Por uma bioeconomia tropicalizada

Autor: Guidborgongne C N da Silva (Güidi)

No atual cenário econômico internacional há uma extensa produção e pesquisa sobre bioeconomia nos EUA, Europa e China. Neste texto priorizo os conceitos de bioeconomia da União Europeia, particularmente os que foram sistematizados por Bugge, entendendo que a bioeconomia é um conceito em construção.

Conceito de Bioeconomia

Bugge et al. (2016) destacam que a implementação dos preceitos da bioeconomia, que muitas vezes têm sido entendidos por um vínculo mais estreito com a biotecnologia, deve contemplar diferentes áreas de abrangência, não se limitando a esse escopo restrito. Nesse sentido, é necessária a integração com outras áreas, como o estudo de bioinsumos e da bioecologia, de forma a favorecer o desenvolvimento de novas tecnologias que signifiquem aumento da capacidade de produção, com sustentabilidade ambiental e social (BUGGE et al., 2016).

A biotecnologia está mais vinculada ao setor industrial no uso de insumos biológicos nas suas diversas atividades, particularmente na melhora da eficiência no uso de insumos como a água.

Os bioinsumos são alternativas aos insumos químicos tradicionais utilizados na agricultura, pecuária e indústria de alimentos.

Já a bioecologia vem para potencializar um modelo econômico com insumos biológicos que preserve a biodiversidade

Os economistas diante da bioeconomia

A parte que cabe aos economistas é a necessidade de levar em conta, nas suas análises de investimentos atuais ou novos, a sustentabilidade econômica, ambiental, cultural e social. O Brasil, a partir de trabalhos realizados sobre o uso de insumos biológicos nas atividades econômicas, já superou os 2 trilhões de reais. Todavia, a utilização dos insumos biológicos, quando se procura investigar à luz dos conceitos da bioeconomia, tem um extenso caminho a percorrer para integrar as cadeias de valor.

E qual é a vantagem da bioeconomia? É uma alternativa renovável que minimiza os impactos ambientais e gera empregos qualitativos na localidade. Na medida em que a população mundial passará de 8 bilhões para 10 bilhões de habitantes nas próximas décadas, a segurança alimentar tem e terá que ser garantida com alternativas renováveis como as preconizadas pela bioeconomia.

A estrutura produtiva no Brasil pode promover modelos ligados à Bioeconomia

O Brasil tem condições de aproveitar a sua rica biodiversidade e a longa história de utilização de insumos biológicos por parte dos povos originários e da agricultura familiar. Qual o desafio? O volume de investimento necessários para colocar conhecimento científico no que já é praticado no Brasil com insumos biológicos é enorme e, nesse contexto, precisa de um ambiente mais coletivo de pesquisa e inovação para potencializar os recursos que forem alocados para esse processo.

Outra limitação para avançar com a bioeconomia no Brasil é a fragilidade na coleta de dados. Os diagnósticos a serem realizados vão depender muito de pesquisas instrumentalizadas. Para cada bioma o Brasil terá que desenvolver pesquisas a fim de domesticar e entregar insumos para as cadeias de valor no setor agrícola e industrial.

É fundamental que a implementação da bioeconomia no Brasil seja realizada com um plano de desenvolvimento local, regional e setorial para garantir sustentabilidade econômica, ambiental, cultural e social.

A bioeconomia como campo de produção multidisciplinar traz a situação na qual os diversos profissionais e pesquisadores fazem a inovação e verificam se há condições de implementar. Sem a participação dos economistas esse contexto leva a situações problemáticas, nas quais essas inovações são colocadas em prática sem verificar o dinamismo do respectivo mercado. Então, por que a bioeconomia vem avançando? Porque, entre outras questões, os custos dos insumos tradicionais, ao aumentarem muito, tornaram favoráveis as condições para a implementação da bioeconomia como alternativa.

