Artigo de opinião – O quadro econômico e a sabotagem do BC

Por Júlio Miragaya*, conselheiro do Conselho Federal de Economia. Texto publicado originalmente no portal Brasília Capital

O governo Lula, ao assumir o País em 2023, encontrou uma situação econômica e social bastante delicada. E apesar de todas as dificuldades, após 18 meses, a situação do Brasil é visivelmente melhor. Mas o Banco Central e o mercado não pensam assim. A nervosa reação dos agentes do mercado, expressa na disparada do dólar para a casa dos R$ 5,40, não encontra correspondência no desempenho dos principais indicadores econômicos.

Em relação ao crescimento econômico, embora o mercado, em dezembro de 2022, projetasse para 2023 um crescimento do PIB de 0,8%, o ano fechou com incremento de 2,9%. Para 2024, o mercado “escaldado” projeta crescimento de 2,1%, o FMI estima em 2,2% e o Ministério da Fazenda elevou sua projeção para 2,5%.

Quanto à inflação, embora o “mercado” projetasse, em dezembro de 2022 o IPCA em 5,31%, 2023 fechou com a inflação em 4,62%, abaixo da verificada em 2022 (5,78%) e abaixo do teto da meta (4,75%). Para 2024, o “mercado” projeta o IPCA em 3,98% e o MF em 3,7% (ambos abaixo do teto da meta, de 4,5%). Em relação à taxa de desemprego, de 7,4% em dezembro de 2023, foi a mais baixa desde dezembro de 2014 (6,6%) e muito abaixo dos 11,1% no final do primeiro ano do governo Bolsonaro.

No setor externo, a balança de transações correntes apresentou sensível melhora em relação ao verificado nos anos anteriores. Historicamente deficitária (em razão do déficit estrutural em rendas), o déficit em 2023 foi de US$ 28,6 bilhões (1,3% do PIB), queda de 40% em relação a 2022 (US$ 48,3 bilhões ou 2,5% do PIB) e a 2021 (U$ 46,4 bi, também 2,5% do PIB). As reservas internacionais cresceram de US$ 330 bi para US$ 350 bi.

Onde está a crise? O desempenho da economia brasileira nesses 18 meses deve ser ainda mais valorizado em função da conjuntura econômica internacional adversa. O impacto da guerra Rússia x Ucrânia nas economias europeias (crescimento do PIB foi de pífios 0,4% em 2023) fez com que 2023 registrasse significativa desaceleração da economia global, num ano marcado pelo aperto monetário e elevação das taxas de juros.

Mas o mercado continua batendo na tecla de que o quadro fiscal é ruim. O mesmo mercado que comemorou o resultado primário superavitário de 2022, ignorando que este foi obtido mediante artifícios como o não pagamento (calote) de precatórios; o não repasse aos estados das perdas que tiveram devido à redução de tributos estaduais (ICMS) incidentes sobre combustíveis; e a redução dos gastos públicos obtida com a supressão ou drástica redução de programas sociais. O déficit primário em 2023 foi de R$ 230 bi (2,1% do PIB), mas somente o pagamento do estoque de precatórios em dezembro consumiu R$ 92 bi.

Asqueroso é ver o mercado e a grande mídia criticarem ferozmente o déficit primário de 2,1% do PIB e exigirem corte de gastos pelo governo e nada se ouve sobre o déficit nominal (9,7% do PIB), que inclui os gastos com juros da dívida pública, ignorando-os por completo. Os gastos com pagamento de juros da dívida pública foram de R$ 586 bi em 2022 e, com a Selic em 13,75% até agosto, subiram para a casa dos R$ 700 bi em 2023. Nos últimos 13 anos, somaram nada menos que R$ 5,1 trilhões, para a alegria dos rentistas.

Do lado da receita, o Congresso Nacional sabota o governo travando as várias tentativas da Fazenda de reduzir a “farra das isenções fiscais”, mantendo, por exemplo, a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores de atividade econômica. E a Reforma Tributária ficou apenas na simplificação e racionalização dos tributos, jogando pras calendas a tributação sobre lucros e dividendos da Pessoa Física e o Imposto sobre Grandes Fortunas.

Pra completar, o ‘BC bolsonarista’ mantém sua política de sabotagem. Lembremos que quando Lula assumiu, a taxa de juros estava em 13,75% e, embora a inflação estivesse em nítida desaceleração, foi mantida inalterada até agosto de 2023. Após muita pressão da sociedade, o BC iniciou uma trajetória de seis reduções consecutivas de 0,5 ponto percentual, refluindo a taxa para 10,75% em março. Em maio último, o BC reduziu a Selic em apenas 0,25%, para 10,5%, e a manteve em junho. E o mercado exige que se mantenha nesse patamar até dezembro.

Mas o mercado exigiu mais: que o BC não só mantivesse a Selic em 10,5%, mas que a decisão se desse por unanimidade, com os votos dos 4 diretores indicados por Lula. Era um recado claro ao governo: ou se submete ou subiremos a especulação com o dólar, com a garantia de que o BC nada fará para neutralizar a desvalorização do real. A tríplice aliança mercado/BC/Congresso promete dar trabalho nesse restante de 2024.

*Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia.