Podcast Economistas: inteligência artificial para finanças e necessidade de regulação
No último podcast da série, o economista Eduardo Araujo aponta que o uso de ferramentas de IA não prescinde da análise humana e comenta por que é importante regular os usos da ferramenta
Está no ar mais uma edição do podcast Economistas. Nesta semana, temos o terceiro e último episódio da série sobre os efeitos da inteligência artificial sobre o mercado de trabalho dos economistas e quem conversa conosco é o economista Eduardo Reis Araujo, consultor do tesouro estadual do Espírito Santo, mestre em economia pela UFES e em políticas públicas pela Universidade de Oxford.
No episódio anterior, Araujo discutiu se poderia acontecer de as pessoas consultarem ferramentas de inteligência artificial ao invés de um profissional qualificado (como é o caso do economista). Desta vez, o tema foi o uso da ferramenta nas finanças pessoais e a regulação do setor.
“Vi algumas versões experimentais que foram criadas com base no conhecimento geral do ChatGPT para oferecer orientação sobre organização de finanças, mas não vejo isso sendo usado no dia a dia, até porque o problema das finanças pessoais passa também por uma questão comportamental”, analisa o economista. “As pessoas têm dificuldade de tirar tempo para falar das próprias finanças, quanto mais usar as ferramentas que ainda estão pouco difundidas. Vejo um grupo muito específico de pessoas, talvez a elite financeira, pessoas que investem e estão na fronteira desse conhecimento, experimentando o uso desses modelos para decisões de investimento”.
Mas como a inteligência artificial pode ajudar as pessoas a organizarem melhor as suas finanças? “Às vezes você pega uma fatura do cartão de crédito e identifica um problema, uma cobrança indevida, e perderia um tempo enorme para fazer ao banco um requerimento. A inteligência artificial pode ser utilizada para fundamentar um pedido”, comentou Araujo. “Às vezes você precisa fundamentar esse pedido e não tem muito conhecimento na área jurídica, e precisa investigar quais são os fundamentos para que uma empresa cobre um empréstimo acima do que é normal. O ChatGPT pode trazer estes insights”.
As ferramentas de inteligência artificial são úteis – mas, para o economista, ainda é melhor contar com o ser humano para certas tarefas. “Se você pegar o orçamento de uma família, escrever num papel e tirar uma foto das receitas e despesas, e perguntar ao ChatGPT como fazer para melhorar o orçamento, ele vai trazer uma resposta, dizendo que você pode economizar em uma área ou reduzir outra despesa”, expressou Araujo. “Tem essa possibilidade do sistema, mas ainda vejo que isso seja feito de uma forma mais interessante quando há um ser humano ao lado. E acho que as pessoas se dão conta disso”.
A inteligência humana continua sendo imprescindível, na visão de Araujo. “Às vezes você usa o ChatGPT para falar o nome de um remédio que precisa tomar para algum problema, mas não está muito seguro quanto a ele e acaba indo se consultar com um médico, e aí você diz: olha, eu investiguei essas três possibilidades – e aí o médico responde que nenhuma das três vai resolver, que tem um quarto remédio que você deve tomar”, exemplificou o economista. “O mesmo acontece no campo das finanças pessoais ou outras consultorias. O ChatGPT pode apontar uma série de possibilidades, mas a tomada de decisão precisará da expertise e do conhecimento prático do dia a dia, e da leitura de um contexto, que é o que o economista faz. Isso continua sendo insubstituível”.
Regulação
A inteligência artificial tem uma grande quantidade de aplicações possíveis, tanto para o bem quanto para o mal. Por esta razão, já existe um debate muito grande sobre os limites éticos e até mesmo de privacidade de uma pessoa. “Há vários processos de empresas – por exemplo, jornais que questionam que o ChatGPT está usando a base de conhecimento deles para gerar um novo conhecimento ao produzir um conteúdo. A questão ética de como ele usa estas fontes de dados é um ponto de discussão”, informa Araujo. “Do ponto de vista político, há modelos capazes de gerar voz e imagem de maneira que você não consegue distinguir se é um ser humano ou uma máquina que está gerando aquele vídeo. Imagine campanhas eleitorais como na Argentina, em que vários destes vídeos foram usados para trazer desinformação”.
As discussões também envolvem o risco de uma superinteligência capaz de gerar guerras, ou um modelo baseado em filmes de ficção que fosse capaz de tomar decisões de forma autônoma, como controlar drones e causar danos ao ser humano – mas, por enquanto, o economista não vê essas situações como possíveis. Outro tema ético diz respeito ao treinamento da inteligência artificial, que pode dar margem a respostas enviesadas – sejam elas intencionais ou não.
“Imagine que você tem um esquema de reconhecimento por vídeo e faz controles de imigração. Pode gerar uma tendência de preconceito ao usar a inteligência artificial para decidir quais pessoas vão passar pela análise durante o processo de migração. A base de conhecimento com a qual estes modelos são treinados pode perpetuar o racismo e a discriminação”, cogitou o economista. “Muitos modelos são treinados com conhecimentos da própria internet, e ali há preconceitos. Dependendo da forma como você faz uma pergunta, eles podem dar uma resposta enviesada. A regulação desta imparcialidade é importante”.
Araujo levantou ainda outra possibilidade: “Pode ser que a inteligência artificial seja usada pelo seu filho para perguntar sobre questões complexas. Dependendo da forma como este modelo traz uma resposta, a pessoa pode usar o conhecimento com segurança e achar que é uma informação válida, o que pode conduzir a sociedade a um caminho que talvez não seja o melhor”, ponderou. “Por isso a regulação é pertinente e deve avançar”.
Assim, como garantir que a inteligência artificial seja usada de forma responsável e equitativa para promover o desenvolvimento econômico sustentável? “Devemos fomentar dentro do setor público este debate, para poder explorar a potencialidade e as possibilidades dessa tecnologia e, em paralelo, tendo outra linha de discussão dentro do governo, que é a avaliação dos riscos”, observou Araujo. “Várias agências de governo usam processos de machine learning para iniciar um processo de fiscalização dentro de uma empresa. Mas eu não vejo transparência na forma como estas ferramentas são usadas. Seria o caso de termos estas informações documentadas de maneira que o cidadão possa ter o conhecimento”.
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