Seminário discutiu distribuição de renda, infraestrutura e geopolítica

IMG-20161129-WA0014O segundo dia do seminário internacional “Modelo de Desenvolvimento para a América Latina e Caribe”, 29 de novembro, teve início com a mesa de debate sobre Estado e Distribuição de Renda na América Latina e Caribe, mediada pelo economista Miguel Antônio, conselheiro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro (Corecon-RJ). Participaram o economista brasileiro Eduardo Fagnani e o economista argentino Ruben Lo Vuolo. O evento é realizado no auditório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro.

Ruben Lo Vuolo apresentou dados da CEPAL sobre desigualdade de distribuição de renda nos 17 países da América Latina. O economista argentino citou quais políticas em geral foram aplicadas nos últimos anos em busca da redução da desigualdade social, entre elas aumento do salário mínimo, aumento de políticas de créditos, aumento da arrecadação tributária e crescimento de gastos sociais. “Essa combinação de políticas tem diminuído a desigualdade social, mas é preciso pensar se temos condições de seguir sustentando essas medidas ou estamos encerrando um ciclo de políticas”, refletiu.

O economista argentino afirmou que na América Latina o crescimento se sustenta mais no emprego do que na produtividade, as microempresas e o setor público atuam como refúgio, há elevada e estrutural informalidade, além da desigualdade na incorporação de forças de trabalho secundária, que são mulheres e jovens. Somado a isso, o envelhecimento populacional é mais uma carga sobre a produtividade das pessoas ativas no mercado de trabalho, segundo Ruben Lo Vuolo. Sobre os programas de transferências condicionadas, comuns nos países na América Latina, como o Bolsa Família, no Brasil, afirmou que não funcionam preventivamente e não alcançam cobertura universal. “Geram armadilhas de pobreza e informalidade, não geram trocas nas políticas de gastos, e não se acompanham com políticas universais em serviços sociais”. Como consequência da desigualdade, apresentam-se novos riscos sociais, como: alta dependência demográfica, altos níveis de urbanização, feminização desigual da força de trabalho, consumismo, violência, anomia, mudança climática e risco financeiro.

Ruben defendeu que a distribuição de renda é um problema de concentração de riqueza, mais do que concentração de pobreza, e que são necessárias mudanças estruturais de fontes de financiamento de políticas sociais. “O sistema de proteção social deve ser universal, não pode utilizar tecnologias focadas, mas universalizadas. Os seguros sociais somados aos programas sociais reproduzem as diferenças e a retroalimentam”.

Eduardo Fagnani abordou a distribuição de renda do trabalho, focando nos avanços recentes na América Latina; distribuição da renda do trabalho e os avanços recentes no Brasil; limites do “experimento desenvolvimentista” brasileiro; projeto nacional de transformação (2013-2014); e o que considera a destruição dos mecanismos para o desenvolvimento (2016-2018).

O economista brasileiro defendeu que os programas de transferência de renda continuada são funcionais ao ajuste macroeconômico ortodoxo. “São importantes como parte de uma estratégia de desenvolvimento social, mas não podem ser consideradas a própria estratégia de desenvolvimento social”, opina. Ele apresentou dados sobre o crescimento econômico brasileiro em diferentes momentos, mostrando que no último período ele foi acompanhado de redução da desigualdade social, o que atribui a dois fatores: a democracia e a Constituição Federal de 1988.

Fagnani informou que, em 2015, 140 milhões de pessoas se beneficiaram direta ou indiretamente dos benefícios de Previdência Social. “Gastamos mais com previdência, mas 86% dos idosos estão protegidos pelo regime no Brasil, enquanto na América Latina e Caribe o índice chega a 50%. Se não houvesse, 70% dos idosos estariam na pobreza”, explicou. Ele acredita que a melhoria de renda das famílias tem sua importância no ciclo de crescimento, o que também tem a ver com investimento e crescimento do consumo, na sua opinião.

O economista brasileiro destacou que a desigualdade não é exclusiva da renda. “Há diversas faces: discriminações históricas; desigualdade de renda e do patrimônio; desigualdade na oferta de serviços sociais; e transição demográfica. Embora os direitos estejam na Constituição, há enormes lacunas. As ofertas de serviços públicos são desiguais entre classes sociais e regiões do País”, afirmou.

Por fim, Eduardo Fagnani criticou as medidas adotadas pelo novo governo e afirmou que no ciclo 2015-2018 haverá destruição dos instrumentos para o desenvolvimento e redução da desigualdade social. “A radicalização do projeto ultraliberal e conservador caminha no sentido de reforma liberal do Estado iniciada nos anos 1990; aprofundar da implantação da arquitetura institucional ortodoxa na gestão macroeconômica; destruir as bases financeiras e institucionais do Estado Social e implantar o Estado Mínimo; fazer retroceder os direitos trabalhistas ao estágio em que se encontravam há um século atrás, regredir avanços modestos nos direitos humanos e nos direitos das populações indígenas e quilombolas; ressurgimento do autoritarismo”, finalizou.

Infraestrutura

DSC06461Em seguida, o painel Infraestrutura voltada para o Desenvolvimento na América Latina e Caribe reuniu o economista mexicano Jorge Máttar e o economista brasileiro Arthur Cesar Vasconcelos Koblitz. O debate foi moderado pelo economista João Manoel Gonçalves Barbosa, conselheiro do Cofecon. Jorge Máttar abordou a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável: desafios e oportunidades; a importância do investimento: tendências e desafios; desafios para reativar o investimento e cerrar la brecha de infraestrutura; melhorando as cifras: cooperação BID – CAF – CEPAL para a produção de dados sobre investimentos em infraestrutura.

Segundo o economista mexicano, a Agenda 2030 foi aprovada após muitas negociações entre 193 países, incluindo discussões entre governos, academia, sociedade civil e setor privado. Ao todo, são 17 objetivos, 169 metas e 231 indicadores. “Se queremos redinamizar o crescimento a curto e longo prazo e elevar a produtividade é necessário impulsionar investimentos. Concomitantemente, priorizar a agenda 2030 e cumprimento dos objetivos estabelecidos. Considero muito importante ter como referência essa agenda que pode ser orientadora de um ciclo de investimentos em infraestrutura de qualidade e impacto socioeconômico, que todos buscamos”. Para Jorge Máttar, a virtude do desenvolvimento integrado é a possibilidade de avançar simultaneamente em todos esses objetivos, o que é fundamental para a redução das desigualdades.

Jorge Máttar apresentou dados sobre investimentos públicos e privados na América Latina e Caribe, comparando com países asiáticos como Cingapura, Japão, China e Coreia do Sul, e constatou que ainda que a maioria dos países latinos tenham aumentado seus investimentos, o resultado é muito abaixo dos países asiáticos. “O cenário econômico em baixa e restrições obrigam a cuidar mais da qualidade dos investimentos com enfoque contracíclico. A visão de futuro é fundamental para decisões de investimentos em infraestrutura que se expandem sobre médio prazo e firmam bases a longo prazo”, recomendou.

Arthur Koblitz abordou o que considera um dos temas mais polêmicos na atual onda de ataques ao BNDES, que é o apoio às exportações de serviços de construção. “O apoio do BNDES às exportações para a região, na forma de financiamento, normalmente garantido pelo FGE, cresceu consideravelmente durante a última década”, afirmou. Arthur destacou a importância da infraestrutura para a integração da América Latina e afirmou que os impedimentos são logísticos, e não tarifários. “Não temos mais comércio por falta de infraestrutura, e por falta de comércio a infraestrutura não se viabiliza em termos econômicos. A grande questão é como rompemos esse ciclo vicioso”, refletiu.

Entre as razões para o não funcionamento do sistema de apoio a projetos de integração, destacou a falta de bons projetos, a falta de financiamento ou garantia e questões macroeconômicas. Além disso, criticou a carteira de projetos do IIRSA e a falta de realismo na seleção de projetos. “A responsabilidade de conhecer e viabilizar projetos para que possam ser financiáveis é uma tarefa da América Latina que é intransferível”, defendeu Arthur Koblitz. O economista apresentou uma proposta de sistema voltado para o apoio diferenciado dos projetos de integração, em que haveria mudança no modelo de apoio à exportação se serviços de engenharia e construção, com envolvimento nas fases de design e avaliação, e não apenas uma simples transferência de risco.

Geopolítica

DSC06469A última mesa de debates do evento abordou Impactos da Geopolítica na América Latina e Caribe, com palestras do economista cubano Hugo M. Pons Duarte, secretário permanente do Comitê Executivo da Associação de Economistas da América Latina e Caribe (AEALC), e do economista brasileiro Ronaldo Fiani. As apresentações foram moderadas pelo secretário executivo do Corecon-RJ, Wellington Leonardo Silva.

Ao abordar o panorama geopolítico atual, Hugo Pons destacou que a influência dos Estados Unidos na América Latina não é a mesma do que na época da Guerra Fria mas que continuará como um ator relevante para a geopolítica regional. “Há uma nova ordem mundial com tentativas de dominação do mundo mediante vínculo comercial, financeiro, político e militar”, afirmou.

O economista cubano ressaltou que as mudanças advindas da conectividade e globalização, que em sua visão traz impactos tecnológicos, demográficos, políticos, econômicos e financeiros. “É uma realidade a assumir, com riscos por vulnerabilidade e dependência de países desenvolvidos. No entanto, é preciso aproveitar benefícios que ela traz, tais como: alto nível cultural da população, participação em decisões, população em condições de assumir o progresso, política econômica flexível e eficaz, e acesso a quantidade de recursos de financiamento”, listou.

Para Hugo, é possível consolidar a integração produtiva e de infraestrutura dos países da América Latina pela integração energética. O economista acredita que a América Latina tem potencial energético para ser autossuficiente, e que a complementariedade como concepção no entorno regional tem sido estudada e analisada há anos. “Temos a possibilidade de aproveitar que os países da região estão condicionados a mudanças para discutirmos uma concepção de desenvolvimento a partir do que temos em comum”, disse.

O economista Ronaldo Fiani traçou as características do quadro internacional e que tipo de desafios essa conjuntura coloca para a América Latina e Caribe. Os desafios do quadro internacional são diferentes para cada um dos países, e variam de acordo com a complexidade de cada economia.

Ao explicar as principais características do quadro geopolítico global, Fiani disse acreditar que há, na grande imprensa internacional, uma impressão equivocada e superficial do momento em que vivemos. Os principais equívocos dizem respeito ao que chamam de “Guerra Fria 2.0” e projeto chinês de tentar integrar Europa e Ásia como forma de resolver os conflitos na fronteira. “Não tem como objetivo buscar integração China e Ásia politicamente, mas economicamente. A parceria entre China e Rússia não se dá por conveniência, mas sim por estratégia. Se for confirmada, EUA e Japão serão empurrados para a margem do sistema”, explicou.

O economista brasileiro também explicou que a estratégia chinesa na América Latina e Caribe consiste em realizar empréstimos em troca de petróleo, no caso do Brasil e da Venezuela; investimentos em infraestrutura associada e energia, transportes e matéria-prima, nos casos do Brasil, Jamaica e Peru. “A motivação dos chineses pelo petróleo é muito evidente porque o modelo de investimento em infraestrutura é muito semelhante ao britânico do século 19, em que importavam matéria-prima e exportavam manufaturados. Por isso a necessidade de investimentos em infraestrutura de transportes”, comentou.

Segundo Fiani, o investimento em infra também possui funções geopolíticas porque comprime o espaço, reduzindo o tempo de deslocamento de informações, mercadorias e pessoas; criar vínculos de longo prazo com governos e agentes privados; reduz custos de matérias-primas, elevando rentabilidade do país investidor; abre mercados para bens de capital do país investidor. “Se os países da América Latina e Caribe não traçarem estratégias para encontrar brechas no comércio internacional em meio a o conflito global, vamos ser arrastados pela história, e continuaremos dependendo da exportação de matérias-primas de baixo valor agregado”, concluiu.