Espiral negativa da economia prepara as bases para piora da economia real em 2022

Especialistas explicam como os dias caóticos vivenciados no mercado financeiro nesta semana afetam o desempenho das aplicações, o dia a dia das empresas e do orçamento das famílias

Pelo quarto dia consecutivo, o mercado financeiro teve muita tensão. Em meio às especulações se o ministro da economia, Paulo Guedes, permaneceria no cargo, o dólar fechou o dia cotado a R$ 5,62 mas chegou a atingir a bater R$ 5,75, e a bolsa de valores registrou queda de 1,34%. Porém, analistas avaliam que para além do impacto no mercado no curto prazo, que já é desastroso, são grandes as chances disso transbordar de maneira mais violenta para a economia real, aquela do dia a dia, nesta reta final de ano e em 2022.

O economista Ricardo Eleutério, do Conselho Regional de Economia (Corecon), explica que a raiz da tensão dos últimos dias do mercado financeiro reside no fato que o Governo, ao anunciar novos programas como o Auxílio Brasil de R$ 400 ou o auxílio aos caminhoneiros, sem indicar de onde viriam os recursos, abre um perigoso precedente de descumprimento daregra teto de gastos.

O que se traduziria em mais déficit público. Hoje a dívida bruta do Governo representa 82,7% do PIB. “Estamos em um processo de crescimento do déficit desde 2014 e o teto foi uma tentativa em 2016 de conter essa escalada e trazer o país de volta ao equilíbrio fiscal. Se abre o precedente, aumentam os riscos dos investimentos, aumento da inflação, dos juros. E como o mercado precifica isso? com bolsa caindo e dólar subindo.”

Na prática, de imediato, isso significa, por exemplo, perdas para todo mundo que tem recursos financeiros aplicados no mercado de capitais. O que não significa que seja um prejuízo apenas dos ricos. “Principalmente nos últimos dois anos, quando cada vez mais pequenos investidores passaram a aplicar recursos em ações. No Ceará mesmo, a bem pouco tempo eram 7 mil investidores, hoje, são mais de 50 mil. Mas também há uma deterioração significativa do valor de mercado das empresas na bolsa.”

Um levantamento da Economática mostra, por exemplo, que em razão do risco de piora fiscal, nesta semana, em três dias, as empresas brasileiras perderam R$ 284 bilhões em valor de mercado. “Significa que em uma questão de dias elas passaram a valer menos no mercado e isso traz uma série de dificuldades, como por exemplo, a de conseguir captar investimentos.”

Além disso, uma coisa puxa a outra. Dólar mais caro impacta diretamente o custo de produção de diversos itens, como combustíveis, energia e alimentos que dependem de insumos de outros países, como o pão francês. Ou seja, os preços vão subir.

O que, por sua vez, também rebate na escalada da inflação e da taxa de juros. “Esses problemas todos que já estamos vivendo se antecipam e se amplificam no médio e longo prazo.”

As incertezas fiscais também comprometem a continuidade de investimentos públicos nos próximos anos, inclusive, em programas de transferência de renda. “Estamos criando uma bomba fiscal para os próximos gestores.”

Ele alerta que a proposta do Governo para o Auxílio Brasil, que vai substituir o Bolsa Família, tem ainda um outro problema porque prevê pagamentos somente até dezembro de 2022. “Como é que vai se trocar um programa respeitado como o Bolsa Família, consolidado por décadas, furar o teto de gastos, por outro, que não tem fonte certa de recursos e que acaba no segundo turno da eleição?”

O que traz mais vulnerabilidade às famílias que dependem desses recursos em 2022. “O que vai acontecer com essas pessoas que dependem desses recursos depois disso? Voltam a viver com menos? Deixam de receber? Esta deveria ser uma política que precisa ser pensada para ter continuidade.“

Para o professor da Universidade do Estado do Ceará (Uece), Lauro Chaves, embora ainda não seja dado como certo de que haverá recessão, até porque o desempenho pífio da economia em 2020 faz com que a base de comparação seja muito baixa, não restam dúvidas de que 2022 será mais um ano de muitos e graves entraves econômicos.

Motivos não faltam. Primeiro porque as atividades econômicas sequer chegaram a se recuperar dos impactos de dois anos de pandemia. Mas também porque qualquer aumento de incerteza sempre vai trazer custos econômicos para a economia real, que é aquela que impacta toda a sociedade brasileira, como, por exemplo, a geração de empregos, produção de mercadorias, consumo etc.

Lauro explica que isso vale a nível mais macro, porque, força o poder público, por exemplo, a mexer na política monetária para tentar conter a alta do dólar. Basta lembrar que a taxa básica de juros, a Selic, que começou o ano em 2%, agora, está em 6,25% e deve chegar a 8,25%, segundo o Boletim Focus, do banco Central.

“E isso influencia no custo do crédito, nos recursos que entram no País, na inflação, no dia a dia das empresas e no orçamento das famílias. Quando crescem as incertezas a tendência é as famílias também enxuguem seu orçamento porque não sabem o que vêm pela frente.”

Lauro Chaves Neto é conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece).