Podcast Economistas: Como a educação das meninas para o lar se reflete nas profissões
Por que existem profissões masculinizadas ou feminilizadas? E como a desigualdade de gênero impacta no mercado de trabalho? Ouça o podcast desta semana, com Lucilene Morandi e Shirley Basílio
Está no ar a edição 109 do podcast Economistas e o tema desta vez são os reflexos das desigualdades no mercado de trabalho. Quando se fala em desigualdade, a primeira que vem à mente é a de renda, mas existem outras que também são bastante relevantes – como a de gênero e a de raça. Escute o podcast na sua plataforma preferida ou no player abaixo.
Por que é necessário tratar da desigualdade de gênero ao falar de economia e qual é a importância de analisar dados a respeito de homens e mulheres? A economista Lucilene Morandi, professora associada da Universidade Federal Fluminense, conta que a primeira luta feminista por direitos diz respeito ao voto, para que as mulheres pudessem ter independência, autonomia de decisões e participação – ou seja, cidadania. A segunda foi pela educação.
“Até 1961 as mulheres no Brasil tinham currículos diferenciados. As meninas aprendiam menos matemática que os meninos. Havia textos tentando explicar que era uma perda de receita pública ensinar a elas mais do que o básico. É algo que hoje nós consideraríamos vergonhoso”, comenta Morandi. “Fazia parte do currículo das meninas a economia do lar, que era a preparação para o casamento”.
Desde que as mulheres passaram a ter mais acesso à educação no Brasil, o número de anos de escolaridade foi aumentando. Na década de 1980 a média feminina superou a masculina. Desde a década de 1970 há mais mulheres do que homens cursando o ensino médio e na década de 1990 esta realidade passou a ocorrer também no ensino superior. Mas Lucilene Morandi observa que os cursos superiores ainda são masculinizados ou feminilizados.
“Há cursos em que a maioria são mulheres e outros em que a maioria são homens”, observa Morandi. “Nos cursos de exatas as mulheres são minoria. Elas ainda são maioria nos cursos de cuidados, como educação, serviço social, artes e medicina. Mas quando abrimos a medicina por categorias, as mulheres estão em funções como auxiliar de enfermagem e enfermeiras. Mesmo quando médicas, elas estão em áreas que têm rendimentos menores”.
Para a economista, a explicação para esta realidade encontra-se no fato de que as mulheres, desde cedo, são educadas para o trabalho de cuidados. “Eu fico irritada quando entro numa loja de brinquedos, porque claramente há uma seção para meninos e outra para meninas. Na de meninas há bonecas, casinhas e que tais. Na dos meninos há bolas, tratores, foguetes, aviões”, afirma Morandi. “As mulheres são educadas para a casa, para o interior. Os homens são educados para conquistar o mundo e lutar da porta para fora”. Quando vão escolher um curso superior, homens e mulheres escolhem aquilo que conhecem.
Os trabalhos domésticos também são um dos fatores que interferem na diferença de rendimentos. As mulheres dedicam mais horas semanais a este tipo de trabalho do que os homens. E quando se faz um recorte de raça, a quantidade de horas das mulheres pretas e pardas é ainda maior. “Esta distribuição não muda ao longo do tempo. Os homens têm em torno de 10 horas de trabalho não remunerado por semana e as mulheres têm 22”, comenta Morandi. “E não importa o papel da mulher dentro da família, se ela é a responsável, cônjuge ou companheira, filha, enteada ou outra condição qualquer, ela sempre tem mais horas do que os homens. E quando elas se casam, aumenta a realização deste tipo de trabalhos, enquanto os homens diminuem”.
A diferença de rendimentos entre as mulheres e os homes vem caindo. Em 2013 era de cerca de 27%; em 2022 estava em 21%. Morandi encontra no preconceito a explicação para este dado e afirma que, segundo a teoria econômica, o rendimento de um trabalhador reflete a sua qualificação e as mulheres possuem mais anos de estudo do que os homens. A economista Shirley Basílio, que atuou mais de quatro décadas na área de governança corporativa, apresentou alguns dados sobre a desigualdade no acesso a cargos de liderança.
“Cerca de 54% das mulheres com 15 anos ou mais compõem a força de trabalho formal no Brasil, segundo dados do IBGE em 2019”, aponta Shirley. “Apenas 17% dos cargos de diretoria e dos conselhos são ocupados por mulheres. Dentro deste universo, 75% delas são brancas e apenas 18% são negras. Se para acessar cargos de liderança a mulher branca tem que quebrar um teto de vidro, no caso das negras este teto é blindado”.
Outro dado do mercado de trabalho diz respeito ao nível de ocupação. Entre os homens sem filhos, um total de 82,8% estão ocupados; já entre os homens com filhos, este percentual sobe para 89%. Entre as mulheres, acontece o contrário: o nível de ocupação das que não têm filhos é de 66,2% e cai cerca de dez pontos percentuais depois que elas se tornam mães. Para que uma mulher possa se manter no mercado de trabalho depois de ter filhos, é de grande importância ter uma rede de apoio, uma vez que os afazeres domésticos demandam tempo. Quando há uma criança pequena, é preciso cuidar dela ou repassar este trabalho a outra pessoa. Hoje muitas avós têm participado do trabalho de cuidar dos netos.
“A criança tem que estar na escola em determinado horário. Para isso, tem que acordar, tem que estar alimentada, tem que tomar banho. Uma pessoa idosa tem que tomar remédio. Não é um trabalho que a pessoa responsável faz se quiser. Ela é obrigada a fazer. E a sociedade olha para a mulher como sendo a responsável”, observa Morandi. “Se ela não conseguir repassar este trabalho, ela não tem como ir ao mercado de trabalho. As mulheres estão mais em empregos de tempo parcial do que os homens, e as pretas e pardas muito mais. Isso implica em menor rendimento médio, maior pobreza feminina e inclusive menor rendimento na aposentadoria”.
A economista Shirley Basílio fala sobre a importância da rede de apoio com a qual contou durante a sua trajetória profissional. “Sempre tive uma rede de apoio. Até por isso, consegui chegar aonde cheguei. Meu marido sempre me ajudou. Antes de casar-me, meus pais sempre me ajudaram”, conta Shirley. “Somos sete mulheres em casa. Tive muito apoio da minha mãe e das minhas irmãs para cuidar dos meus filhos enquanto eu estudava, já quando estava casada. Sempre tive esta rede de apoio muito forte, o que me ajudou a fazer tudo o que precisava para alcançar as oportunidades que o Grupo Sílvio Santos me oferecia”.
Shirley olha para o futuro com otimismo e recomenda que as jovens economistas se capacitem e tenham redes de apoio. “É importante a educação contínua, a participação em cursos, workshops e conferências, a construção de redes de relacionamentos com mulheres do setor, o networking e a rede de apoio. Sem esta rede, talvez eu não conseguisse metade do que consegui”, reflete a economista. “Nosso futuro vai mudar. A desigualdade vai mudar, estamos caminhando nesta direção. As empresas estão debatendo o tema e valorizando a diversidade. Se todos estivermos juntos nesta causa, o resultado será significativo”.