Podcast Economistas: Qual é a região que mais recebe recursos do desenvolvimento regional?

Estudo de pesquisador do IPEA analisou quatro instrumentos de desenvolvimento regional de 2010 a 2021. Spoiler: região que recebe mais recursos não é o Nordeste

Está no ar a edição número 123 do podcast Economistas, e o tema desta vez é o financiamento do desenvolvimento regional. O pesquisador Aristides Monteiro, do IPEA, realizou um estudo englobando o período de 2010 a 2021 e analisando dados de quatro instrumentos de políticas territoriais: o crédito rural, os desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os fundos constitucionais e os investimentos federais. O podcast Economistas pode ser ouvido na sua plataforma preferida ou no player abaixo.

O período do estudo é caracterizado por dois momentos: o primeiro deles até 2014, com a economia brasileira apresentando algum crescimento, e o segundo de 2015 a 2021, com uma recessão profunda e uma recuperação lenta, mudanças macroeconômicas (como o teto de gastos) e uma nova recessão causada pela pandemia, com uma recuperação estatística.

Entre estes instrumentos de política regional, os fundos constitucionais são os que possuem um caráter territorial explícito. Aristides aponta outro problema, uma vez que, exceto os investimentos públicos federais, os demais instrumentos são operados por instituições bancárias: “O crédito rural, os desembolsos do BNDES e os fundos constitucionais são comandados pela demanda. O produtor vai ao banco, apresenta a demanda e o banco entrega o recurso”, afirmou Monteiro. “A capacidade de indução governamental sobre estes recursos é limitada. Pode ser sugerida esta ou aquela finalidade, mas em última instância é o gerente do banco quem comanda a política”.

“Retrocedemos, porque produzimos um ambiente de muita incerteza para os investimentos do setor privado e o investimento federal desabou. Não foi utilizada a capacidade do setor público de se sobrepor à crise ou atuar anticiclicamente”, aponta Monteiro.

Alguns dados ajudam a entender a diferença entre as duas partes do período englobado pelo estudo. No período 2010-2014 a taxa média de investimentos era 20,5% do PIB e, após a crise de 2015, ela caiu para 16%. Além disso, em 2010-2014 o investimento público da União somou 422 bilhões de reais em cinco anos, contra 297 bilhões em sete anos em 2015-2021. Nos mesmos períodos, os recursos das quatro ferramentas de desenvolvimento regional analisadas no estudo somaram 3 trilhões (2010-2014) e 2,5 trilhões (2015-2021).

Outra medida que dá a dimensão de como as duas partes do período de estudo são diferentes tem a ver com o total de recursos, como proporção do PIB, usados nos quatro instrumentos de políticas com impacto territorial. Entre 2010 e 2014 os montantes variavam entre 6,2% e 7,5%; já em 2015-2021, variaram entre 3,7% e 5,2%.

“O nível da formação bruta de capital fixo passou para 16% do PIB. Antes da crise era de 20,5%, o que já não era alto. Discutia-se que já não era alto e que era preciso melhorar para o Brasil se colocar em outro patamar”, recorda Monteiro. “Retrocedemos, porque produzimos um ambiente de muita incerteza para os investimentos do setor privado e o investimento federal desabou. Não foi utilizada a capacidade do setor público de se sobrepor à crise ou atuar anticiclicamente”.

O estudo apontou que, entre as ferramentas utilizadas, o crédito rural tem maior impacto nas regiões Sul e Centro-Oeste; os desembolsos do BNDES são mais sentidos no Sul e no Sudeste; os Fundos Constitucionais beneficiam o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste; e os investimentos federais atingem mais o Nordeste e o Sudeste.

“Precisamos pensar além, com atividades industriais associadas, e também com serviços urbanos, para viabilizar a dotação de infraestruturas urbanas”, pontua Aristides Monteiro.

Quando tomamos os quatro instrumentos em seu conjunto, entre 2010 e 2021 foram aplicados 4,4 trilhões de reais, sendo a região Sudeste a captadora do maior montante: 1,7 trilhão. O Centro-Oeste vem em terceiro lugar, com 722 bilhões. Mas ao dividir o montante aplicado pela população de cada região, o dado surpreende: o maior desembolso por habitante ocorre no Centro-Oeste, com mais de cinco mil reais ao ano, o que representa mais do que o dobro da média nacional. Em grande parte, isso se explica pelo crédito rural, que é bastante forte na região.

“Os instrumentos de financiamento que não têm uma orientação territorial explícita têm muito mais poder de atuar e mudar o território do que os recursos da política regional tradicional”, aponta Monteiro.

Os dados mostram que na região Centro-Oeste a atividade agropecuária (e a agroindústria) estão buscando recursos em quase todas as fontes disponíveis. O Fundo Constitucional do Centro-Oeste é o que tem a maior proporção de recursos captados pela agroindústria, com média de mais de 60% nos últimos vinte anos. Na visão do pesquisador, os recursos do Fundo Constitucional deveriam servir para estimular uma diversificação produtiva na região, e não uma especialização.

“Temos reiteradamente discutido a reorientação dos bancos e das estratégias de política regional para aumentar a complexidade produtiva regional. Pode ser inclusive na própria cadeia de grãos, o que não pode é exportar apenas grãos in natura ou produtos com pouca especialização e valor agregado”, pontua Aristides. “Precisamos pensar além, com atividades industriais associadas, e também com serviços urbanos, para viabilizar a dotação de infraestruturas urbanas”.

“Estamos dando cada vez mais subsídios para as atividades do campo, como carnes e grãos. São atividades que não geram impostos e que não adicionam à fonte de recursos que vão capturar. Os instrumentos da política regional e os Fundos Constitucionais estão sob risco porque sua trajetória de crescimento tende a ser decrescente. Precisamos olhar para a sua viabilidade futura”, comenta Aristides Monteiro.

Monteiro também argumenta que, com as fontes de financiamento público capturadas pelo setor agropecuário na região Centro-Oeste, há dificuldades para financiar novos setores e atividades como inovação, transição energética e uma matriz de transportes não poluentes. Mas o pesquisador aponta, ainda, para outro perigo: que a desindustrialização vivida pela economia brasileira afete as fontes de recursos.

“Os Fundos Constitucionais são financiados pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e pelo Imposto de Renda. Como a economia brasileira está se desindustrializando, o IPI reduz a sua participação”, comenta o pesquisador. E afirma que não se trata de criticar este ou aquele setor, mas de pensar na viabilidade dos próprios Fundos Constitucionais como instrumentos de desenvolvimento. “Estamos dando cada vez mais subsídios para as atividades do campo, como carnes e grãos. São atividades que não geram impostos e que não adicionam à fonte de recursos que vão capturar. Os instrumentos da política regional e os Fundos Constitucionais estão sob risco porque sua trajetória de crescimento tende a ser decrescente. Precisamos olhar para a sua viabilidade futura”.

Aristides Monteiro é doutor em economia aplicada pela Universidade de Campinas e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Ele também foi secretário de estado da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente no estado de Pernambuco.