Neste contexto, destacam-se os apontamentos de alguns autores sobre o potencial da estrutura produtiva brasileira para avançar em modelos associados à bioeconomia, uma vez que o País é rico em recursos naturais que podem ser explorados de forma sustentável para a produção de uma ampla gama de produtos, desde alimentos e medicamentos até biocombustíveis e materiais biodegradáveis. (SILVA, 2023)

Carbonell et al. (2021) destacam a vantagem competitiva incomparável no cenário da Bioeconomia, considerando a riqueza da biodiversidade do Brasil. O País possui a maior diversidade genética vegetal do mundo, com mais de 55 mil espécies de plantas (22% do total mundial) distribuídas em diferentes biomas (CARBONELL et al., 2021). Já Bergamo et al. (2022) fazem críticas à produção de alguns produtos como o açaí, que ganham escala e se tornam monocultura em determinadas regiões. O caso de “açaização” evidencia as desvantagens inerentes à mercantilização de bens florestais por meio de esquemas de monocultura. Assim, argumentam que uma verdadeira bioeconomia amazônica sustentável implica na diversificação de métodos de produção que valorizem a biodiversidade como resposta às plantações generalizadas de monocultura (BERGAMO et al., 2022)

Valli et al. (2018) também destacam a importância do Brasil – que, por deter a maior biodiversidade do globo, possui condições climáticas adequadas e abundância de recursos naturais, fatores que podem transformar o País em líder na transição econômica em favor da bioeconomia, uma vez que lhe são concedidas todas as condições para ser um modelo sustentável (VALLI et al., 2018), no qual se incluem a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, a produção de soja e carne com sistemas agroflorestais sustentáveis, a extração de óleos e essências da biodiversidade para a indústria cosmética e farmacêutica e a produção de bioplástico e outros materiais biodegradáveis.

Dias e Carvalho (2017) comentam o relatório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES, 2014) sobre o potencial de diversificação da indústria química brasileira, no qual foram apontados dois fatores principais para o entendimento dos motivos do imenso déficit comercial do complexo químico no Brasil: o desequilíbrio entre o crescimento da produção nacional e a evolução do consumo doméstico e o crescimento do valor agregado das importações brasileiras em relação às exportações de produtos químicos produzidos nacionalmente (DIAS; CARVALHO, 2017). Entende-se que modelos de produção que exploram novos produtos da Bioeconomia podem favorecer a redução desse déficit, colocando o País em posição de destaque mundial.

Já Carbonelll et al. (2021) acreditam em um roteiro de crescimento que considera a criação de uma nova economia de base biológica no Brasil – no médio (até 2030) e no longo prazo (até 2050) – em três grandes áreas: agricultura, alimentação/saúde e bioenergia/química verde. Nesse roteiro, o foco está na criação de novos produtos com alto valor agregado, que contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), aumentam a geração de emprego e melhoram a qualidade das ocupações formais (CARBONELL et al., 2021).

Posteriormente, Carbonell et al. (2021) ponderam que, provavelmente, o maior desafio do agronegócio brasileiro hoje é materializar as oportunidades derivadas do clima tropical do Brasil, que é um País único em tamanho, biodiversidade, clima e produtos. Embora o agronegócio brasileiro esteja crescendo rapidamente, em termos econômicos, o País ainda não conseguiu gerar benefícios correspondentes. Os autores chamam a atenção para as consequências socioeconômicas do atual perfil do agronegócio brasileiro, que é monocultor, centralizador de renda e tem baixa capacidade de reinvestir em uma agricultura mais sustentável e ecológica, resultando em baixos benefícios sociais, entre outras consequências (CARBONELL et al., 2021).

Chandel et al. (2020) enfatizam que várias empresas multinacionais, como Raízen, Du Pont, BASF AG, Cargill, Braskem e outras, têm investido na produção de produtos químicos de base biológica/biocombustíveis. No entanto, os bioquímicos e mesmo os biocombustíveis não atingiram os objetivos comerciais desejados, devido à falta de viabilidade e de técnicas inovadoras de bioprocessamento ou engenharia genética. (CHANDEL et al., 2020)

Diferente do Brasil, a região Ásia-Pacífico possui o maior mercado de produtos químicos de base biológica do mundo, seguido pela Europa. No continente europeu, a Alemanha domina o mercado, seguida pela França, Reino Unido e Itália. Setorialmente, a agricultura, o setor florestal e a indústria de papel e celulose, entre outros, têm papel fundamental no fortalecimento da bioeconomia. Ainda há muitos desafios na simplificação dos resíduos, particularmente no que diz respeito à produção de energia (CHANDEL et al., 2020).

Barcelos et al. (2021) destacam que um grande contribuinte para a Bioeconomia no Brasil é a produção de casulos de seda. A atividade é importante não só porque o Brasil está entre os maiores produtores de fios de seda do mundo, mas também porque a maior parte da produção brasileira é para exportação (BARCELOS et al., 2021).

Dias e Carvalho (2017) trazem dados extraídos de um relatório produzido pela Fundação Oswaldo Cruz que mostra que, até 2008, biofármacos representavam 16% dos novos componentes farmacêuticos desenvolvidos, subindo para 24% em 2015. Para 2020, a perspectiva era de que esse número chegaria a quase 30%. Além disso, até 2020, sete dos dez produtos farmacêuticos mais vendidos no mundo seriam biofármacos. Em 2005, o mercado bioquímico global movimentou US$ 21 bilhões, menos de 2% do total movimentado por todo o mercado químico (US$ 1,2 trilhões) no mesmo período. Em 2013, o mercado químico global atingiu a marca de US$ 4,1 trilhões, e a estimativa é de que o setor bioquímico tenha representado algo em torno de 10% desse total (DIAS; CARVALHO, 2017).

Os estudos acima evidenciam o potencial brasileiro em modelos ligados à bioeconomia, que enfatizam a importância da biodiversidade do País como vantagem comparativa. Para aproveitar ao máximo o potencial da bioeconomia, é necessário investir em pesquisa e desenvolvimento, incentivar a inovação tecnológica e fomentar políticas públicas que promovam a produção sustentável e a agregação de valor aos produtos. Além disso, é importante garantir a inclusão social e a distribuição justa dos benefícios gerados pela bioeconomia, para que toda a sociedade possa se beneficiar desse modelo econômico mais sustentável e resiliente.

Qualidade do crescimento econômico

Resgatando a definição de Bugge de que a bioeconomia é a integração entre a biotecnologia, bioinsumos e bioecologia, se determinado setor ou empresa avançar apenas na biotecnologia sem ser um processo de trabalho integrado da respectiva cadeia de atividade econômica, pode ter externalidades ambientais e sociais negativas.

O caso da produção de cana-de-açúcar é um grande exemplo. É um produto renovável, que produz biocombustível e que se o aumento da sua produção depender do aumento da área plantada, tendo que desflorestar, nesse caso há impacto ambiental.

O debate da bioeconomia é importante para nós, economistas, atualizarmos conceitos como crescimento econômico e produtividade, destacados por autores como Georgescu-Roegen, que colocou a necessidade de analisarmos o lado qualitativo do crescimento econômico, principalmente os limites ambientais para a economia crescer. Podemos considerar como produtiva uma atividade econômica que impacta negativamente o meio ambiente e o meio social?

Referências bibliográficas

BARCELOS, Silvia Mara Bortoloto et al. Circularity of Brazilian silk: Promoting a circular bioeconomy in the production of silk cocoons. Journal of Environmental Management, v. 296, p. 301–4797, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2021.113373>. Acesso em: 5 set. 2022.

BERGAMO, Daniel et al. The Amazon bioeconomy: Beyond the use of forest products. Ecological Economics, v. 199, p. 107448, 1 set. 2022.

BUGGE, Markus M; HANSEN, Teis; KLITKOU, Antje. What is the bioeconomy? A review of the literature. Sustainability (Switzerland), v. 8, n. 7, 2016.

CARBONELL, Sergio A.M. et al. Bioeconomy in Brazil: Opportunities and guidelines for research and public policy for regional development. Biofuels, Bioproducts and Biorefining, v. 15, n. 6, p. 1675–1695, 1 nov. 2021.

CHANDEL, Anuj K. et al. The role of renewable chemicals and biofuels in building a bioeconomy. Biofuels, Bioproducts and Biorefining, v. 14, n. 4, p. 830–844, 1 jul. 2020.

DIAS, R. F.; DE CARVALHO, C. A.A. Bioeconomy in Brazil and in the world: Current situation and prospects. Revista Virtual de Quimica, v. 9, n. 1, p. 410–430, 2017.

SILVA; GUIDBORGONGNE CARNEIRO NUNES DA. Análise bibliométrica da produção científica sobre bioeconomia no Brasil: uma visão panorâmica. UFG – Universidade Federal de Goiás, 2023. Disponível em: <http://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/12893>.

VALLI, Marilia; RUSSO, Helena M.; BOLZANI, Vanderlan da Silva. The potential contribution of the natural products from Brazilian biodiversity to bioeconomy. Anais da Academia Brasileira de Ciencias, v. 90, n. 1, p. 763–778, 2018.