responsabilidade social. Revogar a lei das estatais (Lei 13.303/2016), que dificulta a planificação econômica das empresas públicas, submetendo-as à lógica do mercado”, defendeu Newlands. Outras medidas do programa são a redução da jornada de trabalho para 30 horas, a criação de frentes de trabalho para obras de saneamento e habitação, a criação de uma rede de restaurantes e mercados populares para reduzir a fome e o preço dos alimentos comprando grãos, verduras e legumes diretamente do produtor e a estatização da Vale, Petrobras, Eletrobras, Embraer e empresas de siderurgia, fazendo investimentos públicos em ensino técnico. Newlands também defendeu o controle do sistema monetário e financeiro e a reestruturação da dívida pública a partir da análise de como ela foi constituída. 

No momento das perguntas, o economista defendeu fortes investimentos públicos em pesquisa e inovação. “Não existe restrição, do ponto de vista do gasto público, para um Estado emissor de moeda. Ninguém quebra na moeda que emite. Para os economistas que não somos contaminados pela lógica liberal, é quase uma obviedade”, explicou. “Defendemos o fim do ICMS e propomos a volta do AIRE (Adicional de Imposto de Renda Estadual) como compensação pela perda de receitas, e uma tabela progressiva de IR com alíquota de até 40% para quem ganha mais de 60 salários mínimos”. E finalizou trazendo dados sobre os impostos no Brasil: “Somos o quarto país do mundo que mais tributa consumo, e a carga tributária sobre ganho de capital é a quinta menor. Na carga tributária sobre propriedade, a média da OCDE é 1,9%, e no Brasil, 1,5%”. 

Eduardo Almeida: “Romper com a lógica do mercado para responder à situação social” 

Eduardo Almeida, assessor da candidatura de Vera Lúcia Salgado, foi o último a falar. Começou abordando o momento econômico do Brasil, com 33 milhões de pessoas passando fome e um exército industrial de reserva de 65% dos trabalhadores. Já no quadro mundial, vê uma curva descendente na globalização, que leva a um quadro de crescimento baseado em estagnação e inflação. “Temos um processo com tendência recessiva nos Estados Unidos, um crescimento muito pequeno na Alemanha, uma desaceleração na economia chinesa, e estamos diante de uma situação que é muito diferente de quando surgiu o primeiro governo petista em 2003”, argumentou. “Ou rompemos com a lógica do mercado para responder à situação social gravíssima que vivemos, ou continuaremos num processo de decadência, piorando a condição social”. 

Ao explicar as ideias da candidatura, Almeida apontou para a revogação das reformas e privatizações. “A Vale foi privatizada no governo do PSDB e a situação foi mantida no governo do PT. A Petrobras perdeu o monopólio, isso também foi mantido. A situação atual é pesada, sentida pela população em relação ao preço da gasolina. Essa realidade se explica pela privatização paulatina da Petrobras. Se não tocar na propriedade e não enfrentar o mercado, não tem condições de enfrentar este problema”, criticou. “Propomos tocar na grande propriedade. Ou temos uma política de ruptura, ou a situação vai continuar a mesma. As 100 maiores empresas no Brasil controlam 61% da economia. Não existe forma de sugerir às grandes empresas que reduzam seus lucros. Ou você rompe com este mecanismo de dominação, ou não vai conseguir resolver o problema do País”. 

Ao responder às perguntas, Almeida afirmou que as grandes empresas não são geradoras de emprego, mas de desemprego. “O agro, que é um dos grandes sustentos da economia brasileira, é um fator de desemprego, de fome. O Brasil é um dos maiores exportadores mundiais e vive com fome. Nossa proposta é expropriar estas empresas e fazer um plano de obras públicas que nos permita ter um novo plano econômico”, comentou. “Propomos impostos sobre grandes fortunas e isenção até cinco salários mínimos. Propomos apoio aos pequenos empresários, artesãos e camponeses. O que nós propomos enfrentar é a grande empresa nacional e multinacional, que é quem manda no País”. 

Acesse abaixo o evento na íntegra:

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