A automação e o trabalho feminino

Ana Hermeto, Marilane Teixeira e Lúcia Garcia discutem a inserção feminina nas carreiras de tecnologia e como as tarefas são afetadas pela automação, durante o 2º Seminário da Mulher Economista e Diversidade

A primeira mesa do 2º Seminário Mulher Economista e Diversidade teve como tema “As mulheres, a tecnologia e o futuro do trabalho” e contou com as professoras Ana Hermeto e Marilane Teixeira e a pesquisadora Lúcia Garcia. A mediação foi da economista Andréa Prodhol, com comentários de Eulália Alvarenga. A mesa de debates pode ser assistida AQUI.

O seminário foi realizado nos dias 12 e 13 de setembro pela Comissão Mulher Economista e Diversidade do Cofecon, coordenada pela conselheira Teresinha de Jesus Ferreira da Silva, em parceria com o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, presidido pela economista Valquíria Assis, e com outros Corecons.

Ana Hermeto

A professora Ana Hermeto apontou que a automatização, a robotização e a inteligência artificial de forma diferenciada, considerando a divisão de gênero nas ocupações e nas tarefas dentro de cada ocupação. “Prever os efeitos de gênero dessas mudanças tecnológicas é bastante complicado. Podemos pensar num potencial de retrocesso de conquistas de igualdade de gênero”, argumentou Ana. “A flexibilização do trabalho pode ser uma volta das mulheres ao trabalho nos próprios domicílios, o duplo fardo”.

Projeções da OCDE sobre os impactos iniciais da automação apontam que 48% das mulheres e 52% dos homens podem perder os empregos no mundo. “Tarefas mais cognitivas, de interação pessoal e setores de saúde e educação são menos afetados por estas disrupções”, apontou a professora. “Por outro lado, este é um retrocesso na própria ocupação do espaço das mulheres em todos os setores e esse empoderamento feminino em termos de ocupação de fato”.

Ela vê as mulheres relativamente protegidas pela importância de habilidades pessoais e sociais atualmente não automatizáveis. “O que os nossos dados mostram, as mulheres trabalham em menos atividades rotineiras do que os homens. Então, menos afetadas pela automação digitalização e robotização, mas mais em tarefas que podem ser afetadas pela inteligência artificial”, observa Hermeto. Por fim, ela mencionou que as ocupações na área de ciência, tecnologia, engenharia e matemática pagam salários melhores, mas têm maior desigualdade de gênero.

Ana Hermeto é professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde atua na área de Demografia Econômica e Economia Social. Com doutorado em Demografia pela UFMG e pós-doutorado pela Universitat de Barcelona, Ana coordena o Grupo de Pesquisas em Economia e Demografia da Estratificação Social (PEDES) e tem experiência em avaliação de políticas públicas e microeconometria.

Marilane Teixeira

A professora Marilane Teixeira apresentou uma abordagem mais geral e iniciou mostrando que incorporação da tecnologia ao mundo do trabalho se dá de forma acelerada. “Diferentemente de períodos anteriores, elas afetam a vida de milhares de pessoas, e não só daquelas que estão envolvidas no processo de realização deste trabalho”, comentou. “Elas dão um novo sentido inclusive à organização da nossa vida em sociedade e afetam muito mais as mulheres”.

Outro ponto levantado foi o a baixa inserção feminina em carreiras de ciência e tecnologia. “Apenas uma mulher para cada quatro homens consegue acessar empregos nas áreas de ciência, tecnologia e inovação”, destacou, citando dados da Unesco. Além disso, a inserção das mulheres em cargos de maior prestígio é limitada: “As mulheres estão nas mesmas ocupações, mas quando você olha a distribuição das tarefas, elas não estão nas funções de ponta”, comentou.

Ela também trouxe o dado de que, no Brasil, cerca de 70% a 75% das mulheres estão associadas a um conjunto de ocupações ditas femininas. “Pelas suas características, são atividades mais cognitivas, interpessoais, que estariam inclusive menos propensas à automação. A atividade de cuidados cresce tremendamente neste processo, dadas as mudanças demográficas”, comentou. Ela também observou que as novas tecnologias não conseguem romper com a tradicional divisão sexual do trabalho. “São papéis sociais que são atribuídos a homens e mulheres na distribuição do trabalho reprodutivo”.

Marilane Teixeira é doutora em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde também realizou pós-doutorado em Desenvolvimento Econômico e Social. Sua pesquisa abrange temas de Economia e Desenvolvimento, com foco na evolução do mercado de trabalho e suas implicações sociais.

Lúcia Garcia

A pesquisadora Lúcia Garcia, do Dieese, argumentou que a apropriação capitalista das tecnologias resulta em novas formas de subordinação das mulheres. “A tecnologia é uma extensão do trabalho humano, mas sua apropriação ao longo dos ciclos tecnológicos tem contribuído para uma intensificação das desigualdades de gênero”, afirmou a professora. Ela explicou que a representação feminina nas tecnologias de IA, com vozes e perfis predominantemente femininos, reflete uma sedução ideológica: “remete à ideia de que, assim como as mulheres, essas tecnologias estão a serviço da sociedade”.

A palestrante destacou que as mudanças tecnológicas têm exacerbado a precarização do trabalho, com jornadas instáveis e uma expectativa de disponibilidade contínua. “O trabalho digital muitas vezes requer uma disponibilidade constante, o que impõe uma carga desproporcional sobre as mulheres, que já são responsáveis pelo trabalho não remunerado”, explicou. “Estamos vendo um aumento na vigilância e na pressão por desempenho emocional, que frequentemente recai sobre as mulheres de maneira desproporcional”.

Lúcia também destacou que a intermitência do trabalho e a remuneração baseada em resultados comprometem a posição feminina. “A instabilidade nas condições de trabalho e a redução de direitos laborais, como afastamentos e aposentadorias, são riscos reais para a sustentabilidade das mulheres no mercado de trabalho”, alertou. “As mulheres estão se articulando e encontrando maneiras de enfrentar essas novas condições. A negociação coletiva e a inclusão da economia do cuidado nas agendas públicas são passos importantes para mudar esse quadro”, concluiu.

Lúcia Garcia é mestre em Economia pela UFRGS e Técnica Sênior do Dieese. Com vasta experiência na coordenação de pesquisas sobre emprego e desemprego, atualmente supervisiona o projeto “Observatório do Trabalho do Rio Grande do Sul” e contribui para análises socioeconômicas essenciais para a compreensão das transformações no mercado de trabalho.