Podcast Economistas: Tributo a Maria da Conceição Tavares

Professora faleceu em junho, aos 94 anos. Economistas que conviveram com ela exaltam suas qualidades humanas e intelectuais e sua trajetória

O Conselho Regional de Economia do Distrito Federal realizou nesta quarta-feira (07) uma roda de conversa em homenagem à professora Maria da Conceição Tavares, falecida no mês de junho aos 94 anos. O evento teve a participação dos economistas Ricardo Bielschowsky, Luiz Carlos Delorme Prado, Hildete Pereira de Melo e Gloria Maria Moraes da Costa.

“Ela foi uma figura ímpar. Não apenas uma renomada economista, mas também um símbolo de dedicação e paixão pela nossa profissão. É um privilégio celebrar sua contribuição inestimável para a economia, a educação e o debate sobre o desenvolvimento econômico”, apontou a presidente do Corecon-DF, Luciana Acioly.

Na abertura do evento, a conselheira federal Mônica Beraldo apresentou a edição de junho da revista Economistas, com Maria da Conceição na capa, e leu as palavras do editorial: “Não poderia deixar de homenagear a economista Maria da Conceição Tavares, falecida no dia 08 de junho. Professora na Universidade Federal do Rio de Janeiro e na Universidade Estadual de Campinas, contribuiu para a formação de vários economistas com importante participação no cenário nacional. Em 2010 foi reconhecida pelo Cofecon com o prêmio Personalidade Econômica do Ano, sendo a primeira mulher a receber tal honraria. Deixa saudades em muitos colegas e alunos”.

A presidente do Corecon-DF, Luciana Acioly, ressaltou a parceria com a Universidade de Brasília e exaltou a professora Conceição. “Ela foi uma figura ímpar. Não apenas uma renomada economista, mas também um símbolo de dedicação e paixão pela nossa profissão. É um privilégio celebrar sua contribuição inestimável para a economia, a educação e o debate sobre o desenvolvimento econômico”, apontou Acioly.

A professora Adriana Amado, da Universidade de Brasília, recordou que em 2019, naquele mesmo auditório, ocorreu o lançamento do filme Livre Pensar, sobre Conceição. “O diretor do filme estava vindo do Rio, mas o aeroporto Santos Dumont foi fechado. O auditório estava lotado, o José Mariani mandando mensagem de dez em dez minutos dizendo que estava chegando. No final, o filme foi muito bom”.

Hildete Pereira: “Ainda hoje, ela é a maior economista da América Latina”

A professora Hildete Pereira de Melo mencionou a vinda de Conceição ao Brasil. “Ela chega em fevereiro de 1954, uma segunda-feira de carnaval, e a alegria do povo brasileiro a cativou, assim como a ideia de criar uma democracia nos trópicos. Já em agosto ela se depara com o suicídio de Vargas, o povo pegando fogo na rua. Nas palavras da Conceição, o Brasil era uma coisa inusitada”, contrastou Hildete. “Tentou conseguir emprego, não conseguiu, acabou fazendo o concurso do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (atual INCRA) e logo em seguida foi cedida ao BNDE (atual BNDES). Ali eles estavam fazendo um levantamento do Imposto Territorial e Urbano. Ela ficou extremamente preocupada, porque nunca pensou que o Brasil tivesse uma concentração de terras tão grande”.

“Ainda hoje ela é a maior economista da América Latina. Não tem uma substituta com uma obra tão sólida. O Biographical Dictionary of Dissenting Economists (Dicionário Biográfico de Economistas Heterodoxos) menciona apenas quatro mulheres entre os mais importantes do Século XX, e a Conceição é uma delas. Esta é a Conceição que eu quero celebrar”, conta a professora Hildete Pereira de Melo.

Esta questão marcou o início do interesse de Conceição pela economia. “Ela sabia mexer com números, mas faltavam os pressupostos da teoria econômica. Ela prestou vestibular, foi caloura do Carlos Lessa e assim começou a amizade entre os dois”, conta a professora. “Ainda hoje ela é a maior economista da América Latina. Não tem uma substituta com uma obra tão sólida. O Biographical Dictionary of Dissenting Economists (Dicionário Biográfico de Economistas Heterodoxos) menciona apenas quatro mulheres entre os mais importantes do Século XX, e a Conceição é uma delas. Esta é a Conceição que eu quero celebrar”.

Hildete mencionou ainda a eleição de Conceição como deputada federal. “Foi a única candidata de opinião eleita pelo Rio de Janeiro. Ela chegou a ter um problema na coluna, de tanto andar pelas praias do Rio de Janeiro distribuindo panfletos, e a eleição foi anulada”, relembra. “Ela foi operada, a eleição aconteceu de novo e ela ficou desesperada. Mas conseguiu que as mesmas pessoas votassem nela novamente. Mesmo sem ter ido para o interior do estado, foi votada em todas as cidades do Rio de Janeiro”.

Gloria Costa: “Ela exigia que pensássemos no desenvolvimento e no Estado”

A professora Gloria Maria Moraes da Costa foi aluna de Conceição. “Era um embate constante com a Conceição. Ela exigia que nós pensássemos no desenvolvimento brasileiro e no Estado brasileiro. Ela deixava claro que tínhamos que fazer concurso e ir para dentro do Estado, tendo compromisso com a transformação da economia brasileira”, contou. “Nosso primeiro embate foi sobre o Marshall. Éramos quatro mulheres e quando começamos a falar, a Conceição arrasou conosco e disse que não tínhamos entendido nada. Só depois, já professora, entendi que ela tinha total razão”.

“Tenho saudade das minhas tardes com a professora. Na casa dela iam deputados, ministros, o Lessa, bastante gente passava pela casa da Conceição. Era um debate político permanente em que o Brasil era dissecado. Os atos ministeriais eram dissecados”, conta a professora Gloria Maria Moraes da Costa.

Quando foi formado o Centro Internacional Celso Furtado, Conceição fez parte da primeira diretoria como presidente acadêmica e convidou Gloria para ser coordenadora. “Montamos 16 ou 17 debates em dois anos. Levamos Fernando Haddad, Guido Mantega, dirigentes de estatais, ministros, foi um aprendizado, e participei de duas pesquisas – e recomendo que os alunos de economia acessem a publicação Memórias do Desenvolvimento número 4 e 5, sobre a história do BNDES”, comentou. “É um trabalho de peso, porque consultamos documentos, aprofundamos dados de tudo, e ao final há entrevistas com dirigentes do BNDES. São histórias que não são relatadas sobre o Brasil”.

Gloria relembra seu último encontro com Conceição. “Ela me falou: oi, minha linda, que saudade de você e das nossas tardes”, comentou, em referência a ocasiões em que ambas – e outros economistas – encontravam-se durante o café da tarde para profundos debates. “Tenho saudade das minhas tardes com a professora. Na casa dela iam deputados, ministros, o Lessa, bastante gente passava pela casa da Conceição. Era um debate político permanente em que o Brasil era dissecado. Os atos ministeriais eram dissecados”.

Ricardo Bielschowsky: “Conceição misturou de forma poderosa criatividade e rebeldia”

O economista Ricardo Bielschowsky tem uma longa trajetória na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), onde Conceição atuou durante uma parte de sua trajetória. “Ela participou do grupo misto Cepal-BNDE. Na época o BNDE era a principal instituição de fomento do Brasil e a Comissão era o grande think tank da América Latina. Ela foi escolhida por seu talento, sempre misturou de forma poderosa criatividade e rebeldia”, mencionou Bielschowsky. “Lá ela teve uma ligação profunda com Raúl Prebisch e considerava Celso Furtado e Aníbal Pinto seus mentores. O estruturalismo se tornou uma ferramenta analítica no seu pensamento. Ela foi a pioneira, no Brasil, a abordar o princípio da demanda efetiva. Começou a carreira como economista do desenvolvimento e gradualmente incorporou na análise a macroeconomia”.

“Pela vocação e lucidez das análises da economia brasileira, latino-americana e mundial, ela se tornou desde os anos 60 uma referência nacional”, afirma o economista Ricardo Bielschowsky.

O economista mencionou dois importantes artigos produzidos por Conceição durante este período e publicados no livro Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Em Auge e Declínio do Processo de Substituição de Importações no Brasil, a autora escreve: “A nossa tese central é de que a dinâmica do processo de substituição de importações pode atribuir-se, em síntese, a uma série de respostas aos sucessivos desafios colocados pelo estrangulamento do setor externo, mediante os quais a economia vai-se tornando quantitativamente a natureza dessa dependência. Ao longo desse processo, do qual resulta uma série de modificações estruturais da economia, vão-se manifestando sucessivos aspectos da contradição básica que lhe é inerente entre as necessidades do crescimento e a barreira que representa a capacidade para importar”.

Após a leitura deste parágrafo, Bielschowsky comentou que a questão da demanda efetiva não estava no centro deste artigo. “Mas, de acordo com a ideia do declínio da substituição de importações, ela conclui com observações sobre como fazer a transição para o que ela chama de modelo de crescimento autossustentado”, aponta o economista. Ele também fez uma análise do pensamento de Conceição no texto Além da Estagnação: “Não foi apenas o crescimento gerado pela demanda, foi também a questão do subemprego e má distribuição de renda. Este ensaio não a satisfez completamente, e levou a outra contribuição importante, que foi a ideia do crescimento cíclico endógeno, que é baseado em Kalecki”. E concluiu dizendo que já não se fazem mais professores como antigamente. “Pela vocação e lucidez das análises da economia brasileira, latino-americana e mundial, ela se tornou desde os anos 60 uma referência nacional”.

Luiz Carlos Prado: “Ela não queria apenas entender o mundo, mas transformá-lo”

O professor Luiz Carlos Delorme Prado, ex-presidente do Cofecon, destacou que Conceição foi uma cientista social que não se satisfazia apenas com entender o mundo, mas queria transformá-lo. “Ela entendia a economia como uma ciência social aplicada. Você entende não apenas pelo lado intelectual, mas com o objetivo de fazer política econômica, que é o instrumento para alterá-lo”, observa Prado. “Ela chamava a atenção para o fato de que somos herdeiros dos filósofos morais. Os primeiros economistas eram filósofos morais. Mas temos uma peculiaridade: somos ao mesmo tempo físicos e engenheiros, biólogos e médicos”.

“Eu gostaria muito de poder ter a Conceição aqui para discutir estes assuntos. Ela diria ‘você não entendeu nada’ e iria explicar seus insights. Suas ideias estão vivas e são relevantes para o mundo atual. Será que o mundo policêntrico que deveria ter surgido nos anos 80 está surgindo agora? Ou será que a hegemonia em decadência, a fera ferida, será muito mais perigosa?”, comentou o professor Luiz Carlos Delorme Prado, ex-presidente do Cofecon.

O economista enfatizou a capacidade de análise de Conceição – a economista afirmou que o fim do sistema de Bretton Woods não era o fim da hegemonia econômica dos Estados Unidos, mas um reforço da sua posição. “Ela chamou a atenção dizendo: olha, está tudo errado, os Estados Unidos não estão em retração, ao contrário, estão avançando, e isso não foi feito por acaso, foi feito a partir do plano econômico e da decisão política de se reforçarem militarmente”, contou Prado. “Ela falava isso, mas não tinha dados. Escreveu na Revista de Economia Política em 1985. E até 1980 ou 1981 não era razoável supor que os Estados Unidos conseguissem reforçar sua hegemonia. Hoje muitas das reuniões do Federal Reserve estão publicadas. Conceição dizia que a velha indústria iria sofrer, mas que não importa, porque a economia seria retomada com o surgimento de novas tecnologias”.

Prado fez uma extensa análise da situação atual, com o crescimento da China e a guerra na Ucrânia e comparou os dois momentos históricos – o fim de Bretton Woods e o atual. “Agora a pressão é grande e os Estados Unidos estão tentando responder economicamente e militarmente, como naquele momento. Mas será que é possível?”, questionou o ex-presidente do Cofecon. “Eu gostaria muito de poder ter a Conceição aqui para discutir estes assuntos. Ela diria ‘você não entendeu nada’ e iria explicar seus insights. Suas ideias estão vivas e são relevantes para o mundo atual. Será que o mundo policêntrico que deveria ter surgido nos anos 80 está surgindo agora? Ou será que a hegemonia em decadência, a fera ferida, será muito mais perigosa?”, finalizou.